Réplica: será que vizinhos da Casa do Porco preferem imóveis degradados?

Crítico questiona texto que tachou estabelecimentos no centro como higienistas

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Fachada da Casa do Porco, na Repúbica - Gabriel Cabral/Folhapress

Nos meus anos na Faculdade de Arquitetura da USP, fascinava-me o potencial humanista de planos arquitetônicos e urbanísticos, mas não engoli que um projeto pudesse, sozinho, resolver problemas sociais sem soluções políticas.

Tampouco caía no simplismo oposto, de achar que um projeto pudesse ser a causa das mazelas sociais, como faz o texto de opinião “Vitrine obscena, ponto se firmou no centro de SP embrulhado em marketing”, publicado na Folha por Francesco Perrotta-Bosch no dia 26 de junho. 

Ele tenta demonstrar que, além de não contribuir para a melhoria da região central, a Casa do Porco, com a perversidade de sua arquitetura e de seus motivos, cruelmente a piora. Puxa, então a arquitetura tem mais poder do que eu imaginava na ingenuidade dos bancos escolares. 

O artigo cita ainda Z Deli, Orfeu e Tokyo e quase os criminaliza como se fossem um exército higienista e hipócrita, que expulsa impiedosamente os miseráveis de rua e inferniza os moradores ao redor.

 

Sobre a Casa do Porco, relata, com estranha nostalgia, como antes uma esquina era ocupada por “um mercadinho mambembe e, sob sua marquise, dormiam mais de uma dezena de moradores de rua”. 

E agora, veja só, tem ali um bar que restaurou o imóvel, atrai pessoas que voltam a encontrar no centro uma alternativa de lazer e ainda recebe (talvez ele não saiba) travestis, prostitutas e outros velhos frequentadores da área.

Bom samaritano, o comentarista se condói da malvadeza que é exibir nas vitrines comida para gente que mal tem o que comer. Não percebeu que numa cidade onde tanta gente come produtos sem higiene, essa transparência é bem-vinda.

O texto pranteia as centenas de moradores do entorno, agora com menos espaço para caminhar devido às mesinhas que o autor admite que existam em Paris, mas não em nossas calçadas acanhadas. Esquece que a lei as permite, desde que com recuos para a circulação de pedestres, como ocorre neste caso.

Na boa, será mesmo que os moradores preferem ser vizinhos de imóveis degradados fisicamente e estão revoltados por esbarrar em concidadãos que buscam lazer numa região negligenciada pelo poder público?

E, por saber que sem ter de ir a zonas chiques nem desembolsar fortunas, agora podem comer sem gastar tanto pratos de alta qualidade ou, da rua mesmo, pedir para viagem, por R$ 18, um sanduíche feito por um dos melhores restaurantes do mundo?

Pela lógica do artigo, a ordem natural das coisas seria esses cruéis proprietários ficarem nos Jardins, com suas ruas mais limpas e seguras, no lugar de incomodar a pacata miséria em que o poder público transforma o centro.

Ações individuais não resolvem o problema da degradação urbana e humana. Mas podem ser muito meritórias, não apenas vaidoso marketing. E ainda ajudam a melhorar a vida de muita gente. 

Fora isso, para resolver mesmo, há de se lembrar (e o comentarista esquece) que, no lugar de condenar essas poucas iniciativas, melhor seria cobrar nossos magnatas e seus governantes que incansavelmente açoitam a cidade.

Josimar Melo é crítico de gastronomia da Folha

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