Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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No metrô de Nova York, de má reputação, já viajei até ao lado de cobra

Trajetória de 116 anos do sistema de transporte tem histórico de violência ligado a perigo e dilapidação urbana

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O homem acusado de ser o atirador do metrô de Nova York, Frank James, foi capturado passeando pelas ruas de Manhattan, nesta quarta-feira (13). O terror enfrentado pelos passageiros no bairro do Brooklyn aconteceu na maior cidade americana, mas faz parte de um fenômeno nacional que isola os Estados Unidos de outros países: o massacre com armas de fogo.

Frank James disparou 33 vezes e não conseguiu matar, mas deixou sinais de que sua intenção era produzir um número maior de vítimas. A pistola usada no ataque travou, e ele tinha mais munição, além de explosivos, numa sacola depois encontrada na estação. O homem foi criado no bairro nova-iorquino do Bronx, mas teve uma vida errante por vários estados, onde foi preso 12 vezes por vários crimes.

Policial nova-iorquino se prepara para revistar casaco esquecido no chão da estação da Rua 36, a mesma onde houve um ataque a tiros nesta terça - Eduardo Muñoz - 13.abr.22/Reuters

O FBI define massacre armado como o assassinato de quatro ou mais pessoas. Houve 390 casos do tipo no país em 2021. A alta do crime nas cidades, que começou nos primeiros meses da pandemia, em 2020, e continua a se agravar, foi acompanhada de uma corrida para a compra de armas de fogo.

Só no primeiro ano da crise sanitária 5,4 milhões de americanos compraram uma arma pela primeira vez. Estima-se que tenham sido vendidos quase 20 milhões delas nos EUA em 2021. A legislação de compra e porte é atribuição estadual, o que explica o fato de a grande maioria dos crimes armados cometidos em Nova York envolver itens contrabandeados de estados com leis menos restritivas.

Frank James comprou sua pistola Glock numa loja de penhores de Ohio. Um exame de vídeos que ele postou num canal do YouTube revela ódio racial, misoginia e fantasias de homicídio em discursos incoerentes. Ele mesmo sugeriu sofrer de doença mental numa das gravações.

Nova York amanheceu assustada nesta quarta. Dezenas de reportagens feitas nas ruas e nas estações confirmam que o temor dos passageiros de viajar de metrô é o mais alto em décadas.

O sistema de transporte na cidade tem uma história de associação a perigo e dilapidação urbana. É uma reputação acumulada ao longo de 116 anos, que atravessou a quase falência da cidade nos violentos anos 1970 e atingiu novos graus de ansiedade depois do 11 de Setembro.

Desde 2001, foram descobertos três planos terroristas para matar passageiros e, num deles, o atacante solitário detonou uma bomba suicida caseira, saiu ferido, mas não matou ninguém.

O metrô nova-iorquino ainda inspirou o cinema americano como nenhum outro cenário de transporte de massa. Separa amantes como em "O Relógio", de 1945, e oferece farto suspense como em "Operação França" (1971). Foi refém e protagonista de "O Sequestro do Metrô" (1974). Até Woody Allen ilustrou a conexão metrô-decadência com uma cena clássica da comédia "Bananas" (1971), em que uma idosa de muletas é assaltada e violentada na frente do personagem de Allen, que não reage.

Mesmo nos anos pré-pandemia, em que Nova York se tornou a metrópole mais segura do país, a expectativa de ser poupada de tiros não era sinônimo de escapar de riscos.

Nesse período, levei um chute no rosto de um performer de hip-hop dançando dentro do trem. Inúmeras vezes trocava de vagão, alertada pelo comportamento de passageiros com claros sinais de perturbação —por vezes, pessoas em situação de rua buscando o calor das estações nos meses de inverno. Outra modalidade nova-iorquina de crime, a prática de empurrar passageiros nos trilhos quando o trem se aproxima, teve pelo menos 56 incidentes nos últimos dois anos.

Passageiro com cobra e iguana em vagão do metrô de Nova York em agosto de 2019 - Lúcia Guimarães/Folhapress

Em agosto de 2019, passei 10 minutos presa num trem que havia parado entre estações perto de um homem que levava uma cobra viva de dois metros pendurada no pescoço e mantinha uma iguana solta no chão do vagão. Gravei a cena no celular, procurei um policial e ele respondeu que não havia nada de anormal que exigisse providências.

O normal no metrô nova-iorquino exige sangue-frio.

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