Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Sertanejos apoiaram de Lula a Bolsonaro, mas qual será o candidato agora?

Flexibilização dos showmícios traz dúvidas para classe artística que já cantou para políticos de diferentes espectros

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No último dia 7 de outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal deu mais uma de suas piruetas revisionistas. Por sete votos a três, os ministros autorizaram a participação de artistas em eventos de arrecadação de recursos para candidatos nas eleições de 2022. Não se trata da volta dos showmícios: esses continuam legalmente proibidos. Mas um artista que quiser participar de uma campanha sem cobrar cachê poderá fazê-lo.

A proibição total de showmícios era dura, mas clara. Agora tudo ficou nublado. Teremos grandes shows como antes, mas com ganhos por baixo dos panos? E se um a rtista cujo show vale, vamos supor, R$ 200 mil, fizer o espetáculo para seu candidato "do coração", seria como uma doação de mesmo valor?

A proibição de showmícios aconteceu em 2006. A flexibilização da lei ocorre, portanto, 15 anos depois. É pouco tempo. É claro que, de tempos em tempos, certas questões ganham outra interpretação. Mas o assíduo revisionismo do STF acaba solapando a força da instituição. Talvez por isso mesmo, novas decisões poderiam ter um prazo de "carência" para começar a valer, de forma que não se mude a lei para o pleito seguinte.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, durante almoço com cantores sertanejos - 11.dez.2018 - Walterson Rosa/Folhapress

A expectativa é que os artistas se posicionem politicamente, sem serem convocados pelo "vil metal". Se for de fato transparente, pode ser que tenhamos um novo cenário. Mas quem resistirá ao caixa dois?

Diante do novo quadro, alguns já se apressaram no veredito estético-político. A jornalista Carolina Brígido, especialista em STF e o mundo jurídico, afirmou em sua coluna no UOL que, diante da polarização entre Lula e Bolsonaro, está desenhado o caminho para outra disputa na campanha: sertanejo versus MPB.

Não é tão simples assim, contudo. Já escrevi nesta coluna sobre vários artistas da MPB que também apoiaram Bolsonaro, mas dificilmente nossa opinião pública consegue lidar com sua miopia. Em parte, o veredicto se deve à intensa participação dos sertanejos em showmícios. Vale então lembrar alguns exemplos históricos, de forma a ilustrar que a lógica do showmício envolvia não só opção política, mas dinheiro também.

A farra dos showmícios começou logo com a redemocratização e ajudou a consolidar as carreiras de diversos artistas.

Chitãozinho e Xororó apoiaram a candidatura do empresário Antônio Ermírio de Moraes ao governo do estado de São Paulo pelo PTB em 1986. Segundo uma reportagem da Veja de 1992, Leandro e Leonardo ganharam US$ 35 mil para fazer campanha para o PSDB de Brasília nas eleições daquele ano.

Além deles, Fábio Jr. e a banda Chiclete com Banana também fizeram aparições constantes em comícios eleitorais. Neste mesmo ano, subiram no palanque de Paulo Maluf o cantor Sidney Magal e o grupo Fundo de Quintal. O cantor de "Sandra Rosa Madalena" demonstrava gostar das oportunidades abertas com o mercado das eleições: "É um ótimo negócio. Faço isso há anos, para candidatos de partidos diferentes, ganho um bom dinheiro e me divirto", disse Magal. Na época, o cantor também animava os comícios do PST. Para esse partido, ele havia fechado um pacote de 32 apresentações, totalizando um cachê de US$ 80 mil.

Ainda em 1992, Leandro e Leonardo fizeram campanha para o PRN de Fernando Collor —que seria impeachmado naquele mesmo mês— e para o PSDB de Fortaleza. Questionado sobre o assunto, o empresário da dupla disse: "Aqui é que nem supermercado: pagou, levou".

Os cantores já tinham ajudado na eleição de candidatos vencedores e não viam problemas em fazer showmícios, como declararam em 1992 à revista Playboy. "Não temos nada contra cantar em comício, até porque campanha política paga bem. Já subimos em muito palanque. Em 1986 mesmo, quando nós ainda não éramos tão conhecidos, fizemos campanha para o Nion Albernoz [do PMDB e que se elegeu para prefeito de Goiânia]. Foi com o dinheiro que ganhamos lá que pudemos vir para São Paulo. E sempre recebemos direito", disse Leandro.

Sua opinião era avalizada pelo irmão: "Cantamos para qualquer candidato. O dinheiro é o mesmo. E cantar é o nosso trabalho. Não podemos misturar as coisas. Não tem que ter paixão nisso, paixão é na cama. Profissionalismo é profissionalismo".

Zezé Di Camargo e Luciano eram mais cautelosos. No contrato que a dupla firmava em 1992, havia uma cláusula na qual o político se comprometia a não abraçá-los, nem tirar fotos com eles. O cantor Amado Batista, outro que sempre fez muita campanha eleitoral, lembrava-se de campanhas anteriores: "Eu me lembro que nas eleições de 1986 eu fazia cinco shows por dia. Fazia um às 16h, outro às 20h, depois fazia mais três forrós em São Paulo. Eu terminava às 6h da manhã quebrado".

O então candidato do PT à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (à dir.), e o cantor Zezé Di Camargo, que faz dupla com o irmão Luciano, durante um showmício, em Curitiba - 11.set.2002 - Flávio Florido/Folhapress

Os sertanejos também faziam comícios para candidatos progressistas. O Trio Parada Dura, por exemplo, fez pré-campanha para Ulysses Guimarães, candidato do MDB às eleições de 1989 que liderou o processo constituinte anos antes. A surreal viagem do trio junto com Ulysses pelo interior do Brasil fez o jornalista Clóvis Rossi, da Folha, comparar a campanha à Caravana Rolidei, do filme "Bye Bye Brasil", de Cacá Diegues.

Mesmo baseado na lógica financeira dos showmícios, nem sempre é fácil mapear onde cantarão os músicos populares. O que será que vem depois da nova interpretação do STF? Alguns artistas sertanejos hoje são claros bolsonaristas, como Gusttavo Lima, Sergio Reis e Zezé Di Camargo. Será que subirão no palanque bolsominion dando a cara a tapa? Ou, diante da crescente candidatura de Lula ou de alguém da chamada "terceira via", mudarão de lado?

Não se trata de algo impossível: Sergio Reis deu declarações simpáticas sobre Lula e Dilma antes de se tornar bolsominion. E Zezé Di Camargo já foi cabo eleitoral do petista. Em 2002, Lula adotou em seu programa político a canção "Meu País", de Zezé Di Camargo e Luciano. A dupla apoiou o candidato e fez vários showmícios para o petista.

"Meu País" tinha o tom que agradava o Lula oposicionista daquela época: "Se nessa terra tudo que se planta dá/ Que é que há, meu país?/ O que é que há?/ Tem alguém levando lucro/ Tem alguém colhendo o fruto/ Sem saber o que é plantar/ Tá faltando consciência/ Tá sobrando paciência/ Tá faltando alguém gritar/ Feito um trem desgovernado/ Quem trabalha tá ferrado/ Nas mãos de quem só engana/ Feito mal que não tem cura/ Estão levando à loucura/ O país que a gente ama".

Depois de 14 anos de governo do PT, dois de MDB e quase três de Bolsonaro, a imensa concentração fundiária permaneceu intocada, e ainda vimos a ampliação do agronegócio no Brasil. A verdadeira reforma agrária sumiu da pauta, tanto de Lula quanto de Bolsonaro. E aí, Zezé? Qual será seu candidato?

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