Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Recados dos EUA podem ajudar a enterrar golpismo de Bolsonaro

Compromisso de Washington com democracia brasileira é real, mas condicionado pela política doméstica

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Quinze dias depois da escandalosa apresentação de Jair Bolsonaro (PL) a embaixadores, os Estados Unidos enviaram um triplo recado militar, jurídico e econômico.

Em visita ao Brasil, o secretário de Defesa Lloyd Austin falou em "devoção à democracia", deixando implícito que a cooperação militar seria interrompida se as Forças Armadas brasileiras aderissem ao golpismo. Por sua vez, a comissão de inquérito do Congresso americano sinalizou a possibilidade de incluir o bolsonarismo nas investigações contra Donald Trump.

Enfim, nesse período também ficou claro que a Faria Lima teria de escolher entre o Posto Ipiranga e o sistema Swift, pois a ruptura institucional seria sinônimo de alienação do sistema financeiro. Isso explica a quantidade de empresários recém-convertidos que correram para assinar a carta pró-democracia.

O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, posa para foto de família ao lado de homólogos em conferência de ministros das Américas em Brasília - Evaristo Sá - 26.jul.22/AFP

Não passou despercebido o contraste entre os recados de Washington em 2022 e 1964. O principal avalizador da derrubada do governo civil brasileiro 50 anos atrás pode agora ter tido um papel decisivo na sua preservação.

A História certamente ressaltará o papel da sociedade civil brasileira, mas também de responsáveis políticos americanos. Bernie Sanders, por exemplo, não é apenas uma figura simpática da esquerda ligada ao Partido Democrata. Ele é o presidente da comissão do Orçamento, a mais poderosa do Senado.

Mas a virada pró-democracia dos EUA também tem relação com uma nova orientação geopolítica. Sob Trump, a política para a região foi marcada pela alucinada tentativa de emplacar Juan Guiadó na Venezuela e pela ausência de liderança durante a pandemia. Diante do avanço dos interesses chineses e russos nesse período, Biden foi obrigado a reconhecer que a hegemonia americana na região é apenas parcial.

Nesse contexto, a tolerância a regimes democráticos, mas não necessariamente alinhados, oferece um melhor custo-benefício do que tentativas incertas de interferência política.

A provável chegada de um novo governo Lula se enquadra nessa estratégia geral, mas tem as suas especificidades. A perspectiva de ter Brasília independente, mas comprometida com o multilateralismo, é obviamente mais atraente para Washington do que uma errática e incompetente como tem sido a dos últimos quatro anos.

A isso se soma o fato de a agenda golpista do governo Bolsonaro ser vista como uma ameaça à segurança nacional. Um "Capitólio em Brasília" seria apresentado como uma vitória pessoal por Trump e daria força aos republicanos que planejam contestar a legitimidade das urnas.

Se a última década nos ensinou alguma coisa é que as crises da democracia se retroalimentam e se reforçam. Contrariamente a 1964, a leitura da América Latina feita pelos democratas está longe de ser consensual dentro da classe política americana.

A vitória de candidatos de esquerda na Colômbia, no Chile e, provavelmente, no Brasil já está sendo denunciada por republicanos como uma derrota dos democratas. Em outras palavras, a lua de mel entre os EUA e a democracia na América Latina veio na hora certa, mas pode ser de curta duração.

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