Atire a primeira semente de romã quem nunca fez uma mandinga para garantir sorte e prosperidade no Ano-Novo. Da roupa branca às sete ondas, são muitas as superstições que a gente ama reproduzir nessa época —e boa parte delas, ainda bem, está à mesa.

Comer carne de ave, que cisca para trás, é atraso de vida na certa. Melhor porco ou peixe, que se movimentam para frente e inspiram progresso. Lentilha tem formato de moeda e traz fortuna. Comer 12 uvas é garantia de fartura ao longo de todo o calendário.

Base científica? Não carece. O assunto aqui é pura questão de fé e não depende de credo, nível de escolaridade ou poder aquisitivo. A espécie humana sempre teve uma quedinha pelo sobrenatural, o que tem sua razão de ser, como explica o psicólogo norte-americano Stuart Vyse.

Especialista nesses comportamentos nada racionais e autor de vários livros sobre o tema, Vyse explica que os rituais mágicos são o jeito que encontramos para lidar com o lado imprevisível da vida. Eles dão uma certa sensação de controle, por mais que, racionalmente, saibamos que não fazem lá muito sentido.

"Nossa compreensão do mundo natural nos diz que esses sinais e gestos não podem afetar os eventos aos quais são direcionados, mas a superstição é extremamente comum, se não universal", diz o autor em "Believing In Magic – The Psychology of Superstition (Acreditando Em Magia – A Psicologia da Superstição, sem edição no Brasil), publicado pela Oxford University, em 1997.

Herdamos nossas superstições de diferentes culturas. Da Itália vem a crença de que lentilhas chamam abundância, enquanto a simbologia das sementes de romã tem origem nos rituais do Rosh Hashaná, o Ano-Novo judaico.

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São vários os alimentos que compõem essa refeição festiva, cada um com seu significado. Só que os judeus não as encaram como superstições, já que a Torá condena esse tipo de comportamento —a ideia é que, ao ingerir tais alimentos, possamos refletir sobre nossos propósitos para o novo ciclo e direcionar o pensamento de forma positiva.

Do Rosh Hashaná tomamos emprestado o ritual de ingerir sementes de romã. "Uma romã tem mais de 600 sementes, número parecido com o de mandamentos, que são 613. No ritual, recitamos ‘que nossos méritos sejam tão numerosos quanto as sementes dessa romã’", explica Breno Lerner, pesquisador de história da gastronomia judaica.

Também fazem parte da refeição judaica o peixe, que nunca fecha os olhos, nada para a frente e se multiplica com facilidade, e o mel, que simboliza um Ano-Novo doce e de perdão coletivo.

"Na segunda noite, comemos uma fruta nova, que ainda não comemos na estação. Esse costume deu origem à roupa nova, que derivou até para a roupa íntima", emenda Lerner.

Está, portanto, aberta a temporada das mandingas, simpatias e feitiços alimentares. Para quem crê ou não em bruxas, 2023 está logo ali e não custa dar uma forcinha para a sorte —melhor ainda se for com receitas de chef e drinque assinado.

Salada de lentilha com crudo de peixe e vinagrete de romã

Renato Carioni, chef do restaurante Così

"Minha mãe sempre foi muito supersticiosa com relação às comidas do Réveillon. Comer ave era proibido. A carne era sempre suína, acompanhada por lentilhas. Foi para ela que criei essa receita. No brinde, à meia-noite, colocamos 12 sementes de romã na taça de espumante, uma para cada mês do ano", lembra o chef.

Rendimento: 4 porções

INGREDIENTES PARA A SALADA

400 g de lentilha cozida

½ cebola-roxa picadinha

2 tomates sem pele e sem sementes picados

½ xícara de salsinha picada

½ xícara de cebolinha verde picada

Sal e pimenta-do-reino a gosto

INGREDIENTES PARA O VINAGRETE

1 xícara de azeite

Suco e raspas de 1 limão-siciliano

Suco de 1 limão cravo ou tahiti

Sementes e suco de 1 romã grande, bem madura

INGREDIENTES PARA O CRUDO

300 g de filés de robalo fatiados finamente

Flor de sal a gosto

Flores comestíveis para decorar

PREPARO

1. Misture os ingredientes da salada e regue com 2/3 do vinagrete.
2. Disponha o peixe, salpique flor de sal e pimenta-do-reino e acrescente o restante do vinagrete.
3. Decore com flores comestíveis e sirva.

Salada de lentilha, bacon e polvo

Carole Crema, confeiteira

"Não acredito em bruxas, mas elas existem... Sempre tem vela acesa em casa e, no fim do ano, sigo várias superstições: não como aves e faço as simpatias das romãs e da lentilha, que chamam dinheiro e, para mim, simbolizam renovação, prosperidade e renascimento", diz Crema.

Rendimento: 12 porções

INGREDIENTES

3 cebolas brancas

3 folhas de louro

8 cravos

3 dentes de alho

¼ de maço de tomilho

4 talos de alho-poró picados grosseiramente

2,5 kg de polvo inteiro

350 ml de vinho branco seco

3,5 litros de água

250 g de bacon em cubinhos

4 cebolas-roxas em cubinhos

1 kg de lentilha

400 g de tomates-cereja cortados ao meio

Sal e pimenta-do-reino a gosto

Suco e raspas de 1 limão-siciliano

20 ml de azeite

½ maço de manjericão

PREPARO

1. Corte 2 cebolas na diagonal, sem chegar até o fim, insira uma folha de louro em cada fenda e prenda com os cravos. Use essas cebolas para forrar o fundo de uma panela grande, junto com o alho, o tomilho e 1 talo de alho-poró.
2. Disponha o polvo por cima, adicione o vinho branco e a água e cozinhe em fogo médio, por 30 minutos, até que esteja macio. Escorra e reserve o caldo.
3. Em outra panela grande de fundo grosso, refogue o bacon com a cebola-roxa. Adicione a lentilha, refogue e vá adicionando o caldo do polvo aos poucos, até que os grãos estejam al dente. Desligue e reserve.
4. Corte o polvo em pedaços pequenos e refogue em frigideira antiaderente, em fogo alto, com o restante da cebola branca e do alho-poró, picados. Ajuste o sal e a pimenta, transfira o polvo para a panela da lentilha e adicione os tomatinhos, o limão e o azeite.
5. Decore com manjericão e tomilho e sirva.

Tteokguk

Daniel Park, chef do restaurante Komah

"O tteokguk é uma espécie de sopa, preparada com massa de arroz, algum tipo de caldo, mandu [o guioza coreano] e guarnições como nori e cebolinha. O prato simboliza prosperidade e esperança, por isso é o que todos os coreanos comem em família no dia 1º de janeiro", explica o chef.

Rendimento: 4 porções

INGREDIENTES

3 ovos

1 colher (chá) de leite

Sal a gosto

2 litros de caldo de carne

400 g de massa de arroz

12 mandu (à venda em lojas de produtos coreanos)

20 g de alga nori picada

50 g de cebolinha picada

Pimenta dedo-de-moça a gosto picada

PREPARO

1. Faça uma omelete com os ovos batidos, o leite e sal; corte em tirinhas e reserve.
2. Aqueça o caldo, adicione a massa de arroz e o mandu e cozinhe por 2 minutos.
3. Disponha a massa e o mandu no centro dos pratos, complete com o caldo ao redor e finalize com a alga, a cebolinha, a omelete e a pimenta.

Challah

Clarice Reichstul, chef do restaurante Shoshana Delishop e da empresa de eventos Paca Polaca

"No dia 31 de dezembro, repito as tradições do Ano Novo judaico. A comida deve ser doce, para que o ano não seja amargo, e sempre faço o challah, pão redondo trançado, cujo formato marca o ciclo da vida – por não ter começo nem fim, ele simboliza continuidade", ensina a chef.

INGREDIENTES

2 colheres (sopa) de fermento biológico seco

500 ml de água morna

1 colher (chá) de açúcar

5 ovos

½ xícara de açúcar

1 colher (sopa) de sal

½ xícara de óleo vegetal

1,3 kg de farinha de trigo (9 ¼ xícaras)

100 g de passas

30 g de gergelim

PREPARO

1. Dissolva o fermento na água morna com o açúcar, bata bem e deixe descansar por 10 minutos, até borbulhar.
2. Bata 4 ovos em uma bacia, adicione sal, a ½ xícara de açúcar e o óleo e bata novamente. Junte a farinha aos poucos, para formar uma massa mole —comece com a colher de pau e passe a usar as mãos.
3. Sove a massa vigorosamente por 15 minutos, até que esteja lisa e elástica, adicionando um pouco mais de farinha para não ficar pegajosa.
4. Adicione as passas, derrame um pouco mais de óleo e vire a massa até que fique toda untada. Cubra com filme plástico e deixe fermentar, em um lugar quente ou abafado, por 2 a 3 horas, até dobrar de tamanho.
5. Sove mais um pouco, faça um rolo largo, com uma ponta mais fina do que a outra e, numa forma untada, enrole como um caracol. Deixe descansar por 1 hora, até dobrar de tamanho, pincele com o ovo restante, polvilhe o gergelim e asse em forno preaquecido a 180ºC, por 30 a 40 minutos.

Velho Costume

Christopher Carijó, chefe do bar do restaurante Preto Cozinha

"Em casa, costumo soprar canela todo primeiro dia do mês, para renovar energias e atrair prosperidade. Coloco um punhado na palma da mão e sopro, virado para frente da porta de entrada. No primeiro dia do ano não é diferente, e esse ritual ganha ainda mais importância. Inspirado nele, criei um drinque defumado com canela, o Velho Costume, releitura do Old Fashioned, para tomar depois da simpatia", explica Carijó.

INGREDIENTES

70 ml de cachaça amburana

10 ml de xarope de folhas de louro (ferva 100 ml de água com 100 g de açúcar, desligue o fogo, adicione 7 folhas de louro e espere esfriar)

7 dashs de angostura

1 pau de canela para defumar

Casca de laranja, sem a parte branca, para finalizar

PREPARO

1. Misture bem a cachaça, o xarope e a angostura com bastante gelo. Reserve.
2. Quebre a canela sobre uma pedra e queime com o maçarico ou qualquer outra chama. Feche essa canela em brasa com um copo, até reter bastante fumaça.
3. Vire o copo e sirva o drinque nele imediatamente, finalizado com a casca de laranja.