Um velho amigo da faculdade chamado José Antonio Mariano, apaixonado pela história das guerras e política internacional, costumava relacionar grandes crises sociais e econômicas com fracassos de seleções importantes em Copas do Mundo.
Em 1954, a Hungria de Puskas chegou à final. Era um bom país, apesar de conviver com prisões de inimigos do regime. Piorou muito depois da revolução de 1956, com a invasão do exército soviético. Os húngaros não passaram da fase de grupos na Copa de 1958.
A Tchecoslováquia, vice mundial em 1962, bebia da fonte de um governo liberal nos costumes. Em 1970, foi eliminada precocemente, dois anos depois da invasão das forças do Pacto de Varsóvia.
A tese de Mariano é ótima, mas não perfeita. A seleção brasileira mais brilhante de todos os tempos ganhou o tri em meio às trevas da ditadura militar.
Se depender do momento atual do Brasil, pode se preparar para um grande fiasco na Copa de 2022.
Fracassamos nós, como sociedade, e também nossos governos federal, estaduais e municipais. São Paulo diz que não tem condição de fazer o lockdown por falta de capacidade para fiscalizar. É o lugar com maior número de mortes e 700 festas clandestinas desmontadas no mês mais asfixiante desde o início da pandemia. Quantas não foram descobertas?
As Eliminatórias da América do Sul estão paradas, consequência das restrições para o retorno à Europa dos jogadores das dez seleções do continente. Quem voltasse à Inglaterra depois das partidas teria de passar dez dias em quarentena.
“A desvantagem em relação aos europeus é fato e não pode ser uma muleta”, disse-me Tite nesta semana. Ao mesmo tempo em que pensa em alternativas para compensar as perdas, salienta: “Vidas, vacinação, serenidade e sensatez são nossa prioridade neste momento".
Tudo parece uma enorme simulação de competência, exceto Portugal e Araraquara. No Reino Unido, Boris Johnson errou grosseiramente no início da pandemia. Na última fase, anunciou colapso na saúde, fechou o país e diminuiu significativamente o número de mortes. O Campeonato Inglês agradece.
O Brasil correrá o sério risco de fazer sua pior campanha em Copas do Mundo, porque a seleção terá de se preparar dentro de condições precárias e numa crise sócio-econômico-sanitária jamais vista no país. O Brasil do baile funk tira nossas máscaras –literalmente.
A Itália campeã de 2006, mesmo sendo a anti-Itália do governo Berlusconi, ganhou a Copa em meio ao caos dos escândalos de manipulação e, depois, entrou numa roda viva com seis primeiros-ministros em 12 anos.
Caiu na fase de grupos duas vezes e ficou fora da Copa pela primeira vez em 60 anos, em 2018. “Quando vencemos, em 2006, o futebol italiano estava muito mal. Agora, a Itália está pior. Por causa da Covid, economia de guerra. Mas Roberto Mancini teve a força de juntar o melhor que sobrou de um campeonato triste, como a Série A”, diz o jornalista italiano Enzo Palladini.
É o que explica a Itália ser a seleção invicta há mais tempo no mundo –24 jogos– mesmo em plena crise de saúde e de identidade. O que pode salvar o Brasil, tanto o da vida, quanto o da bola, é um ditado italiano e que se parece muito com nossa alma: “Sabemos cultivar flores dentro da merda".
DECISÃO
Os clubes de São Paulo voltam a se reunir nesta segunda-feira e discutem se vale a pena ir à Justiça para voltar a jogar. Não vale. Mas o governador deve bater no peito e dizer que ele proíbe, porque a prioridade é a saúde, em vez de usar o Ministério Público como escudo político.
GABIGOL
Separação Igreja/Estado em jornalismo é não misturar contrato comercial com editorial. Sempre dá problema. Gabigol voltou mais cedo, para tentar mudar o assunto e o Flamengo só empatou com o Boavista. Em foco sempre estará seu talento. Mas também sua irresponsabilidade.
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