Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Por que o movimento antivacina prospera em países desenvolvidos?

Por outro lado, no Brasil, onde o analfabetismo funcional e a desinformação grassam, todos querem tomar suas doses

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A França tem um dos melhores sistemas educacionais do mundo. Além de gratuito e igualitário, ele é laico, humanista e enfatiza o raciocínio dedutivo. A educação ajuda a explicar por que o país tem um dos maiores índices de produtividade do planeta.

Ela explica também uma pesquisa divulgada há dias, registrando um recorde. Pela primeira vez, a maioria dos franceses, 51%, não acredita em Deus. A França, a ancestral filha da Igreja, à qual se soma a recente vaga muçulmana, já não é majoritariamente religiosa.

Há uma tendência mundial secularista, mas a descrença no divino atesta o vigor do racionalismo francês, alicerce do seu sistema educacional. A religião pode confortar uns e outros, mas não serve de guia para o país. O pensamento científico está em alta.

Só que não é bem assim. A França tem uma das maiores taxas de resistência a vacinas contra a Covid do globo —13%.

É uma minoria expressiva e barulhenta. Este sábado será o 14º de manifestações contra as vacinas e o passe sanitário, que restringe o acesso a lugares públicos de quem não se vacinou.

Elas reúnem centenas de milhares em dezenas de cidades. Tanta gente vai às ruas por motivos vários —revoltas contra o presidente Macron, intermitentes desde os coletes amarelos, suspeitas em relação à grande indústria farmacêutica, pregação da extrema direita, teorias conspiratórias.

Quem estuda o fenômeno diz que na sua raiz está o ceticismo, a descrença nas autoridades, sejam do Estado ou cientistas. Tanto faz que a defesa das vacinas seja feita por um ministro ou um professor da Sorbonne, pois teriam motivos subalternos. Os antivacinas falam como os personagens céticos de Tutty Vasques: aí tem.

Ilustração na qual uma vacina é aplicada no braço de alguém
Publicada em 1º de outubro de 2021 - Bruna Barros

É um paradoxo, diz o filósofo italiano Marco D’Eramo no ensaio “Sceptical Credulity”, publicado no site Sidecar. “As pessoas acreditam em lorotas extraordinárias devido ao seu ceticismo”, escreve. Creem que Bill Gates ou os comunistas chineses querem implantar um chip no seu cérebro porque desconfiam dos poderes constituídos.

Historicamente, contudo, o ceticismo foi uma arma da razão contra o obscurantismo das monarquias —que mantinham astrólogos nas suas cortes— e da Igreja —que na Inquisição queimava mulheres por serem bruxas. A lógica triunfou porque havia céticos.

“Naturalmente, temos razões enormes para não confiar nas autoridades, mesmo quando se trata de vacinas”, prossegue o filósofo. Ele lista uma série de experiências que estão na matriz das da Prevent —sem avisar as pessoas testadas, para manter a exploração de colônias, incentivar ataques bacteriológicos, testar a resistência à radiação nuclear.

A cereja do seu bolo é a associação entre vacinas e autismo, feita por um cirurgião eminente na respeitada revista científica The Lancet. Ficou provado que os dados que ele usou foram inventados, e a revista se retratou —mas só 12 anos depois da publicação do artigo, que enquanto isso deu origem ao movimento antivacinas.

D’Eramo poderia ter seguido Adorno, para quem o iluminismo se transformou no seu contrário. O extermínio em massa, baseado na técnica mais avançada, é produto da razão iluminista. O mesmo vale para a energia nuclear. E Auschwitz e as bombas atômicas visam à morte, em vez da vida.

Em vez disso, ele nota que a confusão entre superstição e ciência está ligada ao déficit educacional. A ciência tem algo de mágico —aperta-se um botão e a luz aparece, toma-se um comprimido e a dor de cabeça desaparece.

Como boa parte das pessoas desconhece a cadeia de ações físicas e químicas para que um ato simples tenha uma consequência extraordinária, a ciência fica parecendo mágica. Isso alimenta o cinismo, a charlatanice e a manipulação.

Vide o Brasil, onde a situação vacinal é o avesso da francesa. Aqui, o sistema educacional é uma lástima, o analfabetismo funcional e a desinformação grassam, as crendices imperam. Todavia, não há movimento antivacina. Todos querem tomar suas doses para se salvarem.

Isso se dá apesar de as sacrossantas autoridades políticas —o presidente e o centrão—, médicas —Conselho Federal de Medicina— e empresariais —Prevent e caterva— sabotarem vacinas, máscaras, passaportes e testes.

Tais autoridades não são só burras. Formam uma corja de cínicos e charlatões que querem tirar vantagem política. Cético, o povo não acredita neles. No entanto, pouco faz para tirá-los do poder. O caso brasileiro requer estudos científicos alentados —e política radical.

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