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Jornalista e autor de "Escola Brasileira de Futebol". Cobriu sete Copas e nove finais de Champions.

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Descrição de chapéu Maradona (1960-2020)

Maradona é tão amado por ter sido o mais humano dos imortais

Sua morte nos atinge em cheio, no coração e na alma

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Maradona sempre pecou. Talvez esse tenha sido o aspecto mais sedutor da personalidade do gênio que acaba de nos deixar, nesta quarta-feira (25), aos 60 anos. Imortalizado por seus dribles, gestos e conquistas, Diego permitiu que o mundo o conhecesse em suas entranhas e em seus vícios.

O menino podia ser Pelé, se ganhasse a Copa aos 17 anos, e teve o sonho cortado pela escolha de seu técnico, Cesar Luis Menotti, às vésperas do Mundial de 1978.

Dois anos depois, convocado pelo mesmo Menotti, levou a bola até a linha de fundo, pela direita, num amistoso contra a Suíça e, lindamente, cruzou de letra, para o cabeceio de Ramon Díaz. Gol da Argentina!

A genialidade expunha também o pecado de usar o pé direito apenas como apoio para o esquerdo dar espetáculo. Não chutar com a direita não foi heresia para quem fez tanto com a canhota –e até com a mão de Deus.

Maradona conheceu as drogas em sua passagem por Barcelona e levou-as consigo por toda a trajetória na Itália. A cocaína nunca lhe deu vantagem em campo. Era genial muito antes de ser apresentado a ela e, no jogo, como nos versos de Cazuza, Maradona não causou mal nenhum —a não ser a si mesmo.

O uso das drogas escancarou-se em 1991, ano de sua primeira suspensão, depois de vencer a Copa pela Argentina, dois escudetos pelo Napoli, além de um inédito troféu da Uefa, em 1989.

A punição por doping aconteceu na temporada seguinte à sua demonstração de ira, ao ouvir o hino argentino ser vaiado pela torcida italiana, na final da Copa do Mundo.

Os súditos acreditaram num complô e seguiram-no no retorno aos campos, já sem o mesmo brilho, no Sevilla e Newell’s Old Boys.

Até que chegou a primeira rodada do Mundial dos Estados Unidos e ele estava de volta, com um gol espetacular e um grito de fúria diante das câmeras de todo o planeta. Muita gente acha que aqueles 4 a 0 contra a Grécia foram o jogo do segundo doping, mas não.

A auxiliar do controle de dopagem, Sue Carpenter, deu-lhe a mão para levá-lo ao inferno do teste positivo minutos após Argentina 2 x 1 Nigéria, em Boston. Sue não era enfermeira nem santa, mesmo protegida pela Fifa sob o codinome de Ingrid Maria.

Diego voltou outra vez, com a camisa do Boca Juniors, e espantou os puristas com um beijo na boca de Caniggia, ao comemorar os gols da vitória por 4 a 1 sobre o River Plate.

Teve ainda outros retornos, até como técnico, capaz de controlar a bola à beira do banco de reservas calçando um mocassim preto, na África do Sul. A torcida argentina perdoou-lhe, então, o pecado de não ajudar Messi a levantar a maior taça do planeta.

Maradona, quando treinador da seleção argentina em 2010, em passeio pelas ruas de Petória, na África do Sul, antes da Copa daquele ano
Maradona, quando treinador da seleção argentina em 2010, em passeio pelas ruas de Petória, na África do Sul, antes da Copa daquele ano - Paballo Thekiso - 19.jan.2010/AFP

Seu retorno mais impressionante, no entanto, foi à vida. Em abril de 2004, seus devotos velaram seu corpo por noites a fio em que ficou conectado a um respirador, por causa de uma infecção pulmonar que afetou sua função cardíaca.

Jornais e emissoras de televisão de todo o planeta mandaram suas equipes a Buenos Aires. A morte parecia iminente, para quem passara tantos anos abusando da saúde, do álcool e das drogas.

Como se fosse imortal, sobreviveu.

Apenas um ano depois, estrelava um programa de tevê tabelando de cabeça com Pelé. Estava forte. Só um pouco gordo, o que não era sacrilégio para um homem perto dos 45 anos.

Chegou aos 60 em 30 de outubro. Pareceu abatido no dia de seu aniversário e, dias depois, deu entrada no hospital para o que parecia só mais uma visita de rotina. Não era.

A depressão da quarentena pelo coronavírus levou-o a novas doses de remédios e bebidas. Escapou da cirurgia cerebral, mas seu coração não resistiu.

Sua morte nos atinge em cheio, no coração e na alma.

Maradona pecou, como todos pecamos. Talvez por isso tenha sido tão amado. Parafraseando Eduardo Galeano, por ser o mais humano dos imortais.

Maradona idolatrado por torcedores nas arquibancadas da Copa da Rússia, em 2018
Maradona idolatrado por torcedores nas arquibancadas da Copa da Rússia, em 2018 - Giuseppe Cacace - 16.jun.2018/AFP

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