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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Descrição de chapéu tecnologia

Empresa defende revisão de processos seletivos para inclusão de minorias

Para Gustavo Glasser, da Carambola, transformação digital exige diversidade no recrutamento

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São Paulo

Para Gustavo Glasser, as dificuldades que muitas empresas enfrentam ao buscar profissionais qualificados para trabalhar na área de tecnologia da informação frequentemente são criadas por elas mesmas.

Não falta gente com talento no mercado, ele argumenta. O problema está nos processos seletivos das empresas e nos vieses que eles incorporam, que acabam tornando muitas pessoas invisíveis para as equipes de recrutamento.

Fundador e principal executivo da Carambola, especializada na formação de equipes para a área de TI de grandes empresas, ele defende outro método para selecionar e treinar profissionais, que abra caminho para grupos pouco representados no mercado, como negros, mulheres e gays.

Incorporar maior diversidade aos processos de seleção das empresas exige a revisão de práticas que se tornaram obsoletas, afirma Glasser, homem transsexual que iniciou a transição de gênero há dois anos.

Homem jovem, branco, de cabelos castanhos curtos ondulados, vestido com camisa azul escura de mangas compridas e calça jeans azul. Está numa praça com grandes árvores ao fundo, com o pé apoiado sobre um banco de madeira.
Gustavo Glasser, programador que fundou a Carambola, empresa especializada na formação de equipes na área de tecnologia da informação. - Adriano Vizoni - 16.out.2019/Folhapress

​​​O que há de errado com o processo de recrutamento de pessoal nas empresas? Se você olhar a foto de qualquer empresa hoje, ela mostrará majoritariamente homens, brancos, heterossexuais, de classe média alta. É impossível pensar que essas sejam as únicas pessoas com capacidade de gerar resultados, mas o modelo adotado pelas empresas para contratar leva a isso.

Se não fizermos algo para desconstruir os valores sociais embutidos nesse processo, que estão dentro da nossa cultura, vamos continuar retificando os modelos que estão aí. Você pode não ser racista nem homofóbico, mas entender que esses vieses estão embutidos no processo é o primeiro passo para desconstruí-lo.

Executivos bem-sucedidos no mercado estudaram em boas universidades, então as empresas sempre acharam que o caminho seria contratar pessoas com a mesma origem, supondo que repetiriam o desempenho dos veteranos. A valorização da diversidade é maior hoje, mas é um processo recente.

Que fatores mais têm contribuído para essa mudança? Muito do que estamos vendo é resultado da ação dos movimentos sociais, que cobram isso há muito tempo. Mas a transformação digital das empresas também tem um efeito importante. Elas precisam de gente na área de tecnologia, vão ao mercado e percebem que não conseguem preencher as vagas que têm, porque todos os homens brancos heterossexuais de classe média alta estão contratados.

É nesse momento que elas percebem que precisam fazer algo diferente e começam a reexaminar seus processos seletivos. A gente ouve muito nas empresas: "Ah, para contratar uma pessoa preta, a minha barra está aqui em cima". Quer dizer, a pessoa precisaria ter tido a vivência de uma pessoa branca e estudado nas mesmas escolas para alcançar essa barra. Será que essa barra faz sentido?

A solução é abaixar a barra? Não. A solução é olhar para a barra e refletir sobre os critérios adotados nos processos seletivos para torná-los mais efetivos. Você pode mudar a barra, virar ela de lado, incorporar outros elementos que podem contribuir para a geração de valor numa empresa e em geral são ignorados.

E isso não vale só para a contratação. As empresas fazem uma série de testes para avaliar as pessoas na entrada e depois não têm nenhuma ferramenta para acompanhar a jornada desses profissionais. A gente percebe no mercado que muitas pessoas pretas na base da pirâmide não conseguem crescer nas empresas, por causa dos mesmos vieses embutidos nos processos seletivos.

Como corrigir esses vieses? Muitas empresas acham que basta contratar mais pessoas pretas, mulheres ou LGBTQI+, mas essa é uma forma muito rasa de incorporar a diversidade. Porque assim elas só estão olhando o fenótipo, ou características das pessoas que não podem mudar, como sua orientação sexual.

É preciso levar em consideração outros aspectos, o contexto em que essas pessoas viveram, e construir outras ferramentas para avaliar o desempenho e desenvolver o potencial dessas pessoas. Não basta saber as habilidades que elas têm hoje.

Todos tivemos uma carreira em que aprendemos trabalhando. Vale para o menino formado na melhor universidade de São Paulo e para a menina que estudou numa escola pública na Paraíba. A gente aprende com as nossas experiências, nossas vivências.

​​​​Como a pandemia influiu nesse processo? As empresas precisam entender que o futuro do trabalho é colaborativo. A cultura da competição ainda é muito forte no dia a dia das empresas, mas o futuro exigirá um ambiente de trabalho mais diverso, inclusivo e colaborativo.

Todo mundo teve que aprender a trabalhar remotamente e descobrir coisas novas na pandemia. Entender como as pessoas aprendem e desenvolvem novas habilidades é essencial hoje, e as empresas precisam de novas ferramentas. Mais importante do que avaliar as habilidades das pessoas na hora da seleção é saber a capacidade que elas terão de adquirir outras depois da contratação.

Temos uma grande oportunidade agora de incluir outras pessoas nesse processo. Já temos que aprender um monte de coisas, então podemos criar oportunidades para aprender junto com pessoas que pensam diferente da gente.

Gustavo Glasser, 39

Formado pelo Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) em ciência da computação, começou como desenvolvedor num centro de inovação da Microsoft e juntou-se ao investidor Renato de Faria e Almeida Prado para fundar a Carambola em 2013. A empresa tem entre os seus clientes o Itaú, a Ambev e a Microsoft. Em 2019, foi reconhecido pelo Prêmio Empreendedor Social, iniciativa da Folha.

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