Comer formigas e outros insetos já é possível no Brasil, e chefs buscam popularizar o consumo

Startup de alimentos à base de grilos produz cerca de 200 kg mensais de animais

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Prato com formiga saúva do restaurante Metzi, em São Paulo Divulgação

Katherina Cordás
São Paulo

Embora seja uma ideia que ainda revire estômagos, o consumo de insetos deve constituir parte importante da alimentação humana no futuro. E não é de hoje que se arrisca botar formigas e larvas no prato: este nutritivo alimento é consumido há milhares de anos e já faz parte da dieta de bilhões de pessoas.

Se comer insetos pode parecer coisa ou de gente destemida, ou só de restaurantes chiques, vale a informação de que a farofa de içá, feita à base da rainha das formigas saúvas, é parte tradicional da cultura gastronômica do Vale do Paraíba, por exemplo.

Batata doce defumada com alho poró assado, queijo tulha, macadâmias, bottarga defumada e formiga saúva no AE! Cozinha - Thiago Martini/Divulgação

Em São José do Barreiro, o Rancho Gastronomia e Cultura tem como prato icônico da casa uma farofa feita com o abdômen desses insetos, também conhecidos como tanajuras.

Batizadas de "o caviar da gente caipira" pelo escritor Monteiro Lobato, as içás são coletadas durante as primeiras trovoadas da primavera, e preparadas em seguida com farinha.

Em São Paulo também é possível comer insetos em restaurantes de cozinha de autor. No D.O.M, do estrelado chef Alex Atala, as formigas saúvas, que têm sabor que lembra o do capim limão, são servidas há mais de uma década em diferentes versões.

No AE! Cozinha, os chefs Ygor Lopes e Walkyria Fagundes também oferecem a iguaria em uma entrada de batata doce tostada, fonduta de requeijão de corte, macadâmias e... formigas.

Mas, muito antes de serem descobertas pelos chefs paulistanos, as formigas saúvas já eram apreciadas por povos indígenas em diversos locais do país. Na Amazônia, eram usadas como especiarias, para temperar assados e como ingrediente chave do famoso tucupi preto.

E nem só de formigas vive o mercado brasileiro. Criada em 2018, a startup Hakkuna desenvolve alimentos e suplementos naturais à base de grilos. Segundo Luiz Filipe Carvalho, um dos fundadores da marca, existem poucos criadores de insetos com fins alimentícios no Brasil.

"Percebemos que o acesso à matéria-prima no Brasil é escasso. Existem muito poucos criadores e as criações são muito pulverizadas. Foi assim que, com apoio da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] em parceria com a Esalq [Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz], desenvolvemos a tecnologia de criação dos insetos em condições controladas e específicas para fins alimentícios", conta.

Hoje, eles produzem cerca de 200 kg mensais de grilos vivos que viram farinha ou são desidratados, saborizados e comidos como snacks.

No restaurante mexicano Metzi, em Pinheiros, os chefs Eduardo Ortiz e Luana Sabino já serviram diferentes insetos de variadas formas. Ortiz alerta, no entanto, que em seu país de origem o consumo de insetos tem diminuído e encarecido.

"Hoje no México estamos tentando preservar o consumo de insetos. O principal problema é que não existe um sistema de produção, mas, sim, um sistema de coleta, o que torna o produto muito caro", explica.

"Além disso, cada vez mais as pessoas têm repulsa perante esses animais, embora a maioria deles tenha mais ferro do que, por exemplo, a carne bovina."

Tempurá de siri-mole com fubá de milho crioulo e mole de formiga saúva do Metzi - Divulgação

Em Uganda, a coleta de insetos também é comum e se constitui fonte de renda importante para a população local. O documentário de curta-metragem inglês "Nsenene", da diretora Michelle Coomber, disponível no Vimeo, conta mais sobre a tradição da caça a gafanhotos no país africano, consumidos normalmente fritos com cebola e pimentas.

Capturados por meio de luzes brilhantes, que atraem enxames dos animais, eles são embriagados com uma forte fumaça, caindo, assim, sobre chapas de meta l. Dali seguem direto para o preparo.

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Cena do documentário 'Nsenene', de Michelle Coomber - Reprodução

Há registros de pesquisas acadêmicas que incentivam a antropoentomofagia —ou a prática humana de se alimentar de insetos e seus produtos. Até porque, se comparada ao gado, a maioria das espécies de insetos requer menos consumo de recursos naturais.

Por esse motivo, insetos tornaram-se tópicos importantes em discussões sobre sustentabilidade alimentar. Para a nutricionista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-Fmusp), Adriana Kachani, em um futuro não muito distante a população aderirá, cada vez mais, ao consumo de insetos.

"As novas gerações exigem uma alimentação mais sustentável, que a produção de insetos proporciona. Além disso, insetos fornecem uma carga proteica elevada a baixos custos", completa.

Os benefícios dos insetos na alimentação humana, explica a médica, também se estendem ao campo da prebiotica, já que o esqueleto dos animais é feito de quitina, cujas fibras alimentam as bactérias benéficas que vivem no intestino humano.

Mas apesar dos grandes benefícios dessa iguaria, Adriana faz uma importante advertência: "Mesmo com um grande potencial de tornarem-se uma "superfood", temos que ter cautela com o consumo de insetos. Como outros invertebrados, a casca dos insetos pode causar alergias", diz.

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