Raí Souza Vieira de Oliveira honra a mãe Guiomar, o pai Raimundo e o irmão Sócrates.
Família rara, a dos Vieira de Oliveira, a única a dar dois capitães da seleção em Copas do Mundo — em 1982 e em 1994.
Mais importante, capaz de criar dois ídolos que jamais se omitiram dos dois times mais populares de São Paulo, que sempre deram a cara à tapa pelos melhores propósitos.
Sócrates chamava Raí de Pivete, se orgulhava dele, levava amigos para vê-lo treinar nas categorias de base do Botinha, o Botafogo de Ribeirão Preto.
Raí cresceu e não à sombra do irmão genial.
Progrediu à própria custa, comandou o São Paulo na conquista do primeiro título mundial, em 1992, contra o Barcelona quando fez golaço de falta e acabou o ano eleito melhor jogador do Brasil, da América do Sul e da Copa Intercontinental.
Ao lado de Leônidas da Silva e Rogério Ceni faz parte da Santíssima Trindade Tricolor.
Na França, virou o maior ídolo do Paris Saint-Germain. Nem pergunte aos parisienses sobre quem é melhor, se Raí ou Neymar. Será covardia.
Pois agora, na capital francesa, Raí fez mais um golaço como esportista e cidadão do mundo, escolhido para entregar o Prêmio Sócrates ao jogador com maior contribuição social na atualidade.
Antes de passar o troféu justamente concedido ao extraordinário senegalês Sadio Mané, Raí, com a elegância, a discrição e a firmeza que são três de suas marcas registradas, pregou democracia, deu uma piscadela e fez o "L".
Poderia ser apenas um gesto, como as melhores pessoas andam fazendo de norte a sul, de leste a oeste do Brasil.
No caso dele é mais. Porque coerente com o que aprendeu em casa e com o trabalho que desenvolve há 24 anos em sua Fundação Gol de Letra, tocada com excelência por outra joia da família Vieira de Oliveira, o irmão Sóstenes, voltada à educação de crianças e jovens de comunidades vulneráveis.
"Sócrates representa ideais para um mundo mais justo, para um mundo mais humano, e representa os valores da democracia no sentido de criar um mundo melhor para todos. O futebol representa cada vez mais uma ponte importante para chegarmos ao mundo que nós sonhamos, e esse símbolo será eterno. Meu país tem uma decisão importante a fazer daqui alguns dias e nós sabemos muito bem de que lado ele estaria", terminou Raí, enquanto fazia o "L" com as mãos.
Mais adequado, impossível.
Diferentemente do Doutor Sócrates, Raí nada tem de panfletário, não é um militante na acepção da palavra, apenas um cidadão equilibrado, desses cautelosos de olhar para baixo ao atravessar a rua para não tropeçar no meio-fio.
Difícil dizer se quem viu o Pivete crescer acaba se emocionando demais e o vê sempre como tal, apesar de ele ter 57 anos e ser avó desde os 33.
Fato é que seu gesto comoveu não poucas pessoas de todas as idades e torcidas.
Como a Democracia Corinthiana sensibilizou não-corintianos, Raí é daqueles capazes de agradar gregos e troianos, lulistas e tebetistas, democratas da direita à esquerda, medebistas e psolistas. Só faz mais infelizes os extremistas, voltados para os próprios umbigos, insensíveis à barbarie.
Impossível não lembrar com infinita saudade do trio Guiomar&Raimundo&Sócrates.
Como estariam orgulhosos do caçula da família, do Pivete, o menino que ao ir treinar no Botinha omitiu ser irmão de quem era.
E virou gigante.
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