No começo do ano letivo, sugeri aos meus alunos da graduação em filosofia que formássemos um grupo de estudo. Comentei que a leitura de um texto na companhia de outros colegas da mesma turma, bem como de estudantes mais velhos, trabalhando nos seus respectivos projetos de mestrado e doutorado, talvez fosse interessante para complementar os conteúdos passados em sala de aula e encorajar os mais tímidos ao debate.
Sempre gostei de grupos de estudo e pesquisa, e acredito que, talvez por estarmos reunidos em um número menor e sentados ao redor de uma mesa, em vez de empoleirados em um auditório, a dinâmica acabe ressaltando ainda mais a importância de uma vivência comunitária na construção do conhecimento.
Enquanto em sala de aula o estudante ainda pode encontrar uma maneira de disfarçar o próprio despreparo, bastando para isso permanecer em silêncio e fingir que está prestando atenção na aula, em um grupo de leitura, se alguém chega despreparado, todos sofrem, porque o debate parece não evoluir.
Do mesmo modo, se alguém chega para a reunião um pouco mais preparado do que os demais, acaba se tornando responsável por ajudá-los a atingir uma melhor compreensão do material a ser discutido.
Os benefícios de um grupo de leitura bem-disposto e organizado também favorecem o professor. Da mesma maneira que um aluno pode fingir prestar atenção nas suas exposições, o professor também corre o risco de se apaixonar pelas próprias opiniões, tornando-se indiferente às críticas e aos comentários dos estudantes.
Fora de sala de aula, no grupo de leitura, o professor já não tem como se esquivar das perguntas dos alunos. Afinal, a qualidade do debate depende da capacidade de seus participantes de lidar com todo tipo de questionamento.
O aluno deve se sentir livre para expor o seu conhecimento, apresentar as suas dúvidas e desenvolver as suas objeções ao texto, enquanto o professor deve estar sempre atento ao que é dito durante a reunião, ora chamando a atenção para um ou outro detalhe que possa ter passado despercebido, ora corrigindo o curso de um argumento e estimulando o estudante para que ele continue desenvolvendo o seu raciocínio, ou elencando as várias maneiras possíveis de se abordar um mesmo texto.
Um exemplo: depois de uma longa e prazerosa reunião do nosso grupo de leitura, tentei buscar na lembrança de onde vem o meu entusiasmo por esse tipo de atividade, porque, às vezes, quando converso com meus colegas, tenho a impressão de que a maioria das pessoas prefere estudar sozinha.
Durante a graduação, participei de um grupo de estudos da "Fenomenologia do Espírito", de Hegel. Levamos um ano para concluir a leitura do livro, mas até hoje me lembro de muitas das discussões que tivemos. Depois, tanto no mestrado como no doutorado, juntei-me a grupos para estudar e debater as obras de outros pensadores, ao exemplo de Leibniz, Nietzsche e Heidegger.
Além disso, já coordenei grupos de leitura sobre Goethe e ainda coordeno um grupo de pesquisa sobre literatura e pensamento judaico, atualmente trabalhando com a obra de Isaac Bashevis Singer.
A presença dos grupos de leitura em minha vida nunca esteve restrita à discussão de temas diretamente relacionados à minha atividade profissional. Sempre encarei a leitura como uma atividade compartilhada. Muitas das minhas memórias de infância e adolescência envolvem a leitura e a discussão de um texto com meus pais, e acho que meu interesse por grupos de estudo e pesquisa nasce exatamente dessa experiência doméstica.
Lembro-me com muito carinho de umas férias em que não tínhamos dinheiro para viajar, e minha mãe sugeriu que lêssemos "O Meu Pé de Laranja Lima", de José Mauro de Vasconcelos. Depois foi a vez de meu pai incentivar que fizéssemos o mesmo com "Alexandre e Outros Heróis", de Graciliano Ramos, e aos poucos fomos incrementando a nossa lista de leitura. Líamos, conversávamos e meus pais também aproveitavam para me contar um pouco sobre suas vidas.
Esse foi um hábito que se perpetuou em nossa família. Agora mesmo estou lendo a obra de José Lins do Rego na companhia da minha mãe. Terminamos "Pedra Bonita" e "Cangaceiros" e, durante as próximas semanas, pretendemos embarcar no ciclo da cana-de-açúcar e reler "Menino de Engenho" e "Fogo Morto".
Deixo aqui, portanto, a sugestão para que o leitor também tente, à sua maneira, participar de um grupo de leitura e pesquisa, transformando o seu aprendizado em um momento de partilha.
Não prometo que o grupo seja capaz de operar milagres, fazendo com que todo e qualquer estudo se torne descomplicado, mas insisto que ele é uma ferramenta interessante, capaz de nos ensinar uma ou duas coisas sobre a importância da comunidade na construção do saber.
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