Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Queda de Putin pode ser o cenário menos sujo para fim da Guerra da Ucrânia

Negociações esbarram em desejos de líderes mundiais: Zelenski quer vitória, Europa, paz e russo, consagração

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The New York Times

A semana passada foi interessante para estar na Europa conversando com especialistas em segurança nacional, autoridades e executivos de empresas sobre a Ucrânia. Kiev e aliados haviam acabado de forçar os invasores russos a uma retirada caótica de um grande trecho de território, enquanto os líderes de China e Índia pareciam deixar claro ao russo Vladimir Putin que a inflação de alimentos e energia que sua guerra estimulou estava prejudicando seus 2,7 bilhões de habitantes.

Além disso, uma das estrelas pop da Rússia disse a 3,4 milhões de seguidores no Instagram que a guerra estava "transformando o país em pária e piorando a vida dos cidadãos".

Vladimir Putin, participa de evento em Veliki Novgorod, na Rússia
Vladimir Putin, participa de evento em Veliki Novgorod, na Rússia - Gavriil Grigorov -21.set.22/Sputnik via Reuters

Em suma, foi a pior semana para Putin desde que ele invadiu a Ucrânia –sem sabedoria, justiça, misericórdia ou um Plano B.

Poderia ser que eu estivesse andando com as pessoas erradas, mas detectei certa subcorrente de nervosismo em muitas das conversas que tive com aliados europeus da Ucrânia.

Aprendi há muito tempo, como correspondente, que às vezes a notícia está no barulho e às vezes no silêncio. E minha interpretação do que não estava sendo dito foi: sim, é ótimo que a Ucrânia esteja empurrando os russos, mas você pode me responder à pergunta que paira no ar desde que os combates começaram: como essa guerra terminará com um resultado estável?

Ainda não sabemos. Ao sondar essa questão, discerni três resultados possíveis, todos com efeitos colaterais complexos e imprevisíveis:

1) Uma vitória total ucraniana, com o risco de Putin cometer alguma loucura quando a derrota e a humilhação o encararem; 2) Um acordo sujo com Putin que garanta um cessar-fogo e interrompa a destruição, arriscando, porém, a união do Ocidente e enfurecendo os ucranianos; 3) Um acordo menos sujo: voltamos às linhas onde todos estávamos antes da invasão de Putin. A Ucrânia pode estar disposta a aceitar isso, e talvez até os russos estejam, mas Putin teria de ser deposto primeiro, porque nunca aceitaria a inegável implicação de que sua guerra foi completamente inútil.

A variação entre esses resultados é profunda, e poucas pessoas não serão afetadas pelo rumo que seguirá. Você pode não estar interessado na guerra, mas ela estará interessada em você, em seus preços de energia e alimentos e em sua humanidade, como até os "neutros" —China e Índia— descobriram.

Primeiro cenário

Ninguém espera que o Exército ucraniano seja capaz de seguir imediatamente seus ganhos militares substanciais recentes simplesmente empurrando o resto do russo de volta. Mas pela primeira vez pude ouvir as pessoas perguntando: "E se as forças de Moscou realmente entrarem em colapso?"

Certamente um bom número de soldados russos, pensando que venceriam e ficariam para sempre, agora estão se fazendo a pergunta de John Kerry sobre a Guerra do Vietnã: "Como você pede a um homem que seja o último a morrer por um erro?"

Todos agora podem ver a grande mentira que foi a guerra. Todo mundo ouve histórias de que alguns reforços que Putin está enviando são condenados que trocaram sua saída da prisão concordando em lutar na Ucrânia durante seis meses. Muitos outros são mercenários de lugares distantes como a Síria.

Espere um minuto. Se a Ucrânia realmente se tornou, como Putin afirmou, um Estado liderado por "nazistas" e a ponta de lança de um plano da Otan, como Putin pôde não pedir ao povo russo que se mobilizasse? Se a causa era tão justa e a guerra tão necessária, por que teve que pagar a criminosos e mercenários para lutar e esperar que as classes médias de Moscou e São Petersburgo simplesmente calassem a boca?

Todo soldado deve estar pensando: "Eu fico ou corro? Quem vai me proteger se o front cair?" Tal aliança é altamente vulnerável ao colapso em cascata –primeiro devagar e depois rapidamente.

Atenção. Putin já mencionou várias vezes que está disposto a contemplar o uso de uma arma nuclear se a Ucrânia e aliados começarem a derrotar suas forças e ele estiver diante da total humilhação. Espero que a CIA tenha um plano secreto para interromper a cadeia de comando de modo que ninguém aperte o botão.

Segundo cenário

Não consigo imaginar o ucraniano Volodimir Zelenski aceitando um cessar-fogo ou algo próximo disso agora, com suas forças tendo tanto impulso. Mas tenha esse resultado em mente conforme o inverno se aproxima e a recusa de Putin a vender gás para a Europa eleva preços de tal modo que força fábricas a fechar e pobres a escolher entre aquecimento ou alimentação.

Mesmo que isso signifique que os ganhos de Putin fiquem muito aquém de seus objetivos, ele pode estar interessado em aproveitar esse resultado, para ter pelo menos alguma coisa a mostrar por todas as suas perdas, evitando a humilhação total.

Muitos líderes europeus aceitariam esse acordo, mesmo que não o digam. Aqui está como um estadista aposentado, sob condição de não ser identificado, explicou em um seminário de que participei. O objetivo da Ucrânia é vencer; o da União Europeia é ter paz, e se ela tiver um preço, alguns líderes estariam dispostos a pagar; para os EUA, por outro lado, não é a pior coisa manter a guerra para enfraquecer a Rússia e garantir que ela não tenha energia para outras aventuras.

Para esse estadista, a UE está mais unida do que antes. No entanto, nos próximos meses as coisas ficarão difíceis. Haverá uma grande divisão —e os objetivos se tornarão cada vez mais diferentes.

Mesmo que as declarações públicas sejam as mesmas, a UE está dividida sobre como lidar com a guerra. Não sobre se Putin está certo ou se é uma ameaça, mas sobre como tratar toda a situação, especialmente onde surgirem reações populistas sob o estresse deste inverno.

Alguns líderes começarão a perguntar se existe uma saída por meio de negociações. É claro, alguns, como os dos países bálticos, apoiarão 100% Zelenski, mas outros não se importarão com o congelamento de Donetsk ou Lugansk, concluiu o estadista.

Como me disse Michael Mandelbaum, autor de "The Four Ages of American Foreign Policy", Putin pode sentir o cheiro disso e decidir que sua melhor jogada para salvar um pingo de dignidade e expor as divisões na UE é anunciar que está pronto para negociar um cessar-fogo e que retomaria as remessas de gás para a Europa por meio de acordo. Mas isso exigiria fornecer a Zelenski garantias de segurança permanentes e obrigatórias —talvez a adesão plena à Otan.

Esse resultado é sujo porque significaria que Putin se safou tanto de assassinato quanto de furto, mostrando que ele pode mudar as fronteiras da Europa à força. Mas você está enganado se acha que alguns europeus e parlamentares republicanos do Make America Great Again de Donald Trump não o agarrariam se a guerra se estendesse.

Eu também não descartaria um 2-B, em que Putin se dobraria para levar para casa unilateralmente pelo menos um pedaço da Ucrânia, tentando causar mais danos a cidades que não controla e fazendo com que seu Parlamento fantoche aprove uma legislação para permitir que quatro regiões ocupadas pela Rússia realizem "referendos" sobre a anexação.

Os movimentos desta semana parecem ter dois objetivos: conter o pânico nessas regiões entre ucranianos pró-Rússia e sinalizar para Kiev, EUA e UE que a Rússia ainda pode destruir o país vizinho.

Terceiro cenário

Este é um acordo menos sujo, mas com a população russa, não com Putin. Nesse cenário, a Otan e os ucranianos propõem um cessar-fogo com base nas linhas de 24 de fevereiro. A Ucrânia é poupada de mais destruição, e o princípio da inadmissibilidade de mudar as fronteiras pela força é mantido. Mas Putin teria que admitir: "Sofremos 70 mil baixas, perdemos milhares de tanques e sofremos terríveis sanções —e não consegui nada".

Claro, é impossível imaginá-lo dizendo isso. Mas tal acordo pode ser do interesse da população russa. Então, até onde posso imaginar, Putin provavelmente teria que ser deposto por protestos em massa ou por um golpe palaciano. A culpa pela guerra poderia ser atribuída a ele, e a Rússia poderia prometer ser um bom vizinho novamente se o Ocidente suspendesse sanções.

Zelenski teria que desistir do sonho de recuperar as áreas tomadas em 2014, mas a Ucrânia poderia começar a se curar e retomar o processo de adesão à UE e talvez à Otan.

Essa sempre foi a guerra de Putin. Nunca foi a guerra popular russa. E a população está errada se até agora pode pensar que não pagou um alto preço por ficar calada.

Quando todos os supostos massacres perpetrados pelos russos forem documentados, o povo russo não poderá escapar do que foi feito por Putin em seu nome e contra seu nome. Quando os combates cessarem e o mundo exigir que as reservas estrangeiras da Rússia congeladas nos bancos ocidentais (US$ 300 bilhões) sejam enviadas à Ucrânia para reconstruir hospitais, pontes e escolas, a população russa começará a entender que a guerra não era grátis.

Quando documentaristas reunirem todos os depoimentos de ucranianas que dizem ter sido estupradas por soldados russos, nenhum cidadão russo poderá viajar sem sentir vergonha por muito tempo.

Não sou ingênuo. Se Putin fosse de alguma forma substituído por Alexei Navalni, um cessar-fogo com a Ucrânia ainda poderia ser difícil de negociar ou manter. Além disso, leis repressivas, a polícia secreta impiedosa, a falta de líderes e o medo legítimo de que Putin faria com seu povo o que está fazendo com os ucranianos argumentam contra sua expulsão.

Também estou ciente de que ele pode ser substituído por alguém pior, de sua direita ultranacionalista que afirma que Putin não lutou o suficiente ou foi sabotado por seus generais. Ou por um vácuo de poder e desordem —em um país com milhares de ogivas nucleares.

Mas considere esse exemplo extraordinário de protesto, relatado no fim de semana pelo Times: "Alla Pugatcheva, estrela pop que define a Rússia, declarou sua oposição à invasão da Ucrânia [...] escrevendo em um post no Instagram, onde tem 3,4 milhões de seguidores, que os russos estavam morrendo na Ucrânia por 'objetivos ilusórios'".

Tudo isso ajuda a explicar a subcorrente que detectei na Europa, a sensação de que essa guerra pode terminar de muitas maneiras —algumas melhores, outras piores, nenhuma fácil. E isso mesmo sem o "quarto cenário", algo que ninguém pode prever.

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