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Favela em Cannes Lions é a perfeita contradição

Comunidades periféricas usam sua voz no maior festival de criatividade e publicidade do mundo

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Gilson Rodrigues

Líder comunitário de Paraisópolis, na cidade de São Paulo, é presidente do G10 Favelas

França, Cotê D’azur, Riviera Francesa. Ao lado de Mônaco, Nice, perto de Saint Tropez… Paraisópolis, Heliópolis, Jacarezinho, Rocinha, Casa Amarela, Jurunas, Cidade de Deus.

Os lugares mais requintados do mundo, onde estão e para onde vão o maior número de bilionários estão sendo frequentados pelas maiores favelas do Brasil. Se lá estão eles, lá estamos nós, representando milhões de brasileiros que consomem as marcas e empresas dos quais eles são donos, acionistas, dirigentes. Participamos do Cannes Lions, de 19 a 23 de junho, para dizer: eu existo, nós existimos e não podemos ser ignorados.

Homem negro está em um palco e fala ao público; ele veste traje social, com camisa branca, blazer cor-de-rosa e calça beje; ao seu lado há uma pequena mesa de apoio; ao fundo um painel preto com algumas palavras em Inglês
Gilson Rodrigues, presidente do G10Favelas e líder comunitário, no Cannes Lions, maior festival de criatividade e publicidade do mundo - Divulgação

Se somos uma das maiores economias do mundo, donos do maior ecossistema e biodiversidade do mundo, fundamentais para a humanidade, existimos. Se somos o maior produtor de proteína do mundo, e um dos maiores produtores de alimento do mundo, existimos. Se somos o país do futebol, da cultura, arte e diversidade, existimos. Se somos um país de múltiplas riquezas e exportadores de cultura, gente e criatividade, existimos.

E é por essa razão que o que há de mais rico e nobre na Terra mora ao lado do que há de mais pobre, e a quebra dessa barreira é o primeiro grande passo para diminuição desse abismo.

E lá estive, na Riviera Francesa, como palestrante do maior festival de criatividade e publicidade do mundo. Fui com a responsabilidade de dizer ao mercado mundial que temos a condição de contar as nossas próprias histórias, sem precisar que pessoas do asfalto as contem sozinhos.

"Cidade de Deus", "Tropa de Elite" e essa narrativa sobre 0,01% da favela, já passou. Cerca de 20 milhões de pessoas existem e possuem histórias extraordinárias, uma criatividade transformadora e a saída das favelas se dará pela própria favela.

Além de atuar como palestrante, levei para lá cinco cases de favela para concorrer. Uma ousadia, sem dúvida. Lá onde estão Nike, Adidas, Puma, Budweiser, Heineken, Apple, Microsoft, Amazon, Google… está também a Favela.

Concorremos em alto nível e até mesmo chegando à final. Porque se existe criatividade para sobrevivermos às ausências do estado e vivenciarmos uma normalidade, seremos reconhecidos nos quatro cantos sempre. E assim foi.

Se não somos identificados e credibilizados com os números e potencial que temos, criamos um instituto de pesquisas, que deu números, criou soluções comerciais e assistenciais (Favela Diz).

Se temos uma má alimentação em favelas, que vai além da existência da fome, criamos uma fazenda urbana, a Agro Favela.

Se temos o bloqueio de CEPs das casas, impedindo que o e-comerece exista para o mundo favela, criamos a Favela Brasil Xpress, que em sete bases do Brasil já movimentou mais de R$ 1 bilhão em cargas compradas por moradores.

E se o mercado financeiro é algo distante para investirmos e também termos apoio para expansão das pequenas empresas de favelas, então ok, amigos do asfalto. Nós criamos a bolsa de valores da favela.

Abrimos os pregões da B3 e da Bolsa de Nova Iorque, capitalizamos empresas do hub de negócios do G10 Favelas e demos mais retorno financeiro que qualquer aplicação nacional.

(Sobre)viver em favelas do Brasil é a arte mais pura e sublime da criatividade. Todas as tentativas de ignorar ou não dar palco a nós serão sempre ignoradas, pois teremos criatividade até mesmo para chegar ao palco mais glamouroso da publicidade do mundo e dizer: eu existo, e vim aqui mostrar do que somos capazes.

Nos despedimos de Cannes Lions com uma comitiva de sete pessoas. São sete líderes de empresas e negócios de favelas do Brasil que estão revolucionando a forma como as favelas são enxergadas.

Destes, quatro são mulheres que inspiram milhões de outras mulheres a se libertar de violência doméstica e qualquer ação que as impeçam de realizar seus sonhos. Os demais movimentam inúmeras empresas e negócios que abrem caminho para milhares de outros empreenderem e se libertarem do caminho que nos foi imposto.

Definitivamente, nos tornamos inevitáveis. Até próximo ano, Cannes Lions.

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