Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Sistemas eleitorais defeituosos

Punições, quando acontecem, atingem só forças políticas periféricas e descuidadas

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Não há eleição perfeita. Os vícios de representatividade são visíveis, ocultos, repetitivos, cínicos, surpreendentes. No Brasil, apesar da admirável tradição democrática de quase 40 anos, as distorções são perversas.

Prevalece hoje a justa preocupação com tecnologia, fake news, inteligência artificial. A liberdade de expressão é o valor mais afetado por regulamentos mágicos (legais ou ilegais, exagerados ou inúteis) criados com propósito de prevenir danos.

A Câmara dos Deputados é a mais desigual em gênero da América do Sul: as mulheres ocupam 17,5% das vagas, informa a Folha.

Deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) durante evento no Senado
Fernanda Melchionna (PSOL-RS), uma das poucas deputadas federais - Roque de Sá/Agência Senado

Bancadas parlamentares constituídas por militares e policiais crescem e se fortalecem: deveriam ser inelegíveis. O abuso religioso favorece pastores. A desproporção do número de cadeiras constitucionalmente prevista prejudica Estados mais populosos.

A combinação entre o abuso de poder administrativo ou econômico e o vácuo jurídico de proteção também afeta a representatividade. Candidatos são eleitos ou reeleitos a partir da desigual apropriação política de verbas bilionárias. Além do fundo eleitoral, as emendas orçamentárias, que enfraquecem o planejamento do governo federal, são manipuladas com dolo eleitoreiro.

A velha e sempre nova comunicação institucional da administração pública, invariavelmente instrumento de desperdício de recursos públicos, é outro fator capaz de desequilibrar as disputas.

"O que São Paulo quer, a Prefeitura faz!" é mais um slogan eleitoral disfarçado de propaganda institucional com suposto caráter informativo. A prefeitura –que é o prefeito– veiculou o slogan meses atrás, mas sem chamar a atenção, como se o ardil do precedente autorizasse campanha maciça no ano da eleição.

A dubiedade das normas e a permissividade política da magistratura (a Justiça Eleitoral é composta também por advogados especializados em defender partidos e candidatos) permitem que essa modalidade suspeita de "propaganda antecipada" simplesmente aconteça ou seja reprimida com multas módicas e anistiáveis, quase sempre pagas pelo contribuinte, não pelo infrator.

A publicidade deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, diz a Constituição. Restrição concreta é a de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. Seria tosco demais a veiculação da propaganda com o nome e o retrato do piedoso prefeito. O registro da candidatura estaria em risco. É com a sofisticação publicitária que se constrói o desvio.

Tem epidemia de dengue. A Covid-19 não desapareceu. Ainda há risco de enchentes e deslizamentos. Obras públicas interferem no transporte público e no bem-estar de moradores. É difícil explicar por que preciosos recursos previstos para a informação efetiva da população são investidos em musiquinhas espertas como "o que São Paulo quer, a Prefeitura faz!/ o que a mãe quer, a Prefeitura faz!".

A propaganda eleitoral disfarçada de propaganda institucional, mais ou menos sutil, é tolerada até o trimestre anterior ao dia da votação. É tão explícito que a lei só impede, no primeiro semestre do ano eleitoral, o empenho de despesas com publicidade que exceder em seis vezes a média mensal dos valores empenhados nos últimos três anos. Seis vezes.

De vez em quando um candidato vitorioso é punido. Mas, em regra, o rigor da lei alcança forças políticas periféricas e descuidadas.

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