Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ezra Klein

Progressistas precisam construir mais para resolver problemas dos EUA

Americanos não constroem moradias de forma rápida o suficiente para torná-las acessíveis nas cidades

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

The New York Times

Dois escritores inteligentes escreveram artigos reflexivos –um de direita, outro de esquerda– explicando onde eu errei terrivelmente. Ambos os textos visam ao mesmo alvo: o que eu chamei de progressismo pelo lado da oferta. Muitos dos problemas que o progressismo americano está tentando resolver hoje dependem da construção de muito mais de alguma coisa —e fazê-lo numa velocidade vertiginosa.

Capacidade de energia limpa. Carregadores de veículos elétricos. Casas. Fábricas de semicondutores. Transporte de massa. Linhas de transmissão. Mas o progressismo não está crescendo no ritmo necessário para resolver nenhum desses desafios. E alguns dos piores exemplos de governo lutando para construir estão nos locais mais democratas: trens de alta velocidade na Califórnia, Big Dig em Boston, o metrô em Nova York, moradias em basicamente todas as grandes cidades que você possa imaginar.

Morador de rua em gramado do parque WestLake, proximo ao centro financeiro de Los Angeles
Morador de rua em gramado do parque WestLake, proximo ao centro financeiro de Los Angeles - Apu Gomes - 18.set.19/Folhapress

Para resolver os problemas que enfrentamos, os progressistas precisam construir mais, e mais rápido.

Reihan Salam, presidente do conservador Instituto Manhattan, e David Dayen, editor-executivo do progressista American Prospect, acham que eu errei. Curiosamente, suas críticas são inversões quase exatas uma da outra. Para Salam, um progressismo que constrói pode ser desejável, mas é politicamente impossível. Para Dayen, construir já é muito fácil e torná-lo ainda mais fácil seria politicamente danoso.

Começamos com Salam. O progressismo moderno, escreve ele, não é um conjunto de ideias destinadas a atingir fins distintos, mas "uma fórmula política, um conjunto de compromissos para unir uma coalizão democrática diversificada". Para ele, os principais agentes são "funcionários públicos sindicalizados e metropolitanos progressistas abastados". Os sindicatos querem que o governo empregue mão de obra a preços mais altos, e os metropolitanos querem taxas baixas, e essas demandas são inegociáveis.

Salam está oferecendo uma análise clássica de grupos de interesse da política democrata, e há verdade nisso. No mínimo, ao limitar suas preocupações à mão de obra organizada e aos moradores urbanos instruídos, ele subestima a magnífica gama de interesses que os democratas precisam administrar.

Onde ficam os grupos ambientalistas? Os defensores dos sem-teto? Os CEOs que não aguentam mais o Partido Republicano e transformaram suas doações em influência entre os democratas?

Onde discordo de Salam é na maneira como ele descreve as demandas e os desejos de grupos de interesse e eleitores como fixos, mas que na realidade estão em um fluxo constante. As demandas raramente são inegociáveis. As prioridades mudam não apenas por motivos de interesse próprio, mas porque os eleitores e, sim, os grupos de interesse passam a estar convencidos de novas ideias.

Não precisamos debater isso em teoria. A política está mudando. Basta olhar em volta.

Berkeley, na Califórnia, foi a primeira localidade a aprovar o zoneamento unifamiliar (que autoriza só uma casa por parcela de terra). Em 2021, o Conselho da Cidade de Berkeley votou pelo fim do zoneamento unifamiliar, já que os progressistas passaram a ver que era uma ferramenta de exclusão.

A Califórnia seguiu o exemplo, aprovando um projeto de lei que proibia o zoneamento unifamiliar em todo o estado. Em San Francisco, a prefeita London Breed propôs reformas no modo como as moradias são construídas na cidade, o que encantou até o mais duro dos ativistas pró-habitação.

Em Los Angeles, os eleitores aumentaram os impostos sobre si mesmos para lidar com os sem-teto, e a prefeita Karen Bass e a Câmara Municipal acabam de isentar a habitação popular de uma longa etapa no processo de planejamento. Em todo o estado, o governador Gavin Newsom já assinou mais projetos de lei pró-habitação do que posso descrever razoavelmente aqui, e ele acabou de aprovar um pacote de reformas de licenciamento e aquisição, apesar dos protestos iniciais de grupos ambientalistas.

E não é só a Califórnia: Oregon e Maine também proibiram o zoneamento unifamiliar, e Connecticut e Massachusetts deram passos na mesma direção. Isso não quer dizer que a crise imobiliária da Califórnia se reverterá rapidamente. Mas as políticas estão mudando, porque os eleitores estão sendo convencidos de que mais moradias e mais construções são necessárias para um futuro justo e decente.

Salam pinta o progressismo pelo lado da oferta como um círculo de "líderes de pensamento sem seguidores de pensamento", mas acho que isso revela o contrário: moradores de estados democratas estão furiosos com os problemas que o progressismo de oferta restrita criou, e políticos e teóricos estão seguindo essa fúria até suas conclusões políticas naturais.

Para os políticos de estados democratas, é uma questão de sobrevivência. Newsom, por exemplo, tem claras ambições presidenciais, mas elas serão natimortas se ele não for visto, até 2028, como o governador que resolveu a crise imobiliária da Califórnia, não como aquele que simplesmente a presidiu.

O que leva à crítica de Dayen, que começa em um lugar muito diferente da crítica de Salam. Ele começa observando que os EUA passaram de importadores de gás natural liquefeito a exportadores dominantes em menos de uma década. "O que não se pode dizer é que essa indústria é produto de um país que esqueceu como se constrói", escreve. "Uma mistura de política nacional, financiamento voluntário e poder econômico e político superou facilmente qualquer letargia considerada endêmica no sistema dos EUA."

Homem vasculha cesto de lixo em São Francisco, nos Estados Unidos
Homem vasculha cesto de lixo em São Francisco, nos Estados Unidos - Jim Wilson - 7.abr.19/The New York Times

Para Dayen, a ascensão do gás natural revela que quando uma indústria tem poder político suficiente –como a indústria de combustíveis fósseis– ela pode alcançar notáveis façanhas de construção. O que é necessário, então, não é "um progressismo que constrói, mas um progressismo que constrói poder".

A maneira de fazer isso são subsídios, mandatos, padrões e processos de revisão que envolvem sindicatos, grupos ambientalistas e organizadores comunitários em toda essa construção.

Mas há muitas diferenças entre o gás natural e a descarbonização ou a construção de moradias para que a analogia sirva ao propósito que Dayen deseja. Habitação, por exemplo, precisa ser construída em áreas residenciais. A infraestrutura para a exportação de gás, em grande parte, não. A política é diferente.

E não há razão para buscar comparações imprecisas quando podemos examinar as indústrias de interesse. Estamos construindo moradias rápido o suficiente para torná-las acessíveis em nossas cidades mais dinâmicas? Não. Estamos construindo painéis solares, parques eólicos, linhas de transmissão, fábricas de baterias e estações de carregamento de veículos elétricos rápido o suficiente para atingir nossas metas de descarbonização? Não. Então podemos fazer a pergunta diretamente: por que não?

Quando Dayen se volta diretamente para tópicos como moradia, seus argumentos dão errado. Ele argumenta que parte da crise imobiliária é a construção insuficiente após a Grande Recessão. É verdade.

Mas isso não explica por que é funcionalmente impossível construir um prédio de apartamentos de seis andares nos bairros mais carentes de San Francisco e Washington. Sim, as construtoras avaliaram mal a demanda dez anos atrás. Mas não é por isso que elas não podem aumentar a oferta mais rapidamente agora. Edifícios não são tecnicamente difíceis de construir. Eles são politicamente difíceis de construir.

O argumento central de Dayen é que o que construímos reflete quem tem poder –e como ele é construído muda quem tem poder. O que precisamos, diz, é "que o governo apoie os grupos que ficaram de fora das transições econômicas anteriores, construindo uma coalizão para a transformação de longo prazo". Mas quem exatamente está nessa coalizão? O que acontece quando seus interesses entram em conflito?

A mão de obra organizada é um eleitorado natural para um progressismo que constrói, e seus líderes me dizem o mesmo em conversas que tive com eles. Mais construção realmente significa mais empregos. Na prática, porém, a expressão "mão de obra organizada" desmente a realidade de organizações trabalhistas fragmentadas e desorganizadas nos níveis estadual e local.

Projetos de lei habitacionais e ambientais na Califórnia, por exemplo, muitas vezes têm sindicatos em oposição e outros em apoio. Já falei em colunas anteriores sobre ganhos de custo e velocidade a serem obtidos com o uso de habitações modulares produzidas em fábricas que usam mão de obra sindicalizada.

Uma política voltada para esse processo de produção é boa para os sindicatos de manufatura que empregam essas fábricas e mais dura para os sindicatos de construção que, de outra forma, teriam feito a construção no local. Quem ganha essa luta?

Eu gostaria de ver um movimento trabalhista mais forte nos EUA, que é uma das muitas razões pelas quais apoio a negociação setorial e a nomeação obrigatória de trabalhadores para conselhos corporativos. Muitos países com sindicatos mais fortes do que os americanos concluem projetos de trânsito com maior rapidez e economia do que nós.

Mas um dos maiores desafios da política trabalhista dos EUA é a percepção pública de que os sindicatos muitas vezes retardam a construção em vez de melhorá-la, e essa percepção está enraizada em fracassos reais de projetos reais em lugares nos quais os progressistas e os sindicatos detêm o poder real.

Não acho que seja impossível consertar, mas é impossível consertar se os progressistas se recusarem a admitir que é verdade e se recusarem a fazer as mudanças necessárias para provar que não é verdade.

A leitura de Dayen me fez lembrar um artigo de Michael Gerrard, fundador do Centro Sabin para Leis da Mudança Climática em Columbia, "A Time for Triage" [tempo de triagem, em português]. Nele, Gerrard argumenta que, "em vez de negar o clima, a comunidade ambiental tem uma negação de compensação. Não admitimos que é tarde demais para preservar tudo o que consideramos precioso e lento para tomar decisões". Este é, eu sugeriria, um problema mais amplo na esquerda.

Há sempre a esperança de uma política sem perdedores, ou ao menos sem perdedores dos quais gostamos. Mas nenhuma política na velocidade da descarbonização pode realizar essas esperanças.

No artigo "The Greens' Dilemma" (o dilema dos verdes), J.B. Ruhl e James Salzman, professores de direito ambiental, colocam isso vividamente. "Considere que a maior instalação solar hoje em operação nos EUA é capaz de gerar 585 MW", ou megawatts, escrevem. "Para atender até mesmo a um cenário intermediário de energia renovável, seria necessário colocar em operação duas novas instalações de energia solar de 400 MW –cada uma ocupando ao menos 8 km²– todas as semanas pelos próximos 30 anos."

Ou veja as linhas de transmissão. A infraestrutura máxima da linha de transmissão instalada em um ano foi de 6.560 km, em 2010. Vamos precisar dobrar isso, e fazê-lo ano após ano. Perguntei a Robinson Meyer, editor-executivo do Heatmap, organização que acompanha o ritmo da descarbonização, se temos capacidade de construir essa infraestrutura, nessa velocidade, sob as leis e os processos que temos hoje.

"Absolutamente não", disse ele.

E aqui está uma compensação que não podemos negar. Descarbonizar exigirá que os progressistas façam uma série de escolhas que mudem a forma como construímos. Recusar-se a fazer essas escolhas é fazer um tipo diferente de escolha. É escolher os problemas de um mundo que se aquece mais rapidamente do que os problemas que virão –e não há dúvida de que haverá problemas– se construirmos rápido o suficiente para fazer o que prometemos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.