Gringos presos pela pandemia abrem restaurantes em Moema

Portenho abriu a Casa Manzano, enquanto morador da África do Sul inaugurou a Barcelos

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São Paulo

Retomando, cautelosamente, a busca por novos restaurantes, deparo-me no bairro de Moema com duas casas separadas por poucos quarteirões, diferentes no tamanho, na proposta, na comida, mas com um curioso ponto em comum: pertencem a dois estrangeiros encarcerados em seus restaurantes pela Covid-19. Cárcere aliviado pelas mulheres brasileiras que também prendem a atenção deles por aqui.

A Casa Manzano é misto de pequeno restaurante italiano com pinta de bistrô e sotaque argentino, dado pelo proprietário Mariano Manzano, um portenho de 64 anos que já vivia no Brasil, mas dedicado a sua editora de revistas customizadas, tornada inativa com a pandemia.

O Barcelos também é diferente, uma frangaria em nada parecida com as galeterias brasileiras: seus frangos na brasa têm temperos marcantes, fruto de marinadas e molhos que lembram sabores picantes dos países africanos de colonização portuguesa.

Foram trazidos por Konstantino Mazzis, 64, empresário de múltiplas origens: filho de gregos recém-chegados ao Brasil, ele nasceu no Rio de Janeiro mas deixou o país aos oito anos, rumando para a África do Sul, onde vive. Só retornaria ao Brasil 52 anos depois, em 2017, com planos de abrir uma filial de sua rede de frangos grelhados.

À frente de uma mesa cheia, os dois proprietários de restaurante sorriem para a câmera
O filho de gregos Konstantino Mazzis e o argentino Mariano Manzano no restaurante Barcelos - Lucas Seixas/Folhapress

A pedido da reportagem, ambos se encontraram para um almoço, primeiro atiçando o paladar com empanadas na Casa Manzano; depois atacando o frango da Barcelos (nos dois casos, usando as mãos). Ali contaram suas histórias.

Manzano já morava por aqui. Desde 2001, dividia-se entre Buenos Aires e um flat em São Paulo —até conhecer uma brasileira e casar no ano passado.

Ele já tivera dois restaurantes —na Argentina e no Uruguai— entre 1996 e 1998. “No ano passado, comecei a planejar um pequeno bistrô para, quem sabe, me ocupar no futuro, como uma aposentadoria”, diz ele.

“Mas com a pandemia, o plano B de vida virou plano AAA+A”, brinca, referindo-se à casa que abriu em setembro, em pleno vendaval.

No caso de Konstantino, dono da rede de frangarias fundada em 1994, com 148 casas em 19 países, o plano era abrir uma filial aqui, mas seguir dirigindo de Pretória, onde vive. “Antes eu tinha bar, hamburgueria, cada um de um jeito, até perceber que era mais simples ter um restaurante só, cujo formato pudesse ser replicado”, explica.

Após algumas vindas ao Brasil, decidiu abrir a Barcelos em Moema, com sócios locais. Verdade que também conheceu uma brasileira pela internet, que encontrou pessoalmente no Brasil, e hoje é sua noiva.

Em março deste ano, veio para passar o Carnaval com ela. Ficou preso aqui desde então. O restaurante abriu em julho, primeiro com delivery.

Para os brasileiros, ver os dois gringos forçados a se dedicar a seus restaurantes tem sido lucro.

Prato com duas empanadas assadas
As empanadas da Casa Manzano - Lucas Seixas/Folhapress

A Casa Manzano tem sua originalidade ao combinar pratos italianos (burrata com tomatinhos doces e pesto; gnocchi de batata, molho de tomate e crocante de alho) com toques argentinos: as empanadas (a tradicional, de carne; a humita, de milho) têm massa delicada e recheios fartos e saborosos, e não poderia faltar o bife de chorizo (mas com risoto...).

“Temos que dar um toque brasileiro: as empanadas vêm acompanhadas de molho de pimenta, à parte, e uma saladinha, coisas que jamais acontecem na Argentina”, diz ele —sem falar da trilha sonora de bossa-nova no ambiente.

Já a Barcelos —cuja marca é um galo, símbolo da cidade portuguesa homônima— trouxe um sabor condimentado a São Paulo. “O frango é uma carne barata e popular na África do Sul”, diz Konstantino.

“Esse sabor condimentado é típico de Moçambique, e foi levado para lá pelos portugueses, que usavam sua pimenta peri-peri. Eu introduzi na África do Sul e fez sucesso.”

Prato com asinhas de frango rodeando um pote de pimenta
As asinhas marinadas do Barcelos - Lucas Seixas/Folhapress

“O segredo é a marinada: o frango fica embebido pelo tempero que eu desenvolvi, dentro de uma máquina a vácuo que expande os poros da carne.”

Um processo eficiente: além de introduzir o sabor, também torna o frango mais suculento —ele não resseca quando vai para a grelha, como se constata nas asinhas servidas de entrada, ou na espetada de sobrecoxas (um vistoso espeto servido suspenso).

Todos os molhos, sem pimenta ou com graus diferentes de picância, são preparados na África do Sul, de onde são distribuídos para todas as filiais do mundo.

Kosta está em busca de um voo para casa, provavelmente fazendo escalas em piruetas pelo mundo. Mas mesmo quando conseguir viajar, o Barcelos fica.

A Casa Manzano terá o mesmo destino: além dos planos de retomar sua editora, o proprietário acaba de ter um filho brasileiro, e daqui não sairá tão cedo.

Casa Manzano - r. Graúna, 189, Moema. Ter. a sex.: 10h30 às 22h; sáb.: 8h30 às 22h; dom.: 8h30 às 17h

Barcelos - r. Canário, 544, Moema. Ter. a sáb.: 11h30 às 15h30 (16h30 no sáb.) e 18h30 às 22h; dom.: 11h30 às 17h30

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