Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Descrição de chapéu The New York Times

Protesto que jogou sopa em quadro de Van Gogh expõe contradições do ativismo climático

Males do aquecimento global estão aqui e seus custos estão prontos para serem pagos antecipadamente

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The New York Times

Na manhã de sexta-feira (14), duas jovens na National Gallery de Londres se aproximaram do quadro "Girassóis", de Vincent van Gogh, e jogaram sopa de tomate nas flores, antes de se colarem à parede da galeria.

Elas faziam parte de uma organização de protesto climático com um nome esclarecedor: Just Stop Oil (apenas parem com o petróleo). Comemorando o vandalismo, o grupo declarou que a "disrupção é uma resposta à inação do governo tanto na crise do custo de vida quanto na crise climática" e que a ação foi programada para protestar contra "uma nova rodada de licenciamento de petróleo e gás" e "um aumento do preço da energia" que ameaça "quase 8 milhões de lares".

É um erro exigir perfeita coerência de ativistas, mas se você ler o parágrafo anterior com atenção notará certa tensão. Eles protestam tanto contra a expansão do fornecimento de energia, afirmando que combustíveis fósseis estão empurrando o mundo para o apocalipse climático, quanto contra a restrição do fornecimento de energia, alegando que preços altos são cruéis para famílias em dificuldades.

Ativistas do grupo Just Stop Oil coladas à parede da National Gallery após jogar sopa no quadro 'Girassóis', de Van Gogh, em Londres - Divulgação Just Stop Oil - 14.out.22/AFP

A tensão sempre se escondeu sob a superfície do ativismo climático de esquerda, cuja visão muitas vezes imagina sociedades ricas aceitando certa austeridade, um recuo da mentalidade de crescimento do capitalismo, um modo de vida mais simples e ecologicamente saudável —ao mesmo tempo imaginando que de alguma forma isso recairá apenas sobre a classe média alta gananciosa e consumista, enquanto os pobres e a classe trabalhadora vivenciam o futuro pós-capitalista mais acessível, não menos.

Mas na crise energética de 2022 essa tensão não é mais meramente teórica, uma rachadura óbvia que atravessa uma utopia cristalina. Graças à guerra de Vladimir Putin e aos choques que a acompanham, estamos tendo uma versão do mundo do Just Stop Oil: indisponibilidade imediata dos fluxos normais de energia, transições forçadas para combustíveis alternativos, preço do petróleo e do gás mais próximo do que os defensores mais agressivos de impostos sobre energia considerariam apropriado.

Essa realidade tem sido amplamente reconhecida, mas em tom de otimismo, com várias autoridades e especialistas europeus apresentando a crise como uma oportunidade para a energia verde, o impulso de que o continente precisa para se descarbonizar ainda mais. (A colocação de Putin no topo do ranking Green 28 do Politico Europe é exemplo agressivo dessa mentalidade.)

Mas as exigências incomensuráveis dos vândalos de Van Gogh são um guia melhor para a nova realidade do que o otimismo das autoridades sobre o futuro verde. Sim, o mundo fez um grande progresso em energia alternativa, que é uma das razões pelas quais os riscos existenciais das mudanças climáticas diminuíram significativamente nos últimos anos, com os piores cenários se tornando muito menos prováveis que antes.

Esse progresso, entretanto, só foi possível sem um declínio dos padrões de vida devido à contínua extração de petróleo e gás, a base confiável sobre a qual repousam os benefícios mais variáveis do vento e da energia solar. E à medida que líderes ocidentais avançaram na direção de "apenas parar com o petróleo", limitando a perfuração ou a construção de oleodutos, eles tornaram suas sociedades mais vulneráveis exatamente ao tipo de choque que temos agora.

O resultado provavelmente será uma lição objetiva sobre por que "apenas parar com o petróleo" é uma resposta desastrosa ao problema de um mundo em aquecimento. Não só porque, em vez de um futuro ecológico harmonioso, provavelmente teremos uma Europa mais pobre, queimando mais carvão e madeira e sofrendo mais distúrbios populistas. Também porque, quando os preços mais altos da energia recaem fortemente sobre cidadãos de um país rico como o Reino Unido, recaem ainda mais sobre as economias em desenvolvimento.

Se a falta de acesso à energia desestabilizar a política ocidental, em outras palavras, devemos esperar ainda mais desestabilização em nações assoladas pelo apagão, como Bangladesh e Paquistão —que hoje lutam para arcar com o aumento do preço do gás natural.

Essa realidade destila todo o desafio da mitigação das mudanças climáticas. Como os ativistas apontam, os perigos do aumento das temperaturas são distribuídos de forma desigual, com partes do mundo em desenvolvimento enfrentando as ameaças ambientais mais severas.

Mas os perigos de uma desaceleração econômica, uma era de austeridade verde, também são distribuídos de forma desigual —e países africanos e asiáticos têm muito mais a perder, em comparação com economias desenvolvidas, de um futuro mais seguro contra inundações e ondas de calor, mas muito mais pobre do que poderia ser.

Da mesma forma, a Europa, mais estagnada economicamente do que os EUA e mais sobrecarregada pelas restrições de petróleo e gás, tem mais a perder do que os americanos com o mundo mais verde, mais pobre e mais frio que a guerra de Putin introduziu.

Durante muito tempo, aqueles que são indiferentes ao debate sobre mudanças climáticas —aceitando a realidade do aquecimento, mas duvidando das políticas abrangentes propostas em resposta— tiveram que contar com uma pergunta razoável: qual é o mal de um pouco de reação exagerada diante de um risco tão grave a longo prazo?

Em 2022, porém, a resposta é que esses males estão aqui e seus custos estão prontos para serem pagos antecipadamente —por pessoas e países mais pobres, especialmente, mas por todos nós enquanto o movimento Just Stop Oil consegue uma versão de seu desejo.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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