Quando sua própria mãe precisa te defender de algo errado que você fez no trabalho, é sinal de que sua reputação não anda boa.
Ángeles Béjar, mãe do presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), Luis Rubiales, trancou-se em uma igreja e fez greve de fome pela "caça desumana e sangrenta" a seu filhinho. A ideia da progenitora era ficar lá "indefinidamente". Dois dias depois, padre Antonio disse que ela estava no hospital porque sentiu-se mal. Dona Ángeles passa bem. Recomendo o texto "Mães criam filhos machistas" da colega de Folha e sempre ótima Mariliz Pereira Jorge.
São muitos os desdobramentos do caso Rubiales. Segue um resumo desde a final da Copa do Mundo feminina, em 20 de agosto, quando a Espanha conquistou o primeiro título de sua história.
Depois de celebrar a vitória sobre a Inglaterra agarrando a região genital, ao lado da rainha Letizia e de sua filha, Rubiales desceu da tribuna para a premiação. Diante de 75 mil pessoas no estádio em Sidney e de milhões vendo pela TV, achou normal abraçar jogadoras efusivamente e beijar à força uma delas na boca, Jenni Hermoso. A atleta disse que não gostou, ele pediu desculpas esfarrapadas, a Fifa começou a investigar. Choveram pedidos para que renunciasse de organizações esportivas a partidos políticos, da esquerda a conservadores. Na federação, Rubiales repetiu a apoiadores que não deixaria o cargo, aplaudido pelos técnicos das seleções feminina, Jorge Vilda, e masculina, Luis de la Fuente.
O primeiro-ministro disse que desculpas não eram o suficiente e o governo pressiona por sua remoção do cargo.
Ao contrário do que alegou Rubiales, Hermoso afirmou que o beijo não foi consensual (como se a vítima precisasse se explicar). As 23 campeãs, 81 atletas no total, anunciaram que não defenderão a seleção com o cartola no comando. Integrantes da comissão técnica colocaram os cargos à disposição. A Fifa suspendeu Rubiales por 90 dias, Vilda e de La Fuente mudaram de lado, talvez vendo que apoiavam a pessoa errada. Houve protestos, mamãe parou de comer, o Ministério Público espanhol apura se há crime de agressão sexual. Sarina Wiegman, treinadora da seleção inglesa e eleita melhor do ano pela Uefa no feminino, dedicou o prêmio às espanholas.
Duas semanas depois, Rubiales continua se agarrando ao cargo, para surpresa de ninguém.
Parece questão de tempo.
Imagem é tudo. A Espanha quer ser uma das sedes do Mundial masculino de 2030. Mas o caso saiu da esfera esportiva. No país europeu, semelhante ao Brasil em questões de machismo, há a visão de oportunidade de mudança na sociedade.
Triste é ver que atletas já haviam avisado, quando 15 delas se recusaram a jogar em protesto à gestão da RFEF e de Vilda. Precisaram vencer e ter o momento de suas vidas manchado para o problema ser escancarado ao mundo. E faltou envolvimento de jogadores. Xavi, Iniesta e Casillas se posicionaram, mas dá para contar nos dedos quem se manifestou. Atletas têm poder mostrando a outros homens que não foi algo isolado e que o problema é sistêmico.
Não conheço Hermoso, mas, aos que duvidam dela, falo como mulher que assédio é algo que acontece rapidamente. A gente não espera, a reação pode ser de espanto e choque ou de duvidarmos do nosso julgamento. Com a cabeça fria, assimilamos o que houve.
A Espanha vê sua reputação abalada e está majoritariamente contra Rubiales. É um momento-chave de avanço para a sociedade espanhola, contanto que esta não seja uma luta só das mulheres.
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