Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Putin e Bin Salman riem do Ocidente e torcem por republicanos nos EUA

Inflação energética galopante pode ajudar candidatos liderados por Donald Trump nas midterms

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The New York Times

As guerras geram alianças surpreendentes. Hoje temos os Estados Unidos e seus aliados na Otan apoiando os bravos ucranianos que lutam para salvar seu país de ser dilacerado por Vladimir Putin.

E temos Rússia, Arábia Saudita, Irã, Bernie Sanders, a bancada progressista da Câmara e o Partido Republicano inteiro todos trabalhando –intencionalmente ou porque são estúpidos— para assegurar que Putin disponha de mais receita petrolífera do que nunca, com a qual poderão matar ucranianos e congelar os europeus no inverno, até que eles abandonem Kiev.

O primeiro-ministro da Arábia Saudita e príncipe herdeiro, Mohammed Bin Salman, fala com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante reunião dos líderes do G20, em Buenos Aires, Argentina - kevin Lamarque - 30.nov.18/Reuters

Em outro canto escuro, Putin e o governante saudita "de facto", o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, provavelmente também estão torcendo para a inflação energética galopante desencadeada pela invasão russa ajudar republicanos liderados por Donald Trump a recuperar o controle de pelo menos a Câmara nas eleições de novembro.

Isso seria a cereja do bolo para ambos, que encaram Trump como um presidente que ainda prefere o cru negro à energia solar verde e que sabe desviar o olhar quando coisas ruins acontecem com pessoas boas.

Estou sendo cínico demais, você acha? Não, sinto muito. Não se pode ser cínico demais em se tratando desse elenco de brutos, bandidos e idiotas úteis. Basta analisar os fatos.

Na quarta-feira (5), com o mundo já caminhando para uma recessão e com o mercado global de petróleo e gás natural já em situação difícil, o cartel Opep+, que inclui Arábia Saudita e Rússia, decidiu reduzir sua produção em 2 bilhões de barris por dia —para garantir que os preços do petróleo não caiam, mas, em vez disso, voltem a subir para mais de US$ 100 o barril e permaneçam assim.

A redução real na produção provavelmente ficará mais próxima de 1 milhão de barris por dia, isso porque muitos produtores menores da Opep já estão extraindo menos que suas cotas, mas com o mercado na situação em que está ela ainda será sentida. Como observou o Financial Times: ao preço de cerca de US$ 90 o barril hoje, "o cru está bem abaixo dos níveis alcançados logo após a invasão russa da Ucrânia, mas mais alto que em qualquer momento entre 2015 e o início de 2022".

A motivação de Putin para buscar essa alta do preço não é um mistério. Com seu exército na Ucrânia perdendo terreno constantemente –e com ele tendo anexado partes da Ucrânia que ele nem sequer controla--, o russo tem só uma esperança antes de ser forçado a fazer algo realmente insensato: reduzir a oferta de óleo e gás e elevar o preço suficientemente para forçar a União Europeia a abandonar Kiev e Washington e aceitar suas anexações, em troca de um cessar-fogo e uma retomada das exportações energéticas russas. Os sauditas pegaram carona no bonde de Putin.

A estratégia não é maluca nem está necessariamente fadada a falhar, isso porque os países ocidentais passaram duas décadas deixando de pensar a energia estrategicamente. Eles traçaram a meta que buscavam: um mundo que não fosse mais dependente de combustíveis fósseis, no menor prazo possível. Mas não definiram os meios de alcançar essa meta de maneira estável –maximizando sua segurança climática, sua segurança energética e sua segurança econômica simultaneamente.

Em vez disso, fizeram de conta.

Na Europa, e com o encorajamento oculto de Putin, eles fingiram que poderiam abandonar fontes de energia de grande escala e em grande medida livres de emissões —caso da nuclear, como fizeram os alemães— e que poderiam simplesmente saltar diretamente para a eólica intermitente, a solar e outras fontes renováveis, e tudo ficaria lindo e maravilhoso. Uau.

Os alemães se sentiram virtuosos fazendo isso —sem reconhecer que a única razão por que estavam conseguindo alimentar esse sonho ilusório era que Putin lhes estava vendendo gás barato para suprir o que ficara faltando.

Quando Putin acabou com essa farsa, eis o que aconteceu: em 28 de setembro, segundo a Reuters informou de Frankfurt, "o gabinete alemão aprovou dois decretos para prolongar até 31 de março de 2024 a operação de grandes usinas de geração elétrica movidas a antracito [carvão mineral duro] e para reativar a capacidade de linhito [carvão fóssil] até 30 de junho de 2023, para aumentar a oferta".

Nos EUA, fizemos nossa própria versão dessa "sinalização de virtude" verde. Progressistas verdes demonizaram a indústria do petróleo e gás –por bons motivos, em alguns casos— e basicamente a mandaram ir embora e morrer discretamente enquanto nós partíamos para a energia eólica e solar. Banqueiros e investidores entenderam a mensagem e começaram a adiar ou suspender os investimentos em nova produção de gás e óleo, passando em vez disso a concentrar-se em lucrar o máximo possível com os poços existentes.

Nas palavras de uma newsletter do Goldman Sachs em abril: "Quanta produção futura perdemos devido aos atrasos nas decisões de investimento em novos projetos de petróleo e gás? A resposta é 10 milhões de barris por dia de petróleo, o equivalente à produção diária da Arábia Saudita, e 3 milhões de barris por dia de equivalente ao óleo na forma de gás natural liquefeito (GNL), mais que o equivalente à produção diária do Qatar. Se não tivéssemos desde 2014 adiado novas decisões de investimento em óleo e gás, essencialmente poderíamos ter tido uma nova Arábia Saudita e um novo Qatar".

Embora os EUA, diferentemente da Europa, ainda consiga teoricamente suprir a maior parte da própria necessidade de óleo e gás hoje, não temos o suficiente para exportar na escala que seria necessária para compensar pelas reduções efetuadas por Putin e pela Opep+ e para facilitar a transição da Europa para um futuro descarbonizado.

Mas os progressistas verdes nunca receberam essa mensagem. Numa audiência de um comitê da Câmara duas semanas atrás, a deputada Rashida Tlaib perguntou se o CEO do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, e outros executivos de bancos presentes à audiência tinham políticas "contra o financiamento de novos produtos de óleo e gás". Dimon respondeu: "De maneira alguma, e isso seria o caminho para o inferno para os Estados Unidos".

Tlaib então disse que quaisquer estudantes que tivessem empréstimos estudantis e contas bancárias no JPMorgan deveriam fazer uma retaliação, fechando suas contas. Não tenha dúvida: Putin deve ter adorado esse tipo de discurso moralista infantiloide. Mas ele está longe de ser tão prejudicial quanto os senadores republicanos que durante anos foram inspirados pelas mentiras da ExxonMobile de que a mudança climática é uma farsa e que usaram esse argumento para bloquear nossa transição para a energia limpa. Mesmo assim, Tlaib deve ter deixado Putin feliz.

O que animou Putin ainda mais foi quando ele viu Bernie Sanders, democratas progressistas na Câmara e o Partido Republicano inteiro unindo forças na semana passada para rejeitar um projeto de lei apoiado pelo presidente Joe Biden e a liderança democrata para enxugar o processo de autorização de projetos energéticos domésticos, especialmente a autorização de gasodutos e de linhas de transmissão de energia eólica e solar –um dos nossos maiores obstáculos a uma transição estável para a energia verde.

É difícil saber quem é pior: os progressistas que não entendem até que ponto a energia solar e a eólica exigem uma autorização mais rápida para sua transmissão, para possibilitar a passagem segura para a energia limpa, ou os republicanos, que sabiam que as empresas de óleo e gás precisam de autorização mais rápida para gasodutos para poderem aumentar sua produção de gás, mas que rejeitaram a medida para impedir Biden de ter outra vitória.

Como disse Joe Manchin, democrata favorável aos combustíveis fósseis que defendeu o projeto de lei: "O que eu não esperava era que Mitch McConnell e meus amigos republicanos se aliassem a Bernie ou tentassem alcançar o mesmo resultado, não aprovando reformas para autorizar os gasodutos".

Tudo contabilizado, Putin teve um mês ruim na Ucrânia, mas um mês bom no Congresso americano.

Não é complicado, pessoal: vocês querem marcar um ponto ou fazer diferença? Se queremos fazer diferença, precisamos maximizar nossa segurança energética, segurança nacional e segurança econômica, tudo ao mesmo tempo. O único jeito de fazê-lo efetivamente é incentivar nosso mercado a produzir uma oferta estável e segura de energia, com as emissões mais baixas possíveis e aos custos mais baixos possíveis, no menor prazo possível.

A única maneira realmente efetiva de conseguir isso é com um sinal de preço forte –ou impondo taxas sobre emissões ou oferecendo incentivos para energia limpa--, além da elevação constante dos padrões de energia limpa na geração energética, na linha do que recomendam Hal Harvey e Justin Gillis em seu novo livro "The Big Fix: Seven Practical Steps to Save Our Planet".

Enquanto não estivermos preparados para fazer isso, estaremos apenas fingindo, fazendo sinalização de virtude direcionada à esquerda e à direita –e Putin e MbS estarão lucrando e gargalhando.

Tradução de Clara Allain

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