'Não tenho alma de militância, mas de escárnio', diz Tati Bernardi

Escritora lançou o livro "Homem-Objeto", que discute objetificação e o que é ser mulher

Camila Gambirasio
São Paulo

A escritora e roteirista Tati Bernardi, que lançou em junho uma coletânea de 83 crônicas que discutem o que é ser mulher no mundo contemporâneo, não se rotula como militante e é enfática ao dizer que, embora escreva partindo de seu lugar de mulher, sua literatura não é restrita e pode servir a todo tipo de pessoa.

“Escrevo como mulher, mas isso não significa que não posso escrever um texto como se fosse um homem escrevendo, por exemplo. Sou mulher, mas, sobretudo, escrevo como Tati”, disse a colunista da Folha, em conversa sobre o livro "Homem-Objeto e Outras Coisas Sobre Ser Mulher" (ed. Companhia das Letras, R$ 39,90, 256 págs.), realizada pelo jornal e pela Companhia das Letras na última quarta-feira (15). 

O bate-papo, conduzido pela repórter da Folha Fernanda Mena, encheu o auditório da Livraria da Vila da Fradique Coutinho.

Tati afirma que seu papel como cronista é de não fazer militância. “Eu tenho alma de escárnio. Quem milita está fazendo algo muito mais importante que eu. Eu estou ali para tirar sarro.”  

Uma dessas provocações é tema da crônica que dá nome ao livro. “Homem-Objeto” trata do fetiche pelo poder e da inversão da objetificação que os homens fazem das mulheres, algo que a escritora diz ter percebido em seu próprio comportamento no passado.

“Ao longo da minha vida, fui me apaixonando por homens que tinham algo que eu queria ser, não algo que eu queria ter”, disse a autora. “Se você se sente seduzido pelo poder de uma pessoa você está objetificando muito mais do que está sendo objetificada. Isso tira a mulher do papel de coitadinha.”

Na hora de escrever as crônicas, Tati diz gostar de usar com frequência casos que ela mesma viveu. “Quando o Lula foi preso, por exemplo, eu tive que falar disso, aí eu travei. Não era o que eu queria falar. Queria era falar de mim mesma”, brincou.

Questionada por Mena, a autora abordou o que chamou de "implicância" que enfrenta por parte de algumas feministas. Em parte, isso é consequência das críticas que ela faz a um certo discurso feminista de "patricinha do Facebook", segundo a escritora.

"A mulher 'encoxada' em um ônibus no Capão Redondo na quinta condução do dia não é mesma que recebe um fiu-fiu na Oscar Freire. Eu tenho preguiça disso, porque não é a mesma coisa. [O discurso nas redes sociais] empobrece quando vira uma histeria de riquinho."

Apesar da crítica a essa parte do movimento, Tati diz simpatizar com o discurso feminista que defende pautas como a equidade salarial e a liberdade das mulheres. "Concordo que, como a gente viveu muitos anos de violência e de machismo, precisamos dar uma radicalizada para o outro lado para podermos uma hora chegar no meio do caminho."

Para ela, ainda existe diferença de gênero na apreciação do humor, já que, em sua opinião, mais mulheres gostam de homens engraçados do que o contrário. “Homens têm medo de mulher que tiram sarro deles.”

Ela disse também ter sentido que passou, ao longo da carreira, por um processo de "masculinização" —iniciou sua vida profissional no ramo da publicidade, muito dominado por homens. Tati conta ter se sentido mais valorizada nas áreas da escrita e da psicanálise, tema que começou a estudar quando já adulta.

“Tem uma ironia que me impede de ser muito feminina. E tem homem que acha sexy mulher engraçada, então eu me apeguei nesse 1%”, brincou.

A autora contou ainda estar se aventurando em um novo livro, inspirado em sua relação com a maternidade e com sua mãe. Segundo ela, o projeto não se encaixa nem em um formato de crônica nem de romance: “É uma 'auto-ficção memoir'. Está super na moda agora”, divertiu-se.

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