Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Ordem liberal está em crise, mas da Rússia ao Irã iliberalismo ruma à escuridão

Valentia otimista sobre a Guerra da Ucrânia inspirar um renascimento mais amplo não alterou a realidade

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The New York Times

A visão de mundo por trás da invasão da Ucrânia pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, assumiu as seguintes premissas: o Ocidente e os Estados Unidos estão em declínio, decadentes e divididos internamente.

O mundo globalizado está se tornando multipolar, com "Estados-civilizações" ressurgindo e competindo para reivindicar suas esferas de influência. E a Rússia e a China, em particular, representam alternativas poderosas ao liberalismo ocidental, prontas para lutar pelo domínio global.

Por pior que tenha sido a guerra para Putin, algumas dessas análises ainda se sustentam. O mundo de fato respondeu à guerra na Ucrânia em linhas multipolares. O desdém da Arábia Saudita ao apelo do governo Biden para bombear mais petróleo é apenas o exemplo mais recente de como a coalizão antirrussa é essencialmente uma coalizão ocidental, com Índia, China e o mundo árabe desempenhando papéis mais céticos e complexos.

Manifestante com cartaz contra o líder supremo do Irã Ali Khamenei em ato em Berlim - John MacDougall - 7.out.22/AFP

Enquanto isso, a unidade do Ocidente, embora obviamente mais marcante do que Putin esperava, ainda é uma rede tênue lançada sobre vulnerabilidades mais profundas. Não houve um crescimento sustentado pós-Covid-19 nem uma nova era de bons sentimentos.

A onda populista não está retrocedendo; desde que a Guerra da Ucrânia começou, o establishment europeu sofreu decepções políticas e derrotas na Suécia, na Hungria e na Itália. Dois dos governos mais comprometidos com a defesa da Ucrânia, o de Joe Biden nos EUA e o conservador britânico, vão mal nas pesquisas de aprovação. A Europa apenas começa a sentir o custo de suas políticas energéticas ingênuas, e as economias ocidentais estão presas entre medidas que alimentam a inflação e soluções que podem induzir a recessão.

Assim, em aspectos-chave, o mundo ainda se parece com o que Putin imaginou há mais de sete meses, com oportunidades claras para um poderoso desafiante da ordem mundial liberal. Mas hoje sabemos algo que ele não sabia quando ordenou a invasão: a Rússia não é um adversário tão poderoso, e suas alegações de representar uma alternativa ao Ocidente liberal se derreteram na lama ucraniana.

Não é apenas o regime de Putin que mostra sinais de colapso iliberal. Pequim ainda parece muito mais poderosa do que Moscou, mas os primeiros sucessos da China na Covid-19 deram lugar a uma tentativa aparentemente insana de sustentar uma política de Covid zero sem levar em conta o custo para a prosperidade, a tranquilidade doméstica e a influência global.

Ao mesmo tempo, o Irã, cuja república islâmica representa um tipo diferente de rival do liberalismo ocidental, enfrenta uma onda de protestos que, mesmo que não derrubem o regime, são um lembrete de que a Revolução Islâmica é extremamente impopular hoje.

Como o provocador de direita Richard Hanania —geralmente crítico das devoções liberais e da autoestima americana— reconheceu em um ensaio recente, 2022 foi muito bom para o argumento desgastado de Francis Fukuyama de que a democracia liberal não tem concorrentes ideológicos plausíveis. O liberalismo tem muitos inimigos, com certeza, e em relação ao ponto de origem do argumento do "Fim da História" de Fukuyama, de 1989, a ordem liberal está dando claros sinais de decadência interna.

Mas o desejo de alternativas não é suficiente para fazê-las existir; em vez disso, estamos vendo que um sistema mundial pode enfraquecer drasticamente sem que seus rivais estejam prontos para suplantá-lo.

Se a Rússia é o maior e mais feio fracasso, a China é o caso mais interessante. Sempre ficou claro que o putinismo existia em um relacionamento imitativo e paródico com o Ocidente –como uma pseudodemocracia, não um verdadeiro rival com uma fonte de legitimidade diferente. Mas nas últimas décadas a China parecia estar criando algo mais estável e autolegitimado, uma meritocracia de partido único capaz de administrar transições pacíficas de um líder para outro, resistente a cultos de personalidade e capaz de administrar rápido progresso econômico e tecnológico.

Mas a combinação da consolidação do poder pessoal de Xi Jinping com as falhas conspícuas de seu regime (na gestão econômica e na diplomacia do poder brando, não apenas as da Covid zero) sugerem que o sistema da China está voltando a um meio autoritário, que a ideia de meritocracia de partido único desmorona e volta à mera ditadura no momento em que se tem um líder medíocre.

Então, a turbulência na República Islâmica é interessante de uma maneira diferente. Como Shadi Hamid observou em um ensaio provocativo para First Things, os vários movimentos islâmicos do mundo muçulmano anteciparam o mais recente fascínio (e medo) ocidental pela política "pós-liberal", oferecendo tentativas não ocidentais de forjar um sistema político-cultural que pudesse se declarar sucessor do liberalismo secular, não apenas um retorno ao passado.

Assim, sua mistura de fracasso, derrota e, no caso iraniano, corrupção e estagnação, é uma advertência constante para os pensadores ocidentais que tentam imaginar algo depois do liberalismo.

Essas imaginações continuarão porque o liberalismo continua no rumo de um destino infeliz –estéril, fragmentado, estagnado, distópico. Toda a valentia otimista sobre a Guerra da Ucrânia inspirar um renascimento liberal mais amplo não alterou essa realidade.

Mas em Moscou, em Pequim, no Irã, podemos ver outros caminhos disponíveis, e todos descem rapidamente para a escuridão.

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