Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro
Descrição de chapéu Venezuela

Ninguém se lembra mais das promessas sobre a Venezuela feitas no Carnaval passado

Último ano mostrou que Maduro, governante horroroso, é mestre na arte da sobrevivência

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Em 23 de fevereiro de 2019, a capital do mundo era uma cidade colombiana na fronteira com a Venezuela.

Cúcuta reunia magnatas, governantes, ativistas, jornalistas e milhares de apoiadores que pensavam celebrar o começo do fim da época bolivariana.

Exatamente um mês antes, Juan Guaidó havia sido virtualmente alçado à Presidência pela quase totalidade do mundo ocidental

Uma jogada em grande parte articulada por um quase desconhecido, o recém-empossado Ernesto Araújo.

O ditador venezuelano Nicolás Maduro durante entrevista coletiva no Palácio de Miraflores, em Caracas
O ditador venezuelano Nicolás Maduro durante entrevista coletiva no Palácio de Miraflores, em Caracas - Fausto Torrealba - 14.fev.20/Reuters

A mudança de regime na Venezuela teria garantido ao diplomata um lugar de destaque no quadro de honra do Itamaraty. Ele teria sido imediatamente comparado a Antonio Francisco Azeredo da Silveira.

Ao estimular o governo Ernesto Geisel, em 1975, a ser o primeiro a reconhecer o governo independente de Angola, o lendário chanceler projetou o Brasil numa nova era. 

Passado um ano, é difícil quantificar a magnitude desse primeiro grande fiasco do governo Bolsonaro.

Depois de sucessivas vitórias pírricas e pequenas humilhações, ​Guaidó, ícone para alguns, embuste para outros, continua recebendo tapas nas costas dos poderosos. Mas ninguém acredita na sua capacidade de virar o jogo.

Com efeito, o ditador venezuelano Nicolás Maduro não apenas resistiu a uma sequência de insurreições armadas e sanções internacionais como também inaugurou um modelo social completamente novo.

O Executivo declaradamente socialista entregou o controle dos enclaves ricos de Caracas a empresas de segurança privada e passou a ignorar leis tributárias e trabalhistas, controles de preços e de câmbio.

Em plena recuperação econômica, a capital venezuelana opera como um paraíso fiscal onde o dólar é a moeda corrente. O Carnaval deste ano promete ser o melhor da última década.

Se Caracas é Dubai, o resto do país é Somália. Paramilitares apoiados pelo crime organizado assumiram o monopólio da violência e do território no lugar das autoridades oficiais.

A população rural está aprendendo a viver sem a presença do Estado. Palco da revolução, Cúcuta se estabeleceu como principal ponto de passagem dos quase um milhão e meio de refugiados venezuelanos que residem na Colômbia.

Já ninguém se lembra das promessas feitas no último Carnaval. 

Inconcebível até para os mais pessimistas, a distopia venezuelana tem tudo para se prolongar. Estados falhados e marginalizados não estão necessariamente condenados.

O governo do líbio Muammar Gaddafi, que entrou na mira dos Estados Unidos depois do atentado de Lockerbie, em 1988, arrastou-se por quase duas décadas até ser brutalmente derrubado em 2011.

Na África subsaariana, inúmeros autocratas se perpetuaram no poder controlando pouco mais do que a capital e as regiões ricas em recursos naturais. 

O último ano mostrou que Maduro, governante horroroso, é um mestre na arte da sobrevivência.

Em clima de euforia, ele decidiu antecipar o feriado de Carnaval neste ano e, com um toque de sadismo, conclamou os venezuelanos a renovarem as suas energias.

O Brasil deve se acostumar à ideia de que existe um Estado falhado firmemente instalado na sua fronteira.

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