Se adaptar uma obra literária para as telas é difícil, dar sobrevida ao enredo desta obra além do que há nos livros é uma missão camicase que poucos concluirão com sucesso —que os digam os roteiristas de “Game of Thrones”.
A cada episódio, a expectativa de que “The Handmaid’s Tale” seja uma exceção a essa regra se esvanece um pouco.
Ainda há esperança, claro, para a série que o showrunner Bruce Miller tirou magistralmente das já brilhantes páginas publicadas pela canadense Margaret Atwood em 1985 e conseguiu, com roteiro, direção de arte e atuações primorosas, desenhar o zeitgeist, o espírito destes tempos.
Não por acaso as aias imaginadas por Atwood e reimaginadas por Miller (no enredo, as últimas mulheres férteis, mantidas como servas por senhores misóginos e cruéis) viraram figura fácil em protestos feministas e uma metáfora constante para variados tipos de opressão à democracia, infelizmente algo em voga.
Talvez, porém, a produção esteja esticando a corda e arrisque fragilizar as alegorias que tão bem extravasaram as angústias contemporâneas.
O livro de Atwood, para o qual ela promete uma sequência a ser lançada em setembro, se esgotava na primeira temporada da série, com espirros na segunda. A segunda se justificou ao trazer para dias e cenário atuais o conto de uma república fictícia montada por ultraconservadores puritanos sobre escombros dos EUA, amplificando a tensão.
E a terceira? A terceira parece o que a crítica de entretenimento costuma chamar de “fan service”, um agrado a fãs que, neste caso, não aguentavam mais ver a heroína June (Elisabeth Moss) sofrer.
Se nos dois primeiros anos “Handmaid’s Tale” se concentrou nos paralelos do pesadelo distópico e as iniquidades reais, algo que ganhou mais relevo com o tsunami de denúncias de assédio e agressão sexual por famosos que tomaram o noticiário, agora a série mira vingança e redenção.
Moss continua uma atriz estupenda, capaz de compor de forma crível cada nuance de June. O excesso de closes na personagem com um olhar transtornado, contudo, entediam e parecem resumir o espírito da nova temporada.
O poder de “O Conto da Aia”, livro e série, esteve em June poder ser qualquer mulher, em suas falhas e qualidades —no livro ela sequer é nomeada.
Transformada em super-heroína vingadora, manipulando e liderando a contrarrevolução, ela parece blindada por poderes especiais que a tiram de qualquer enrascada. Castigos, sem sutileza, foram substituídos por trunfos.
Mais interessante é acompanhar a evolução de duas outras personagens que servem de contraponto a essa mulher de titânio, Serena Joy (Yvonne Strahovski), a agora indócil esposa do comandante Waterford (Joseph Fiennes), e Emily (Alexis Bledel), que fora de Gilead sofre para se reajustar à vida que tinha antes.
Foram só quatro episódios, de dez previstos, e essa sororidade pode resgatar o vigor da trama. Por ora, porém, o medo de ver a série naufragar ganha da esperança.
A terceira temporada de “The Handmaid’s Tale” tem episódios novos às sextas no Paramount+ (Net Now); as demais estão disponíveis no GloboPlay
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