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Leandro Beguoci é diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br). Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira.

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MEC flerta com vampetismo nas avaliações educacionais

Mexer ou acabar com as provas tira o bode da sala e mantém as crianças na ignorância

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A educação brasileira, apesar dos avanços dos últimos 30 anos, tem uma fama ruim. O acesso aumentou em ritmo superior à qualidade e, ao mesmo tempo, a sociedade abraçou a ideia de que aprendizagem é direito de todas as crianças e adolescentes. A barra da população subiu, e isso é ótimo.

Porém, essa barra também subiu por causa da honestidade intelectual de uma geração de técnicos do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão ligado ao Ministério da Educação, e aos ministros que chefiaram a pasta. Sim, eu sei que pega mal elogiar políticos nesses tempos. Porém, verdade é verdade.

Como lembrou Claudia Costin em coluna recente aqui na Folha, o Brasil tem um bom sistemas de avaliação educacional, destaque entre países em desenvolvimento. Em vez de colocar os problemas embaixo do tapete, gerações de especialistas decidiram medir a aprendizagem e divulgar esses dados para a sociedade. Além disso, essas pessoas resolveram comparar o Brasil com outros países, incluindo o país em avaliações internacionais. É por causa desse compromisso suprapartidário que, hoje, sabemos a porcentagem de estudantes que desconhecem fundamentos matemáticos e conseguimos nos comparar com outros países. 

Sim, as avaliações não são perfeitas. Muitos dos seus críticos apontam, com razão, que elas poderiam ter escopos diferentes e incluir outros aspectos da educação. Porém, há certo consenso de que é preciso continuar avaliando a educação pública. Afinal, a realidade se impôs. Várias cidades e Estados brasileiros progrediram quando saíram do achismo e abraçaram a ciência educacional. 

Por isso, uma declaração do novo presidente do Inep e uma decisão do MEC deveriam causar arrepios em quem, realmente, acredita que educação é uma das grandes prioridades do país.

Marcus Vinicius Rodrigues, novo presidente do Inep, declarou que o Enem é do presidente Jair Bolsonaro. “Ele é quem tem que dar as diretrizes, estamos aqui cumprindo uma missão do presidente. O dono do Enem termina sendo o nosso presidente, que é o único que teve 60 milhões de votos e é quem pode responder, mudar e realinhar (a prova). Ele tem esse aval”, disse Rodrigues ao Estado de S.Paulo. Bem, alguém precisa lembrar ao presidente do Inep que Bolsonaro não é dono do Brasil. O Enem pertence ao povo brasileiro, e não ao ocupante da vez do Palácio do Planalto.

Na mesma entrevista, Rodrigues abre margem para algo que seria um desastre sem precedente. Ele considera as atuais avaliações educacionais no Brasil muito caras. "Cada uma dessas provas tem um custo altíssimo. Eu não quero nunca comprometer a qualidade e a confiança dessas provas, mas vamos ter de repensá-las”, respondeu ele a uma pergunta sobre eventual suspensão de algumas das provas - como as que medem o grau de alfabetização das crianças brasileiras.

Boas provas não são baratas - e são prioridade. Rodrigues precisa brigar por orçamento e não confundir o público (as avaliações) com o partidário (a obsessão do presidente Bolsonaro com o Enem).

Tudo isso poderia ser tão somente um conjunto de declarações desastradas. Infelizmente, as tropeçadas parecem mais um projeto do que um acidente.

A gestão passada do MEC montou uma assessoria técnica para avaliar programas de educação em tempo integral. Foi uma boa medida, já que vários Estados estão investindo na modalidade, que deve crescer com o novo ensino médio. Apesar das restrições orçamentárias, o ministério seguiu a tradição dos seus antecessores nos últimos 30 anos e criou um programa específico de avaliação. Bem, o que novo MEC fez? Acabou com o grupo técnico.

Por enquanto, vou dar o benefício da dúvida. Talvez o novo MEC não tenha se inteirado sobre os benefícios da pesquisa científica em educação. Talvez não tenha encontrado gente alinhada ao projeto Bolsonaro para assumir os principais cargos. São possibilidades. De qualquer forma, estou com o pé atrás.

Alguns governos (ruins), quando querem dar respostas rápidas à população, manipulam as estatísticas. Mexem nos indicadores, acabam com as séries históricas. E então, milagrosamente, os números começam a contar uma história mágica de progresso.

O Brasil conseguiu, a duras penas, blindar a educação dessas malandragens. Gerações de técnicos e políticos pagaram caro pela honestidade intelectual. Espero que o novo MEC não inaugure uma era de “vampetismo”. Muitos anos atrás, o ex-jogador Vampeta, da seleção brasileira, disse: “eles fingem que me pagam, eu finjo que jogo”. Que o MEC não finja que avalie. Porque, deste lado, nós não vamos fingir que acreditamos.

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