Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

Fim de papo

Cobertura precisa estar à altura da ampliação da noção de interesse público

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Encerro aqui o meu mandato de dois anos como ombudsman da Folha e não queria fazê-lo sem olhar para o principal acontecimento da semana.

Ilustração em preto e branco mostra uma lupa ampliando um pequeno coração numa página de jornal
Carval

Na manhã de quinta-feira (6), quando as atenções estavam voltadas para a CPI da Covid, a comissão instalada pelo Senado para esclarecer como a pandemia vem sendo enfrentada pelo governo Bolsonaro, uma operação policial resultou no massacre de ao menos 28 pessoas na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro.

A Folha demorou a entrar no caso, mas acabou dedicando a ele ampla cobertura.

Até a manhã de sábado (8), foram duas manchetes seguidas na edição impressa, além de imagens, relatos, análises e um editorial dedicados à maior chacina provocada por uma operação oficial da história do Rio de Janeiro, apresentando as circunstâncias do ocorrido e situando-o no contexto mais amplo, de ausência estatal em comunidades mais pobres e de uma política de “segurança” historicamente ruinosa e falida.

Os desdobramentos da cobertura devem comprovar que são vários os fatores que ditam a relevância de uma notícia, incluindo o peso que os jornais conferem aos fatos e como eles são contados e hierarquizados em suas páginas.

De certa forma, foi essa a questão que, em diferentes formatos, propus nas mais de 90 colunas que escrevi neste espaço desde 12 de maio de 2019.

Assunto não faltou, da chegada de Jair Bolsonaro ao poder e sua estratégia de atacar a imprensa, passando pelo início da pandemia e sua crescente politização, até o assassinato do americano George Floyd, uma espécie de marco no reconhecimento não só de que somos uma sociedade racista mas de que isso reflete na cobertura jornalística em geral.

Se nos primeiros meses os vazamentos das conversas entre procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro obtidos pelo The Intercept dominaram os emails recebidos e as colunas por mim escritas, o restante do mandato foi marcado por temas mais diversos, da reação dos leitores à coluna de Hélio Schwartsman em que torce pela morte do presidente ao editorial da Folha que tentou aproximar o inconciliável (“Jair Rousseff”).

No site do jornal, a coluna que tratou da abordagem da Folha da fala mentirosa de Bolsonaro na ONU em 2020 foi a mais comentada, seguida por textos como o que aponta a condescendência da Folha (e da imprensa em geral) com o apresentador Luciano Huck.

Alguns episódios relevantes ficaram de fora. Em 2019, ano em que os flertes com a censura se tornaram mais visíveis, a ilustração de um beijo gay na forma de quadrinhos tomando toda a primeira página do jornal merecia análise mais acurada, assim como o grande incômodo mostrado por alguns leitores em relação à verve das ilustradoras (mulheres) do jornal. Não deu tempo.

No total, foram 7.867 comentários recebidos por email, média de 328 mensagens por mês.

Homens responderam pela maior parte dos comentários (82%), mas a interação com as mulheres cresceu no período.

Ao fim de 2019, elas representavam 13,5% do total de comentários, fatia que atingiu 18% no balanço final do mandato (maio de 2019 a maio de 2021).

Quanto às editorias, a de Poder foi o principal assunto de 11,9% das mensagens recebidas, seguida por colunistas (9,7%) e ombudsman (8,7%). Do total, 99,5% dos contatos foram feitos por email, com 29 telefonemas e 12 cartas.

Pessoalmente, nunca tinha pensado a profissão como o fiz nos últimos anos e, por isso, sou grata em primeiríssimo lugar aos leitores.

Na interação com esse ser tão abstrato para quem está dentro de uma Redação, aprendi que o leitor, quando recorre a seu representante no jornal, não está necessariamente em busca de concordância, mas de explicações sobre os motivos pelos quais determinado fato foi ou não publicado e por que recebeu determinada abordagem.

Agradeço também a vibração de amigos e familiares e a todos os que se dispuseram a longas conversas às sextas-feiras, muitas vezes tarde da noite. Não seria possível ter feito o que fiz sem o conhecimento e a boa vontade de vocês.

Agradeço ao trio Fernanda Nagatomi, Thaís Nicoleti e Fernando Carvall pela parceria, à Redação pelo diálogo via blog interno e ao jornal pela total liberdade de escrita, além de desejar boa sorte ao meu sucessor, José Henrique Mariante.

As críticas ao jornalismo foram inúmeras e estão todas registradas neste espaço. Foram feitas sob o entendimento de que, se a atuação da imprensa tem como justificativa o interesse público, certos problemas que afligem boa parte da população —e que por muito tempo foram apenas tangenciados —devem ser encarados como prioridade da profissão.

Em um período no qual a noção de interesse público é constantemente ampliada, a cobertura jornalística vem sendo posta à prova e precisa responder à altura. Como editora de Diversidade do jornal, estarei atenta a essas questões. Trabalho não faltará.

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