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Exaltando cabelo 'bem crespinho', professor viraliza cantando o antirracismo para crianças

Allan de Souza, docente da rede municipal do Rio, faz canções sobre a beleza negra

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Rio de Janeiro

"O meu cabelo é bem bonito! É black power e bem pretinho." Assim começa a canção mais famosa do professor de português Allan de Souza, 42, que atua na rede municipal do Rio de Janeiro. Ele cria músicas infantis para elevar a autoestima dos alunos e implementar a educação antirracista desde os primeiros anos de escola.

O professor publicou a melodia em suas redes sociais, em vídeos que hoje somam mais de 10 milhões de visualizações. Neles, Allan reuniu estudantes para cantar a canção sobre a beleza dos diferentes tipos de cabelo, do crespo ao liso.

O sucesso aumentou o alcance de outras composições do professor, também conhecido pelo nome artístico Allan Pevirguladez. As músicas abordam a necessidade de respeitar o próximo, independentemente da cor da pele, e enaltecem traços negros.

Imagem mostra Allan, um homem negro de cabelos escuros e barba. Ele veste uma camisa rosa, escrita "meu cabelo é bem bonito" e calças pretas
O professor Allan de Souza, 42, cria músicas infantis para incentivar o combate ao racismo nas escolas - Eduardo Anizelli/Folhapress

Segundo o professor, o trabalho muda a perspectiva das crianças sobre si mesmas. No Instagram, ele compartilhou o comentário da mãe de uma das alunas. Ela afirmava que a filha tinha vergonha do cabelo crespo.

"Ela começou a cantar a música que você ensinou. Depois, disse ‘eu sou uma pretinha linda, né?’ Muito obrigada por ser uma referência dentro das salas de aula", relatou a mãe. O perfil de Allan nas redes sociais é repleto de histórias parecidas.

A inspiração do professor também partiu de experiências que teve na infância. Na época da escola, ele ouvia de outros estudantes comentários depreciativos sobre sua imagem e a de seus colegas negros.

"Depois eu me dei conta de que as pessoas, quando me apelidavam, usavam algo que tivesse a ver com minha cor de pele. Fora essa coisa da estética: falavam que cabelo de menino negro precisava ser raspado na máquina zero", conta.

Nascido em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Allan diz que sempre teve interesse por música e escrita. No fim da adolescência, começou a compor as próprias canções.

Suas principais influências vinham do rap, de artistas como o grupo Racionais MC’s. Segundo ele, eram referências de um outro lado da história do Brasil que não existiam em seu dia a dia na escola.

Aos 16 anos, começou a trabalhar. Foi office boy, atendente em feira e em barraca de cachorro-quente. Mais tarde, por incentivo da mãe, entrou na faculdade de letras, e foi da primeira geração da família a ingressar no ensino superior. A escolha do curso partiu do interesse pela leitura e pela escrita.

Allan foi criado pela avó, cozinheira de uma escola, já que a mãe trabalhava fora o dia todo como servidora do município de Duque de Caxias. A mãe o influenciou a entrar no setor público.

"Como uma pessoa preta neste país e nesta cidade, há uma carência muito grande de oportunidades no mercado. Vi na educação e no serviço público algo que não me limitasse e me desse a possibilidade de fazer outras coisas, como faço hoje", declara.

Docente da rede municipal do Rio desde 2011, Allan deu aula em turmas do segundo segmento do ensino fundamental na maior parte de sua carreira. Para esses estudantes, o professor já trabalhava em projetos que unem arte e educação.

Um deles era sobre figuras importantes do samba, como Cartola e Tia Ciata, e seu papel na construção da identidade brasileira. Os alunos faziam apresentações musicais com base nas obras desses personagens.

O professor passou a dar aulas de literatura para educação infantil em 2020. Mas a relação mais próxima com as crianças só surgiu a partir do ano passado, com a maior retomada do ensino presencial após a pandemia. Foi aí que Allan decidiu compor as músicas antirracistas para os alunos.

"A educação antirracista precisa funcionar como o saneamento básico em uma escola pública. Um colégio que não tem esse princípio corre risco de fracassar no desenvolvimento de seu educando. A música tem esse poder, porque penetra no nosso cérebro e fica ali pelo resto da vida", declara.

O professor postou os primeiros vídeos dos estudantes cantando no grupo da escola em que atua, sem esperar tanta repercussão. No dia seguinte, a publicação já tinha viralizado. Emissoras de televisão começaram a procurar Allan para saber mais sobre a iniciativa.

Desde então, o trabalho do professor apareceu na mídia do Brasil e no exterior. As postagens voltaram a repercutir nas últimas semanas no Instagram.

O alcance das músicas proporcionou contato com outros docentes, o que incentivou Allan a expandir a iniciativa. Ele criou o projeto Música Popular Brasileira Infantil Antirracista, em que visita escolas pelo município do Rio para apresentar as canções. Seu objetivo é ampliar essa turnê para outros estados.

Em setembro do ano passado, após Vinicius Junior ser alvo de racismo por torcedores na Espanha, o professor reuniu os alunos para cantar uma música em homenagem ao jogador. A mensagem chegou ao Instituto de Vini, que convidou o professor para fazer palestras sobre letramento racial para docentes na rede municipal.

"Fazemos a formação continuada para que eles possam trabalhar essa questão com as turmas e, assim, contribuir com a erradicação do racismo no universo escolar."

O professor diz se considerar um influenciador. Ele afirma que reconhece a responsabilidade, mas vê com otimismo ser uma referência negra para os alunos.

"Levo como uma missão, porque sei que minha imagem reverbera bastante. Contribui para que tanto os alunos quanto os outros profissionais vejam isso como algo que influencie suas práticas. E para que as crianças, ao verem um professor negro, saibam que podem ser o que quiserem."

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