Área de preservação pode ser linda, mas precisa ser produtiva, defende empresário

Sítio criado por Douglas Bello para recuperar local degradado vende frutas raras para se financiar

Flávia G. Pinho
Paraibuna (SP)

Circular pelos dez hectares do Sítio do Bello, em Paraibuna (SP), no Vale do Paraíba, é quase como passear pela floresta virgem.

As trilhas estreitas cobertas de folhas se escondem sob árvores frondosas. Há troncos robustos e altos, entremeados por trepadeiras, arbustos e plantas de médio porte, boa parte delas carregada de frutas. Acima das copas, uma passarinhada sem fim se encarrega da trilha sonora.

Diante da exuberância, fica difícil imaginar que, duas décadas atrás, tudo ali era mato. Em 1998, quando o químico Douglas Bello adquiriu a propriedade e a batizou de Sítio do Bello, o cenário era desolador. Sugada ao máximo durante o ciclo do café, que teve seu apogeu entre o fim do século 18 e o começo do 19, a terra já não dava mais nada além de capim para pasto.

Todos os vizinhos enfrentavam a mesma escassez de verde. Pudera: na primeira análise de solo que encomendou, Bello viu que todos os índices eram próximos do zero.

Vinte anos depois, ele comanda uma propriedade referência em reflorestamento. Mas o sítio está longe de ser um parque ecológico só para se admirar. Está mais para um pomar gigante, onde 6.000 pés produzem até 30 toneladas de frutas por ano.

As espécies que pendem das árvores têm nomes fora do comum. Entre as mais de 60 espécies, todas nativas da mata atlântica, há uvaias, frutas-de-lobo, jaracatiás, cambucis e grumixamas.

"Foi a solução que encontrei para recuperar a vegetação nativa e, ao mesmo tempo, ter uma propriedade que se financiasse. Áreas de preservação ambiental não precisam ser como parques ecológicos, lindos de ver e improdutivos", defende.

O reflorestamento começou com a correção do solo e o plantio de um lote inicial de 4.000 mudas, que proliferaram com rapidez —Bello adotou o sistema de plantio agroflorestal, no qual diversas espécies de plantas são cultivadas juntas em um mesmo terreno.

Assim, à vontade em seu habitat natural, dispensam o uso de defensivos agrícolas e adubos químicos --embora o sítio não tenha certificação, a produção segue preceitos da agricultura orgânica.

Segundo Bello, o retorno da fauna silvestre é o melhor indício de que a terra se recuperou do jeito certo. Tatus, lebres, capivaras e tucanos voltaram a povoar o sítio.

Embora suas frutas sejam desconhecidas de uma boa parcela do público paulista, o sitiante não teve dificuldade para encontrar mercado para elas: chefs de cozinha elogiam o potencial gastronômico de algumas raridades.

Os araçás têm gosto que lembra o da goiaba, com um tantinho mais de acidez. A gabiroba é uma delícia com sua polpa suculenta e azedinha. Sem falar na feijoa, no sapoti, no cambuci, na cagaita, na cabeludinha, na cereja-do-rio-grande...

As frutas nativas da mata atlântica têm em comum o sabor intenso e a acidez quase sempre bem elevada, ou seja, costumam ser excelentes para a produção de sucos e sorvetes. Mas podem ir muito além nas mãos dos profissionais, frequentando também pratos salgados.

Clientes como os chefs Alex Atala, dos restaurantes D.O.M. e Dalva e Dito, Bel Coelho, do Clandestino, e Rodrigo Oliveira, do Mocotó, recebem as frutas dali até duas vezes por semana. Chegam frescas somente quando estão na época —no restante do ano, Bello as entrega congeladas ou na forma de polpa. E não faltam pedidos.

"Já vendo 100% da minha produção e, para dar conta de toda a demanda, compro mais 30 toneladas de sitiantes vizinhos que também começaram a plantá-las", relata o empresário.

As frutas de Bello podem ser encontradas em casas especializadas de São Paulo e pelo site. Mas ainda falta, na opinião do agricultor, fazer com que as espécies nativas se tornem mais populares e cheguem às feiras e supermercados em larga escala.

Uma das estratégias é abrir o sítio aos turistas. As visitas guiadas começam com um passeio pelo pomar, durante o qual é permitido colher fruta do pé, e terminam com degustação de frutas in natura e sucos preparados na hora.

Os agendamentos são feitos pela ONG Instituto H&H Fauser (ihhf.org.br ou tel. 12/ 3974-7135).


Sabores locais

Araçá: da família da goiaba, é mais ácida e saborosa

Bacuri: bastante aromática, fruta de polpa macia serve de recheio para bombons

Biribá: de sabor adocicado e suave, menos doce que a atemoia

Uvaia: remete ao maracujá e à manga

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