Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'É uma dor que não passa, pois você grita e ninguém te ouve', diz Marcius Melhem

Três anos depois que a Folha publicou as primeiras acusações de assédio sexual contra o ator, ele vira réu e diz que passa por um processo desumano que o obrigou a buscar ajuda psicológica depois de começar a entender 'a cabeça de um suicida'

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O ator, humorista e ex-diretor da Globo Marcius Melhem

O ator, humorista e ex-diretor da Globo Marcius Melhem Marlene Bergamo/Folhapress

Em outubro de 2020, a advogada Mayra Cotta dava uma entrevista à coluna em que, dizendo representar seis mulheres que trabalhavam na TV Globo, acusava o ex-diretor da emissora Marcius Melhem de assediá-las sexualmente.

Na época, os nomes foram mantidos em sigilo, já que nenhuma delas estava disposta a se expor, e nem todas se dispunham a acioná-lo judicialmente.

Novas reportagens surgiram na imprensa, e a identidade de uma das que o denunciavam veio à tona: a da humorista Dani Calabresa.

Marcius divulgou mensagens trocadas com a atriz e foi à Justiça, em janeiro de 2021, processá-la por dano moral. Um mês antes, em dezembro de 2020, oito mulheres que o acusavam buscaram o Ministério Público para formalizar seus relatos.

Em agosto deste ano, a Justiça aceitou denúncia do MP e o tornou réu sob acusação de assédio sexual contra três mulheres: as atrizes Carol Portes e Georgiana Coutinho Goes, e uma editora da TV Globo. A promotoria, que inicialmente citava 11 vítimas, afirma que as outras acusações prescreveram.

Três anos depois da entrevista que detonou o caso, foi a vez de Marcius Melhem receber a coluna para uma entrevista, feita no escritório do advogado José Luis Oliveira Lima, em São Paulo.

O ex-diretor afirma que a denúncia do MP é uma "farsa" e uma "vergonha". Diz que tem provas de sobra para sustentar a sua inocência.

Questionado se tem receio de ser condenado e preso, afirma que, se isso ocorrer, "será um absurdo completo".

O humorista diz que vai todos os dias à terapia, e que buscou ajuda porque começou a "entender como funciona a mente de um suicida".

"É uma dor que não passa. Você quer gritar para o mundo que não é aquela pessoa, que não fez aquilo, que tem provas. Mas ninguém quer te ouvir", afirma.

Leia, abaixo, os principais trechos da conversa:

RÉU

A Justiça aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público e o tornou réu por assédio sexual. Como recebeu a decisão?
O meu sentimento é de indignação absurda. É uma sensação de impotência que balança toda a fé que eu tinha ao buscar a Justiça. Porque quem buscou a Justiça fui eu, não foram elas. Embora os advogados sempre digam que a função do Ministério Público é encontrar elementos para denunciar, eu tinha a convicção absoluta de que, ao mostrar todas as provas [de inocência], como fiz, não seria denunciado.

Sei que é difícil, num caso como esse, que é muito baseado na palavra [das vítimas e do acusado], ter um arquivamento simplesmente. Mas o que me dá indignação é como a denúncia se deu [ele questiona a indicação da atual promotora do caso no Supremo Tribunal Federal]. Antes de ela vir, quatro delegadas e cinco promotoras analisaram esse caso. E eu não fui indiciado nem denunciado por nenhuma elas.

Eu falo para as minhas filhas: ‘Vem aí um caixote [quando a pessoa é engolida por uma onda no mar]. Quando você está no meio dele, não pode lutar. Tem que soltar o corpo. Porque senão vai engolir mais água, gastar energia e perder todo o seu ar’

Marcius Melhem

ator, humorista e ex-diretor da Globo

Por outro lado, nenhuma delas arquivou o caso.
O Ministério Público pegou uma batata quente na mão. A denúncia claramente não para em pé. Então entrava delegado, saía delegado. Entrava promotor, saía promotor. Não me acusavam, e nem tinham a coragem de arquivar. Ou [um deles] tinha coragem, mas era removido antes.

Ficou um jogo de empurra. Se eu fosse tudo aquilo que a doutora Mayra Cotta falou na entrevista que deu a você em 2020, eu estaria denunciado em 24 horas, em 48 horas.

Você fala que as acusações não param em pé, mas o Judiciário aceitou a denúncia feita pelo Ministério Público.
A denúncia foi aceita em 24 horas. A juíza não leu os autos, que têm 2.000 páginas e dezenas de horas de gravação. Na manifestação que fez, ela assume que observou apenas os aspectos legais mínimos. Não entrou no mérito. E ainda nem abriu prazo para que nos manifestemos.

PRISÃO

De qualquer forma, foi uma derrota. Passa pela sua cabeça a possibilidade de ser preso?
Não, não passa.

Você não tem medo?
O medo é algo que eu não controlo. Agora, se acontecer uma prisão, ou uma condenação, mesmo que sem prisão, será a falência de qualquer bom senso. E da Justiça.

Eu não sou um kamikaze. Por que eu buscaria a justiça [se não fosse inocente]? Elas [as mulheres que o acusam] não queriam judicializar. Elas só queriam me destruir publicamente [por meio da imprensa].

Algumas delas argumentavam em 2020 que, ao judicializar, sofreriam um contra-ataque seu e uma exposição indesejada, o que acabou ocorrendo.
Então elas queriam só uma vingança? Se você tem uma questão contra mim, vai buscar anonimamente a imprensa, e não a Justiça?

Mesmo numa guerra, há regras de humanidade. O que fizeram comigo foi desumano. Uma execração pública sem nenhuma prova, sem nenhum nome. É uma covardia muito cruel.

É escancarado que esse processo é uma junção de ressentimentos e de vinganças. Quando judicializa, elas perdem o controle e o ponto de retorno. E agora têm que fazer [as denúncias de assédio] valerem de qualquer jeito.

ACUSAÇÃO

Mas o resultado da judicialização pode ser adverso para você. Isso vem à sua cabeça?
Às vezes vem. "Caramba, e se no final das contas ignorarem todos os fatos, as provas, as mentiras, as contradições, e me condenarem mesmo assim?".

O mais importante para mim, sem nenhuma demagogia, é que as minhas filhas tenham a convicção de que o pai delas lutou até o fim para que a verdade aparecesse.

A opinião pública já está vendo que essa denúncia é uma completa farsa. Eu vou gritar a verdade sempre. Por mim, eu alugava um telão na avenida Paulista e passava essa denúncia para todo mundo ver.

A denúncia é uma vergonha. Se ainda assim arrumarem um jeito de me condenar, se a Justiça disser "você é culpado e tem essa dívida com a sociedade", eu a pagarei. Mas será um absurdo completo.

Quando esse caso começou, na entrevista dada a você, eu era o predador sexual, o homem que perseguia, que coagia, que agia violentamente.

Como não colou, elas desenharam então um outro perfil meu. Que é o de uma pessoa muito amorosa, muito legal, que cria um clima muito bacana no trabalho —mas que, numa camada que não se pode enxergar de imediato, promove um assédio escondido ali. Elas vão mudando o discurso conforme a conveniência.

O meu caso é diferente de outros em diversos aspectos. Em geral, o acusado desaparece. Eu, não. Estou aqui, dando entrevista.

Outros casos começaram com a denúncia de algumas mulheres. Em uma semana, apareceram outras 15. Em um mês, 20.

No meu caso, vieram oito juntas [relatar o assédio]. E o número foi diminuindo. Ficaram três [na denúncia do MP]. E vamos chegar a zero.

Na verdade, a Dani Calabresa apresentou uma primeira denúncia ao compliance da TV Globo. E depois apareceram oito mulheres fazendo acusações semelhantes.
Destas, quatro me consolaram quando apareceu a primeira denúncia. Depois elas foram convencidas, pela causa, por diversas razões, a aderirem como vítimas. Elas pularam para o barco que estava mais legal naquele momento.

No início, a Veronica [Debom, ex-namorada do humorista], por exemplo, me consolava, mas já preparando a vingança da nossa relação pessoal, de eu ter rejeitado ela. E diz que só depois percebeu que estava em uma relação tóxica. Ela tinha uma paixão profunda por mim, e transformou o amor em ódio.

Eu provo que a Dani Calabresa mente, e ninguém nunca vai perguntar para ela por que ela mentiu. Você está aqui me perguntando milhões de coisas. Mas ninguém nunca pergunta nada a elas

Marcius Melhem

ator, humorista e ex-diretor da Globo

As oito que me acusam são amigas, se conhecem, são de um mesmo grupo. Fica escancarado que houve uma combinação. Em crimes sexuais, lutou-se muito para que a palavra da mulher tivesse força de prova. Por isso você não pode mentir.

É por isso que me dá desespero. Eu vejo que a coisa não para. Quantas mentiras eu tenho que provar para encerrar esse caso?

FAMÍLIA

Como as suas duas filhas lidam com a situação?
A Joana [ex-mulher e mãe das filhas de Melhem] tem a terapeuta dela, e cada uma das meninas tem a sua. Tudo é muito conversado. Joana fala para mim, e eu falo para ela: "Vamos, porque a vida é maior". [emocionado] Com tudo o que aconteceu, ela está do meu lado. Porque ela viveu isso. Ela viu essas pessoas na minha casa. Ela sabe das mentiras.

Quando vai sair uma reportagem, eu falo para as minhas filhas: "Vem aí um caixote [quando a pessoa é engolida por uma onda no mar]. Quando você está no meio dele, não pode lutar. Tem que soltar o corpo. Porque senão vai engolir mais água, gastar energia e perder todo o seu ar. Tem que esperar, porque uma hora o caixote vai te jogar na areia —com uma perna quebrada, um braço quebrado, água no pulmão. Mas você vai estar vivo".

Nós já tivemos conversas muito duras. Elas sabem o quanto eu falhei com a mãe delas. Mas elas acreditam em mim. Elas veem o apoio que eu tenho. Não há um dia em que eu saia com elas que não se aproximem pessoas para se solidarizar.

Você também faz terapia?
Eu comecei a fazer terapia todos os dias, alternadamente, com uma psicóloga e uma psiquiatra. Porque eu comecei a entender como funciona a mente de um suicida.

Você vive uma dor que não passa. E começa a entender, "é por isso que as pessoas se matam". Começa a "googlar"[pesquisar no Google]: "Como as pessoas se matam?". E percebe, "tô indo por um caminho perigoso". Então, pede ajuda.

Não estive perto [de se matar]. Mas é uma dor que não passa. Uma sensação de impotência. Você quer gritar para o mundo que não é aquela pessoa, que não fez aquilo, que tem provas. Mas ninguém quer te ouvir.

TROCA DE MENSAGENS

A atriz Carol Portes, que permanece na denúncia do MP, narra que você a assediava por mensagens, e que certa vez, num flat, a abordou de toalha e a beijou sem consentimento. Você não admite que ela de fato tenha se sentido assediada?
Uma pessoa não é assediada porque ela acha que foi assediada. Ou porque foi convencida de que foi assediada. Quando a coisa já estava explodindo, com as denúncias da Dani [Calabresa] no compliance da Globo, a Carol me mandava mensagem dizendo que me amava. Que me amava! E que, por ela, trabalharia comigo a vida toda. Está no processo.

A cena que ela relata [no flat] não aconteceu do jeito que ela fala. Ela criou uma falsa memória sobre aquela noite. Ficamos juntos, e foi totalmente consensual.

As mensagens que você, tendo ascendência profissional sobre ela, enviava, dizendo que iria dar uns tapas nela, ou então uma cerveja, para passar o constrangimento, não caracterizam assédio?
Ela ficou com vergonha naquele dia de a gente ter ficado, por eu ser casado, não sei o quê. Por isso que perguntei: "Passou o constrangimento?". E não porque eu a constrangi.

As mensagens para elas [atrizes que o denunciam] eram brincadeiras que fazíamos entre nós. Estávamos em um núcleo de humor, [em que] todo mundo brinca com todo mundo o tempo todo.

A Veronica fazia mil brincadeiras sexuais comigo. Um milhão! As coisas que ela me escrevia, se eu escrevesse para ela, hoje estava "ferrado". Ela certa vez disse que não estava bem na novela [em que atuava]. Eu disse "calma, vai ficar mais confortável". Resposta dela para mim: "A última pessoa que me disse isso foi um negão com uma piroca imensa comendo o meu c. E ele mentiu".

Essa é a resposta de alguém que diz que ficava constrangida com brincadeiras sexuais! Eu anexei no processo o filme em que Veronica registra um outro autor esfregando o meu almoço no pênis. Essa era a brincadeira deles comigo.

Elas dizem que "acordaram" [para o fato de serem assediadas] apenas com a denúncia da Dani Calabresa, em 2020. Só que já na pandemia, depois já da denúncia da Dani [ao compliance], elas seguiam em um grupo de mensagens em que eu estava, do [programa] Tá no Ar. Ou seja, seguiam em um grupo com o seu suposto abusador.

Certo dia, começaram a discutir um protesto contra o [Jair] Bolsonaro. E a Georgiana posta um meme, "'punhetaço' contra o governo". E ela e Veronica passam a falar de "siriricaço" e sobre o horário em que costumam "tocar siririca".

Eu fiquei tão incomodado com aquilo que no dia seguinte eu saí do grupo. Eu achei um desrespeito comigo, com o que eu estava vivendo [por causa das denúncias de Dani Calabresa]. O discurso que elas adotam publicamente não bate com as atitudes delas no dia a dia.

Por que essas mulheres mentiriam sobre o assédio?
Uai, tem que perguntar isso para elas. Que elas mentem, eu provo. Já estou indo muito além da minha função, porque quem tem que provar é quem acusa.

Eu provo que a Dani Calabresa mente, e ninguém nunca vai perguntar para ela por que ela mentiu. Você está aqui me perguntando milhões de coisas. Mas ninguém nunca pergunta nada a elas. Essas mulheres conseguem, durante quase quatro anos, falar todo tipo de coisa sem que ninguém as confronte.

DEMISSÃO DA GLOBO

A TV Globo te afastou em 2020, depois das denúncias do compliance. Como você avalia o seu desligamento?
A minha psiquiatra diz: "Você foi treinado em tortura no departamento de compliance da TV Globo". É kafkiano. Junta um grupo de pessoas que dizem que foram assediadas por você. O compliance me proíbe de saber quem são. E eu não posso me defender.

A empresa faz uma investigação e me diz: "Não foi comprovado assédio. Mas as suas brincadeiras, você é muito próximo dos atores, é um comportamento inadequado". Na real: se fosse por isso, tinham que demitir a metade da empresa.

Pelo amor de Deus! Não era proibido, e até hoje não é, que as pessoas tenham relacionamentos amorosos dentro da empresa, independentemente da hierarquia entre elas. E isso existe até hoje, no mesmo departamento [de entretenimento] inclusive.

Isso é o que é o mais doido: eu ainda tenho, por algumas, o sentimento de que elas estão sendo profundamente manipuladas e enganadas. Às vezes eu ainda sonho que estamos trabalhando juntos

Marcius Melhem

ator, humorista e ex-diretor da Globo

Na época [do desligamento], eu perguntei: "Mas eu estou inaugurando isso na TV Globo?". Responderam: "Não, isso acontece a torto e a direito". E seguiram: "Mas essa não é a Globo que a gente quer para o futuro. Você não tem o perfil de liderança que nós queremos".

Me propuseram: você sai [antecipadamente] com todas as honras e com uma carta de agradecimento. E nós vamos pagar o seu contrato até o fim". Eu perguntei: "Tá, mas qual é a prova de que eu não cometi assédio?". [Disseram] "A prova é a sua saída com todos os direitos, sem justa causa, com uma carta de agradecimento e de comum acordo".Falei: "Então fico com isso".

O que mais eu poderia fazer? A Globo não viu assédio. E elas [as mulheres que o acusam] têm que se conformar com isso. Mas aí elas resolveram se vingar.

Vocês trabalharam juntos por muitos anos, e imagino que existia afeto.
Isso é que é o mais doido: eu ainda tenho, por algumas, o sentimento de que elas estão sendo profundamente manipuladas e enganadas. Às vezes eu ainda sonho que estamos trabalhando juntos. Eu já sonhei que continuava trabalhando junto com a Carol. Eu já sonhei que continuava trabalhando com o Georgiana. Eu já sonhei que a Verônica me abraçava, chorando e pedindo desculpa. E que eu aceitava.

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