Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

Por que os republicanos não querem reconstruir os EUA?

Um acordo bipartidário sobre a infraestrutura jamais aconteceria

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The New York Times

Em 26 de junho de 1956, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei das Rodovias Interestaduais. O presidente Dwight Eisenhower a colocou em vigor três dias depois. A legislação alocava US$ 24,8 bilhões em fundos federais como verba inicial para a construção de um sistema interestadual de rodovias.

Não parece muito dinheiro, pelos padrões atuais, mas os preços são muito mais altos hoje do que eram então, e a economia do país é imensamente maior. Calculadas como proporção do PIB (Produto Interno Bruto), as verbas desembolsadas sob a lei equivaleriam a US$ 1,2 trilhão, hoje. E o sistema interestadual de rodovias não foi o único grande programa federal de investimento; o governo também gastou quantias substanciais em coisas como a construção de represas e a criação da St. Lawrence Seaway.

Biden discursa ao Congresso americano com a vice-presidente Kamala Harris - Melina Mara - 28.abr.2021/Pool via Reuters

Era, em resumo, uma época em que os políticos estavam dispostos a realizar investimentos ousados no futuro dos Estados Unidos. E havia consenso notável sobre a necessidade daqueles investimentos. A lei das rodovias —cujos custos foram cobertos por impostos mais altos sobre a gasolina e por pedágios— foi aprovada por ampla maioria na Câmara e com apenas um voto contrário no Senado.

Mas o país era diferente —ou, para não obscurecer a realidade do que mudou, o Partido Republicano era diferente.

Fiquei com vontade de comemorar quando o presidente Biden declarou o fim das negociações sobre infraestrutura com os republicanos do Senado. Algumas reportagens descreveram o fato como um “abalo” para a agenda de Biden. Na minha interpretação, foi um sinal bem-vindo de que a aproximação proposta por Biden aos republicanos era apenas pró-forma, e que ele estava só esperando pelo momento ideal para seguir em frente.

Pois era evidente para qualquer pessoa que tenha acompanhada a disputa sobre o pacote de saúde de 2009-2010 que os republicanos não estavam negociando de boa-fé, estavam apenas retardando o processo, e terminariam rejeitando qualquer coisa com que Biden concordasse. Quanto antes essa farsa fosse encerrada, melhor.

Mas como e por que os republicanos se tornaram o partido do “não vamos construir”? Para mim, é uma mistura de partidarismo, ideologia e cobiça.

Era considerado alarmista dizer que os republicanos estavam deliberadamente sabotando a economia sob o governo do presidente Barack Obama. Deveríamos supostamente acreditar que as exigências deles de cortes de gastos em um período de desemprego elevado, que retardaram muito a recuperação econômica, refletiam preocupação genuína sobre as implicações do déficit orçamentário. Mas a maneira pela qual o Partido Republicano perdeu todo interesse em déficits assim que Donald Trump assumiu o poder confirmava absolutamente tudo que os cínicos vinham dizendo.

E um partido disposto a sabotar a economia na era Obama certamente estará ainda mais inclinado a sabotar um presidente que muitos de seus integrantes se recusam a aceitar como legítimo. Aumentar o investimento público é popular, especialmente se os custos forem pagos por meio de impostos mais altos sobre as empresas e os ricos. E também criaria empregos. Mas porque um democrata ocupa a Casa Branca, essas são razões para que os republicanos bloqueiem os gastos com infraestrutura, em lugar de apoiá-los.

Isso posto, é preciso admitir que os republicanos do Senado, especialmente Mitch McConnell, também bloquearam gastos com a infraestrutura quando Trump estava na Casa Branca. O principal motivo para que a expressão Infra Week tenha se tornado piada foi a incompetência e falta de seriedade do governo Trump, e sua incapacidade de formular qualquer coisa que se parecesse com um plano coerente. Mas a resistência de McConnell, sua postura passivo-agressiva, também influenciou o resultado.

Por que isso aconteceu? Desde a era Reagan, os republicanos assumiram a posição de que o governo é sempre o problema, e nunca a solução —e, é claro, a de que os impostos devem ser sempre cortados, e nunca aumentados. Eles não abririam uma exceção para a infraestrutura. O fato mesmo de que um plano de infraestrutura seria popular milita contra sua aprovação; os republicanos temem que isso possa ajudar a legitimar um papel maior para o governo em geral.

Por fim, o moderno Partido Republicano parece profundamente alérgico a qualquer forma de programa público que não dê papel importante a operadores privados em busca de lucros, mesmo que seja difícil ver a que propósito esses operadores poderiam servir. Por exemplo, diferentemente do resto do programa federal de saúde Medicare, a cobertura federal a custos de remédios, aprovada na presidência de George W. Bush, só pode ser obtida por meio de empresas privadas.

Quando os assessores de Trump anunciaram seu “plano” de infraestrutura (era pouco mais que um rascunho vago), percebi de imediato que eles evitaram cuidadosamente indicar que seria possível construir infraestrutura da maneira que Eisenhower fez. Em lugar disso, a proposta envolvia um sistema complexo e certamente impraticável de créditos fiscais a investidores privados que, esperavam os autores da ideia, construiriam a infraestrutura de que precisamos.

Se o pessoal de Trump tivesse tentado criar um plano de infraestrutura, provavelmente teria se parecido com o único programa de investimento que o governo dele colocou em vigor, a criação de “zonas de oportunidade” que supostamente beneficiariam os americanos que vivem em áreas de baixa renda. O que o programa terminou por fazer, na prática, foi oferecer uma bonança a investidores ricos, que usaram os incentivos fiscais para construir coisas como condomínios de luxo.

Podemos resumir assim: o moderno Partido Republicano só implementa programas públicos se eles propiciarem vastas oportunidades de lucros indevidos para alguns.

A realidade é que, se obtivermos o plano de infraestrutura de que precisamos, ele será aprovado por meio do processo de conciliação entre as versões da Câmara e do Senado, com pouco ou nenhum apoio republicano. E quanto antes chegarmos a esse ponto, melhor.

Tradução de Paulo Migliacci

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