Austrália estuda enviar 41 caças F-18 para a Ucrânia

País, cada vez mais integrado à estrutura de segurança dos EUA, vive a maior escalada militar desde a Segunda Guerra

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São Paulo

A novela do fornecimento de caças para a Ucrânia enfrentar a invasão russa ganhou um novo ator: a Austrália, distante país da Oceania que tem se tornado cada vez mais um ator militar relevante no desenho geopolítico do mundo sob a Guerra Fria 2.0, protagonizada por Estados Unidos e China.

Camberra tem 41 caças F/A-18 Hornet, dos tipos A (monoposto) e B (biposto), restantes de uma frota de 75 operada de 1984 a 2021. Eles foram substituídos por 24 F/A-18 Super Hornet, versão mais avançada do modelo anterior, e pelos caças de quinta geração F-35A —56 dos 72 encomendados já estão em uso.

Caça F/A-18A da Real Força Aérea da Austrália durante operação em conjunto com os EUA no Iraque, contra alvos do Estado Islâmico, em 2017
Caça F/A-18A da Real Força Aérea da Austrália durante operação em conjunto com os EUA no Iraque, contra alvos do Estado Islâmico, em 2017 - Tyler Woodward - 22.mar.17/Força Aérea dos EUA

Segundo o jornal Australia Financial Review, negociações estão avançadas entre Ucrânia, Austrália e EUA, que são fabricantes de todos os modelos em uso pela ilha-continente e precisam autorizar reexportações. O governo não negou, e um consultor australiano junto ao governo de Kiev confirmou o estudo.

De acordo com especialistas, a maioria dos F-18 aposentados está em condição de voo por mais alguns anos, e o restante poderia ser usado para ser canibalizado. O destino atual deles seria o desmanche ou a venda para uma empresa que recupera caças e os oferece a programas de treinamento americanos como aviões inimigos —os famosos esquadrões Agressor. Camberra também negociava alguma compensação dos EUA em caso de sucatear os aviões, mas isso agora também entra na balança das negociações.

Até aqui, as forças da Otan, a aliança militar do Ocidente liderada por Washington, acertaram, depois de muito debate, a formação de um consórcio para fornecer caças F-16 antigos, também um produto americano, para Kiev. Só que o processo é excruciante, do ponto de vista ucraniano.

O F-18 tem como vantagem sobre o F-16 o fato de ser um avião de maior porte, além de bimotor, o que aumenta a chance de sobrevivência do piloto caso seja atingido. O jornal australiano estima que os modelos estariam prontos para voo em até quatro meses, restando saber o tempo para treinar os pilotos.

Seja como for, o Ocidente e a Ucrânia compartilham a visão de que a guerra é um esforço talvez de anos, baseados nas declarações e na postura militar de Moscou. Além disso, a Força Aérea de Kiev está sob pressão: segundo o site de monitoramento Oryx, 66 de seus 124 aviões de combate já foram perdidos.

E esse é um dado altamente conservador, já que o Oryx só usa imagens públicas e georreferenciadas. Além de perdas em locais inacessíveis, é importante ter em mente que há mais fotos disponíveis de perdas russas do que ucranianas em solo sob controle de Kiev, por motivo óbvio de propaganda.

A entrada da Austrália no jogo dos caças explicita a postura mais agressiva de Camberra na arena internacional, em princípio focada na percebida ameaça chinesa no Indo-Pacífico. O país vive a maior escalada militar desde a Segunda Guerra Mundial.

Neste ano, sacramentou um pacto militar com os EUA e com o Reino Unido que vai, na próxima década, equipar o país com submarinos de propulsão nuclear. O Aukus, como o acordo é conhecido, é criticado pela China e também pela Rússia, principal aliada geopolítica de Pequim.

Camberra também integra o Quad, grupo geopolítico anti-China criado pelos EUA e formado também por Japão e Índia —uma olhada no mapa explica a denúncia de cerco que é feita contra o clube por Pequim.

Em relação à Ucrânia, no primeiro ano da guerra os australianos forneceram o equivalente a R$ 2 bilhões em ajuda militar, com a entrega mais notável sendo a de 90 veículos de transporte blindado Bushmaster.

Enquanto as conversas seguem, a Holanda surgiu como principal candidata a fornecer os primeiros F-16, no caso antigos modelos A/B de que dispõe enquanto recebe 52 F-35 novos. Na quarta (7), o governo holandês alterou um contrato com uma empresa fornecedora de aviões Agressor, a Draken, que previa a compra de 12 F-16, com opção para mais 28 dos estoques de Amsterdã. Agora, a venda será só de seis aeronaves, sugerindo que as outras estão prontas para embarcar para a Ucrânia.

A demanda por caças surgiu no início da guerra, em 2022, quando ficou evidente a defasagem ucraniana. A Polônia quis enviar seus MiG-29 soviéticos, modelo operado por Kiev, mas foi vetada pelos EUA no escopo da Otan, da qual Varsóvia é parte. Isso porque o presidente Joe Biden temia melindrar os russos.

A sombra de uma Terceira Guerra Mundial iniciada por escalada da aliança militar ocidental no conflito, ainda que indireta, perdurou o ano todo. Pouco a pouco, a barra foi subindo: primeiro foram sistemas antiaéreos, depois mísseis de maior alcance e, enfim, tanques. No começo deste ano, a Polônia rompeu o tabu e informou que enviaria um número ainda incerto de MiG-29 para o governo de Volodimir Zelenski, sendo seguida pela Eslováquia, que disse já ter fornecido quatro unidades.

A pressão sobre os EUA cresceu, e Biden surpreendeu seus aliados ao dar autorização para que eles fornecessem F-16 e treinassem os ucranianos, embora ainda haja dúvidas sobre quando isso ocorrerá. Agora a corrida é contra o tempo: encontrar os armamentos parece ser o problema menor ante a dificuldade de treinar pilotos, equipes de terra e garantir a sustentabilidade da operação.

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