Conheça os dez mandamentos do peru perfeito com dicas de chefs especialistas

Profissionais ensinam seus truques para garantir um assado dourado, suculento e bem temperado

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São Paulo

O peru, veja só, é mexicano. Foi no século 16 que os colonizadores espanhóis conheceram aquela ave estranha e a levaram para a Europa, onde fez sucesso entre a elite justamente por ser grande, exótica e fazer bonito à mesa dos banquetes. De lá, conquistou o mundo.

Como ganha peso com facilidade, o peru virou símbolo de prosperidade no Dia de Ação de Graças dos norte-americanos, comemorado no fim de novembro. Mas foram os portugueses que o trouxeram para o nosso Natal.

Peru de Natal precisa ser planejado com antecedência - Eduardo Anizelli/Folhapress

Aqui, o peru reinou até 1982, quando a Perdigão lançou o chester —uma ave aprimorada geneticamente para ter o peito turbinado. Por não ser tão grande, ela se encaixou perfeitamente nos menus de famílias menos numerosas, e muitas marcas concorrentes vieram na carona.

Independente da espécie da penosa, as aves assadas são as estrelas do Natal brasileiro —pode ser peru, a tal ave festiva, um simples franguinho ou uma boa galinha caipira bem temperada, opção preferida da chef Janaína Rueda, do restaurante A Casa do Porco e do Bar da Dona Onça.

Aqui não se pretende enganar ninguém: servir uma ave suculenta, bem temperada e douradinha requer um tantinho de dedicação, como ensinam os chefs de cozinha ouvidos nesta reportagem. A parte boa é que, para quem gosta de cozinhar, a festa começa bem antes.

"Essas comidas de ritual, que demandam preparo antecipado, são muito bacanas. Se a casa é pequena e o forno não comporta um peru, tudo bem, essas novas opções resolvem bem a questão", opina a chef Carla Pernambuco, do restaurante Carlota.

Do descongelamento à forma de servir, passando pelos temperos e até pelas sugestões para aproveitar as sobras no dia seguinte, todas as dicas de um Natal gostoso e feliz estão aqui.

1. Calcule a quantidade contando com uma sobra

O cálculo depende do restante do cardápio, como explica o chef Alain Poletto, do Bistrot de Paris. "Se a ave é o prato principal, com poucos acompanhamentos, sugiro até 400 gramas por pessoa. Uma ave de quatro quilos é ideal para dez pessoas."

Se outros pratos principais estão previstos para a ceia, como bacalhau ou presunto tender, basta reduzir a proporção de cada um, para que a soma das proteínas chegue a 400 gramas por pessoa.

2. Descongele da forma correta

Aves natalinas são vendidas congeladas. O degelo seguro, sem risco de contaminação, deve ser feito na geladeira por, pelo menos, 24 horas.

A chef Maddalena Stasi, do restaurante Mercearia do Conde, lembra que o tempo pode ser até maior, 48 horas, no caso de aves mais pesadas.

Dica aos marinheiros de primeira viagem: aves natalinas vêm com os miúdos embalados em saquinho plástico escondido dentro da carcaça. É preciso removê-lo antes de passar à próxima etapa.

3. Invista no tempero

A marinada líquida, onde a ave deve ficar mergulhada por até 24 horas, dentro da geladeira, é praticamente uma unanimidade entre os chefs —dessa forma, argumentam, os temperos alcançam todos os cantinhos e a carne se mantém suculenta depois de assada.

Nesse quesito, cada um tem sua receita. Morena Leite, chef do restaurante Capim Santo, tropicaliza o assado fazendo uma marinada com abacaxi. A fruta é batida no liquidificador com alho, cebola, cenoura, salsão, gengibre, sal, salsinha, pimenta-do-reino, vinho branco e azeite.

Maddalena Stasi troca o sal pelo shoyu, ingrediente que mistura com vinho branco, alho, salsão, alho-poró, tomilho, alecrim e sálvia. "Quando a ave já vem temperada, lavo antes para remover o excesso desse tempero, porque acho o sabor artificial", explica.

Para que a ave absorva os temperos por igual, a dica de Carla Pernambuco é virá-la várias vezes dentro da marinada, além de massageá-la a cada virada.

Já a galinha caipira da chef Janaína Rueda fica mergulhada em salmoura com seis litros de água, um quilo de sal, grãos de pimenta-do-reino, pimenta calabresa, um galho de tomilho e seis rodelas de laranja. Bastam quatro horas, ela garante, já que a galinha é bem menor do que o peru.

A chef Gabriela Barretto, do restaurante Chou, também gosta das aves menores, orgânicas de preferência, mas não faz coro em relação à marinada —prefere temperos secos.

Depois de descolar a pele do peito, Gabriela aplica uma mistura de sal grosso, batido no liquidificador com pimenta-do-reino, alecrim fresco e raspas de limão.

"Coloco por baixo da pele, diretamente sobre a carne, concentrando uma quantidade maior no peito, e deixo na geladeira, destampada, por 24 horas", ensina. Para que a ave não fique em contato com os líquidos que se desprendem durante o processo, a chef sugere apoiá-la em uma grade.

4. Prepare um recheio úmido e saboroso

A farofa de miúdos é um clássico, mas não obrigatória. Quem não abre mão da farinha de mandioca pode seguir o conselho de Morena Leite e preparar uma farofa crocante e adocicada, à base de diferentes castanhas e frutas. Ou fazer como Carla Pernambuco, que enriquece a farofa com presunto cru, banana e mel.

Se a ideia é inovar para valer, a farinha pode sair de cena para dar lugar a outros recheios. Chef do Nelita, que estreou este ano no 50 Best América Latina no 39º lugar, Tássia Magalhães faz um refogado úmido, que pode ser de lentilhas ou de castanhas com ameixas. "As oleaginosas têm bastante gordura e ajudam a manter a ave suculenta", ensina.

Janaína Rueda sugere, ainda, rechear a ave com patê de fígado de frango, com cuscuz ou com verduras. "Mas eu gosto mesmo é de usar cebolas brancas pequenas como recheio", confessa.

5. Prepare o assado para o forno

Depois de todo aquele tempo mergulhada nos temperos, a ave está quase pronta para ser assada. Agora é hora de colocá-la no centro de uma assadeira funda, já livre da marinada, e besuntá-la com manteiga, garantindo que a pele fique bem dourada, sem rachar.

"É importante amarrar as pontas dos ossos das coxas com barbante de algodão, para que não se soltem durante o cozimento. Assim, a apresentação fica mais bonita", avisa Oghan Teixeira, sócio da Ghee Banqueteria.

Peru assado ao molho Jerez, recheado com farofada da Ghee Banqueteria
Peru assado da Ghee Banqueteria - Divulgação

Os chefs são unânimes ao afirmar que regar a ave enquanto está assando é fundamental. A banqueteira Rita Atrib, do Buffet Petit Comité, usa a própria marinada para regar o assado, a intervalos de 30 minutos.

Já Carla Pernambuco faz diferente. "Derreto manteiga e misturo com suco de laranja para ir regando", diz.

6. Controle a temperatura do forno

De acordo com Oghan Teixeira, quem tem forno com controle preciso de temperatura pode abrir mão do papel-alumínio para envolver a ave. "Basta assar a 130ºC, por meia hora, e depois aumentar para 180ºC, até que esteja dourada, abrindo a cada 20 minutos para regar."

Como a maioria dos fornos domésticos não é tão precisa e sequer chega a uma temperatura tão baixa, a solução é mesmo apelar para o papel-alumínio. "Começo com forno preaquecido a 180ºC, por 1h a 1h30, dependendo do tamanho da ave. Depois retiro, rego e mantenho o forno em 200ºC, até dourar bem", diz Tássia Magalhães.

A cobertura de papel-alumínio tem sua ciência, como explica Rita Atrib. "É fundamental fechar todos os lados da assadeira ou refratário, sem deixar frestas, para manter a umidade. A parte mais brilhante fica em contato com o alimento, para não grudar."

Como saber se está pronto? "Furo a coxa com um garfo. Se o líquido sair sem cor, a ave está assada. Se sair avermelhado, precisa cozinhar por mais tempo", ensina Maddalena Stasi.

7. Coordene o tempo de preparo com o horário do jantar

Os chefs recomendam deixar a ave prontinha (até a etapa 5) com antecedência, para levá-la ao forno entre 2h30 e 3h antes da refeição.

Como o processo de cocção requer atenção constante, em função das regas periódicas, o truque da chef Tássia Magalhães é o seguinte: "Mais cedo, asso a etapa inicial, com papel-alumínio, e desligo o forno. Pouco antes do jantar, eu volto com a ave para o forno preaquecido, sem o alumínio, só para aquecer e dourar."

8. Escolha bem os acompanhamentos

Dentro do forno, uma crosta terá se formado no fundo da assadeira durante o cozimento —um ingrediente precioso que dá origem ao molho, através do processo que, na cozinha, se chama deglacear.

"Deglaceado com vinho branco. Esse caldo é o que nós, franceses, chamamos jus do assado. É a melhor opção de molho, porque não altera o sabor da ave", defende Alain Poletto.

Nos acompanhamentos, misturar sabores doces e salgados é uma tradição natalina. Além dos clássicos —batatinhas assadas, arroz e farofa—, têm lugar à mesa castanhas portuguesas, frutas frescas ou assadas, frutas secas, cuscuz marroquino e uma boa salada, como pede nosso verão.

"Gosto de oferecer salada de grãos e farofa de gengibre", diz Maddalena Stasi.

9. Capriche na forma de servir

Arrumar a ave já fatiada, na travessa, é técnica para quem tem habilidade e treino e dispõe de faca elétrica. Caso contrário, melhor assumir o tom caseiro e servi-la inteira, em todo o seu esplendor.

"Acho bonito o ritual de fatiar o peru na frente dos convidados. O certo é retirar as coxas primeiro, depois ir cortando os pedaços do peito", diz Poletto.

Parte dos acompanhamentos pode ser arrumada ao redor da ave, na mesma travessa, finalizada com um buquê de ervas frescas —sugestão de Carla Pernambuco. O molho vai à parte.

10. Não desperdice as sobras no dia seguinte

Chef do Zena Caffè, Carlos Bertolazzi tem uma tradição em família: a sobra do peru da ceia vira salada no almoço do dia seguinte.

Depois de desfiada, a carne é misturada com maionese, suco de limão siciliano, uvas sem caroços cortadas ao meio, salsão fatiado fininho e um tiquinho de pimenta dedo-de-moça picada.

Carla Pernambuco prefere transformar as sobras em recheio do club sandwich, o famoso sanduíche de três andares feito com pão de forma (ou de miga) sem casca, alface, tomate e maionese.

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