Mocotó, pioneiro da cozinha nordestina em SP, cria raízes com expansões e novidades

Cozinha do sertão nordestino, do chef Rodrigo Oliveira, completa 50 anos com exposição na capital paulista

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São Paulo

Nascido como casa do norte em 1973, o restaurante Mocotó, fundado por Zé de Almeida e tocado hoje por seu filho, o chef Rodrigo Oliveira, foi pioneiro em levantar a bandeira do sertão nordestino na capital paulista. Cinquenta anos mais tarde, essa cozinha se consolida com expansão de endereços, um livro e novos representantes —e depois de superar alguma dose de preconceito.

Zé de Almeida (à esq.) e Rodrigo Oliveira, seu pai
Rodrigo Oliveira (à dir) e Zé de Almeida, seu pai - Luna Garcia/Divulgação

A cozinha do sertão nordestino começou a ganhar suas bases em São Paulo no começo do século 20, com a chegada de migrantes de diferentes pontos dessa região do país. Num primeiro momento, foi praticada no núcleo familiar e, aos poucos, se estendeu para a comunidade, como aconteceu com o Mocotó.

"A gente não tinha muitas referências quando começou a reproduzir esse modelo, que é a evolução de uma casa do norte", diz Rodrigo Oliveira. O negócio começou em 1973, quando seu Zé, como é conhecido, fundou a Casa Irmãos Almeida, uma espécie de empório na Vila Medeiros, região norte de São Paulo, depois de vir do interior pernambucano.

Cinco anos mais tarde, os irmãos deixaram a sociedade e seu Zé transformou o negócio em um bar, dando a ele o nome de uma das receitas que mais faziam sucesso ali: o caldo de mocotó. Rodrigo assumiu o comando do local em 2001, depois de desistir da faculdade de engenharia ambiental —e começar a fazer suas mudanças, no início, a contragosto do pai.

Hoje, o Mocotó chega aos 50 anos com uma unidade inaugurada em abril deste ano na Vila Leopoldina, além de outra casa no shopping D, um café no Mercado de Pinheiros, e um restaurante no térreo do Instituto Moreira Salles, na avenida Paulista, o Balaio.

A história é contada em uma exposição que a casa inaugurou em um espaço chamado de laje, em cima do restaurante na Vila Medeiros, desenvolvida pela pesquisadora e historiadora Adriana Salay, casada com Rodrigo.

"Acho uma vitória para os nordestinos ver mais gente fazendo e reproduzindo essa cozinha", diz Rodrigo sobre o cenário na cidade.

Instalado nos arredores do Hospital das Clínicas, em Pinheiros, o Jesuíno Brilhante, inaugurado há sete anos, se considera uma espécie de "cria" do Mocotó. A particularidade é que ali se praticam receitas tradicionais do Rio Grande do Norte, de onde vem seu dono, Rodrigo Levino. Entre elas, está o arroz com nata, paçoca e carne de sol.

Preparos dessa região vão estar em um livro que a casa pretende lançar em 2024 chamado "Receituário de uma Comedoria Sertaneja", com pesquisa e textos da pesquisadora Adriana Lucena e receitas da chef Kátia Mello.

Além de pratos do restaurante, a publicação vai trazer um glossário de ingredientes e contexto histórico do surgimento dessas receitas.

Lucena explica que a pecuária é um elemento central da história do sertão. "Essa é sua formação identitária e isso também passa para a comida." Outro ponto que se reflete nos hábitos alimentares desta região é a adaptação desses animais trazidos pelos homens, das receitas ao que se tinha no local e, acima de tudo, do homem ao semiárido.


"Ao longo dos séculos, o homem conseguiu conviver com a semiaridez criando tecnologias adaptadas ao clima e à região", explica Lucena.

Em seu livro "Gastronomia Sertaneja - Receitas que Contam Histórias", (ed. Melhoramentos; 2010; 203 págs.) a pesquisadora Ana Rita Suassuna faz a distinção entre comida de seca e comida de inverno. A primeira, diz ela, é uma cozinha variada que se baseia em elementos como feijão-verde, peixe de rio fresco ou salgado e preparos derivados do milho.

Momentos de escassez ajudaram a moldar não só receitas, mas também a construir técnicas que o chef paraibano Onildo Rocha reproduz no Notiê e no Abaru, restaurantes que comanda no Espaço Priceless Mastercard, no rooftop do shopping Light, aberto no fim de 2021 no centro.

Nos períodos de estiagem no sertão, explica Onildo, nenhum líquido é desperdiçado. "Todo grão ou proteína que foram secos e armazenados para usar nesta época são hidratados e cozidos na mesma água. Isso significa, no caso do grão, que se mantém o amido. No caso da proteína, se mantém o sabor", diz ele.

Onildo usa esse mesmo princípio para preparar um homus à base de castanha-do-pará que serve com uma salada com alface romana e molho de mostarda no Abaru.

Apesar de praticar receitas do sertão como o rubacão —um arroz vermelho com fava verde, queijo coalho, nata do sertão, coentro e servido com carne de sol—, o chef define sua cozinha como armorial, termo inspirado no movimento liderado pelo escritor Ariano Suassuna (1927-2014) que pregava uma arte erudita permeada de elementos da cultura popular.

Talvez por sua origem popular, porém, a cozinha do sertão já foi alvo de um certo preconceito que, na opinião de Guilherme Temperani, à frente da rede Macaxeira, se quebrou nos últimos anos.
Com seus 14 endereços, a marca tem como clientes tanto nordestinos quanto famílias que não têm ligação com essa cozinha.

Como resultado, o cardápio inclui carne de sol servida com manteiga de garrafa —por mês, cerca de 15 mil quilos do ingrediente são consumidos— e receitas como dobradinha e sarapatel, que surgiram como "comidas de dia de matança", quando animais eram mortos em fazendas e vísceras, miúdos e sangue eram utilizados em pratos de consumo imediato, por serem mais perecíveis.

No fim de outubro, a marca abriu uma unidade de 1.800 m² chamada Fazenda Macaxeira, inspirada em uma propriedade no sertão nordestino. O espaço tem alambique e área em que crianças podem pintar cordéis, entre outras atividades. "A ideia é oferecer um programa cultural para a família, com apresentações de repentistas e trios
de sanfona", diz Temperani.


Abaru
Shopping Light. Ed. Alexandre Mackenzie (terraço) - r. Formosa, 157, região central. Entrada pelo estacionamento no subsolo priceless.com/saopaulorestaurante @espacopriceless

Fazenda Macaxeira
Av. Portugal, 1.313, centro de Santo André, tel.: 4468-3874. @fazendamacaxeira

Jesuíno Brilhante
R. Arruda Alvim, 187, Pinheiros, região oeste, tel. 2649-3612, @jesuinobrilhante

Mocotó
R. Aroaba, 333, Vila Leopoldina, região oeste. Av. Nossa Sra. do Loreto, 1.100, Vila Medeiro, região norte.mocoto.com.br. @mocotorestaurante

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