Extrema direita não pode jogar sozinha nas redes, diz Letícia Cesarino

Antropóloga expõe como algoritmos favorecem populismo e defende ocupação de plataformas por forças democráticas

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Eduardo Sombini
Eduardo Sombini

Geógrafo e mestre pela Unicamp, é repórter da Ilustríssima

A antropóloga Letícia Cesarino defende que, para analisar o mundo digital, é preciso se afastar tanto de uma visão neutra quanto de uma visão determinista da tecnologia.

Em "O Mundo do Avesso: Verdade e Política na Era Digital" (Ubu), ela propõe que as novas mídias não devem ser consideradas nem canais que não interferem em transformações sociais nem o único motor das rupturas do tempo presente.

Para a pesquisadora, faz mais sentido entender os vieses políticos que a infraestrutura técnica das plataformas carregam, favorecendo a extrema direita e o conspiracionismo.

Cesarino sustenta, a partir da literatura da cibernética, que a ação conjunta de humanos e máquinas faz desmoronar o paradigma liberal em que, pelo menos na teoria, todas as pessoas são consideradas membros com direitos iguais de uma comunidade.

Mulher de cabelo encaracolado e blusa preta olhando para a câmera
Retrato de Letícia Cesarino, professora de antropologia da UFSC e autora de 'O Mundo do Avesso' - Divulgação

No lugar do princípio da universalidade, ganha força um modelo bifurcado, em que os extremos têm proeminência no debate público e o reconhecimento do outro só é possível no interior de um grupo coeso—enquanto as pessoas de fora, vistas como inimigas, causam indignação e repulsa.

As semelhanças com o Brasil dos últimos anos não são coincidência. Professora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), a antropóloga coordena pesquisas em aplicativos de mensagem com o intuito de entender como essa lógica reverbera no populismo reacionário de Jair Bolsonaro e no conspiracionismo de médicos e pacientes que acreditaram no tratamento precoce durante a pandemia.

Neste episódio, ela diz que o cenário atual não é só de crise e de desorganização: também está em curso uma reconstrução em novas bases, com influenciadores digitais tomando o lugar de cientistas e jornalistas, entre outros.

É preciso que outras forças políticas ocupem esse espaço [redes sociais] e não deixem a extrema direita jogar sozinha. Os segmentos da direita que são extremos —não são todos— têm que ser colocados, digamos assim, no seu devido lugar. Eles não vão deixar de existir, mas têm que ser empurrados para camadas mais segregadas, mais subterrâneas, mais opacas da internet, que era o acontecia no sistema anterior. A gente sempre teve neonazista e teoria da conspiração hard, mas eles estavam contidos nas margens do sistema. O problema é que essa internet está deixando eles virem para o centro

Letícia Cesarino

professora de antropologia da UFSC

O Ilustríssima Conversa está disponível nos principais aplicativos, como Apple Podcasts, Spotify e Stitcher. Ouvintes podem assinar gratuitamente o podcast nos aplicativos para receber notificações de novos episódios.

O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.

Já participaram do Ilustríssima Conversa Roberto Moura, que relançou clássico sobre a história negra do Rio, Celso Rocha de Barros, que falou sobre a história e os desafios futuros do PT, Christian Lynch, autor de livro sobre Bolsonaro e o populismo, Juliana Dal Piva, repórter que vem investigando suspeitas de corrupção da família Bolsonaro, Viviane Gouvêa, que discutiu a história da violência estatal contra grupos marginalizados, Esther Solano, socióloga que discutiu o que pensam as mulheres bolsonaristas moderadas, Vagner Gonçalves da Silva, antropólogo que pesquisa as mitologias de Exu, Marcos Nobre, que denunciou o projeto golpista de Bolsonaro, Jean Marcel Carvalho França, pesquisador da história da maconha no Brasil, Vincent Bevins, autor de livro sobre massacres da esquerda durante a Guerra Fria, entre outros convidados.

A lista completa de episódios está disponível no índice do podcast. O feed RSS é https://folha.libsyn.com/rss.

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