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Sim, temos fome! Por quê?

População brasileira com acesso irregular à alimentação cresceu e país precisa de um novo pacto com ações efetivas de combate à pobreza

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Luciana Quintão

Economista, é fundadora e presidente da ONG Banco de Alimentos

São Paulo (SP)

Fundei a ONG Banco de Alimentos há 25 anos. Uma iniciativa da sociedade civil para combater a fome através da minimização do desperdício de alimentos. A fome e o desperdício são dois contrassensos que por aqui andam de mãos dadas.

A fome é secular no Brasil e vem desde os tempos coloniais. Suas origens permanecem vivas até hoje em um sistema agrícola que privilegia o mercado externo em detrimento do interno, e em questões estruturais que prendem nosso desenvolvimento econômico e social.

Não foram poucas as iniciativas de criação de órgãos públicos e políticas de combate à fome. Do Programa Fome Zero, passando pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), e outros órgãos, o que vimos foi um vai e vem de criações e destituições, além da falta de um trabalho sincronizado.

Propostas de leis também foram colocadas, mas não promulgadas. Apenas em 2020 foi aprovada a Lei 14.016 dispondo sobre o combate ao desperdício e a doação de alimentos. Iniciativas tímidas com impacto muito aquém do necessário.

O fato é que durante todos estes anos nunca houve um resultado que chegasse perto do razoável para realmente acabar com o que eu chamo de várias fomes. Neste conceito falo não só de comida, mas fome de saúde, moradia, educação, justiça social. Pouco mudou.

Em 1998, ano de fundação da ONG Banco de Alimentos, 33,4% da população brasileira (56,7 milhões de pessoas) vivia na pobreza, em insegurança alimentar. Já em 2022, 58,7% da população (125,2 milhões de brasileiros) viviam em situação de insegurança alimentar. São gerações e gerações às quais tem sido negado o direito a uma alimentação adequada, previsto na Constituição.

Combater a fome significa combater a miséria, a distribuição desigual da renda, gerar empregos de qualidade e garantir o acesso permanente à saúde, ao transporte, à moradia e à educação, que é a vara para qualquer um poder pescar o seu próprio peixe.

Transferências de renda são necessárias, mas deveríamos trabalhar para que não sejam eternas e muito menos a única forma de se endereçar a questão.

São desafios antigos e estruturais. Para enfrentá-los, é preciso uma verdadeira mobilização e ações integradas de políticos, empresários, produtores e sociedade em geral que sejam perenes e não passageiras.

É preciso um pacto maior e mais efetivo que possa contemplar um melhor preparo dos gestores públicos para garantir o fim da corrupção e do desperdício de dinheiro.

A mudança também deve ocorrer na economia, que deve ser saudável, propiciando geração de empregos, que é o que realmente acabará com a fome.

Não menos importante, é preciso garantir políticas públicas capazes de gerar bem-estar para toda a população, com planos de governo bem estruturados (e não planos de eleição). A população também precisa de acesso à saúde, moradia digna e educação de qualidade, com condições de permanência dos estudantes nas instituições de ensino, para a formação de uma mão de obra mais qualificada.

As mudanças necessárias exigem atuação em várias frentes, com o crescimento inclusivo, o combate à desigualdade e ao racismo estrutural, além do fortalecimento da agricultura familiar e urbana.

Essas demandas devem incluir o apoio dos empresários em retornar para a sociedade ações que tragam evolução social.

A iniciativa pública deve dar prioridade à agenda de água e saneamento, se preocupando também com a extensão do direito à alimentação a todos os brasileiros de forma permanente, com medidas efetivas na área da segurança alimentar, incluindo a expansão dos bancos de alimentos não só municipais como da sociedade civil.

Ainda neste cenário é esperada a boa regulamentação de leis que reduzam o desperdício de alimentos e o fortalecimento do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) federal e a maior criação de unidades deste órgão nos âmbitos estadual e municipal.

Um pacto maior e mais efetivo para que possamos colocar em prática a nossa inteligência social em prol do bem comum e por um Brasil que possa eliminar as várias fomes de sua população. Só assim conseguiremos erradicar de fato a fome de comida no Brasil.

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