Descrição de chapéu Boate Kiss Folhajus

Toffoli mantém validade de júri da boate Kiss e determina prisão de condenados

Ministro do STF acolheu recursos do Ministério Público Federal e de promotores do RS; quatro pessoas receberam sentença

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Brasília

O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), manteve nesta segunda-feira (2) a validade do júri que condenou quatro pessoas pelo incêndio que aconteceu na boate Kiss, em Santa Maria (RS).

A tragédia em 2013 deixou 242 mortos, mais de 600 feridos e um trauma na cidade. As vítimas tinham idade média de 23 anos.

O incêndio completou dez anos ano passado sem que houvesse nenhuma pessoa responsabilizada pela Justiça porque, em agosto de 2022, por 2 votos a 1, os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça gaúcho anularam o júri que em dezembro de 2021 havia decidido pelas condenações.

A fachada da boate Kiss, no centro de Santa Maria (RS), foi pintada com mensagens de protesto por Justiça. Em 2013, 242 jovens morreram no local
A fachada da boate Kiss, no centro de Santa Maria (RS), foi pintada com mensagens de protesto por Justiça. Em 2013, 242 jovens morreram no local - Daniel Marenco/Daniel Marenco - 12.jan.2023/Folhapress

Toffoli aceitou os recursos apresentados pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul e pelo Ministério Público Federal e determinou a prisão dos condenados.

Para o ministro, as questões levantadas pelas defesas para que o julgamento fosse anulado foram apresentadas fora do prazo processual.

O incêndio ocorreu na madrugada de 27 de janeiro de 2013. A maioria das vítimas sofreu asfixia devido a gases tóxicos liberados pela queima do revestimento de espuma instalado irregularmente no local e que foi atingido pelas chamas de um artefato pirotécnico acendido no show da banda Gurizada Fandangueira.

Com base no entendimento de que teriam assumido o risco de matar, foram acusados de homicídio simples com dolo eventual Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios da boate, Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda, e Luciano Bonilha Leão, auxiliar de palco.

Os quatro réus foram condenados a penas entre 18 e 22 anos, e o julgamento foi o mais longo da história do Judiciário gaúcho. Desde então eles estão liberdade.

O advogado Jader Marques, que representa Sphor, disse que recebeu com surpresa a decisão do ministro Toffoli, mas "com toda serenidade vai buscar acesso ao que foi decidido e tomar as medidas cabíveis".

Segundo Marques, Spohr já se apresentou à polícia e passará por audiência de custódia na manhã desta terça-feira para determinar a unidade prisional para onde ele será conduzido para cumprir pena.

A defesa de Hoffmann lamentou a decisão e disse que a sentença "tramitou de forma sigilosa às defesas e silenciosa" e que tinha reunião agendada com o ministro Toffoli para a próxima semana. "De resto, a decisão será cumprida de forma integral e discutida nas esferas competentes", informou.

A defesa de Luciano Bonilha disse que tomará "todas as medidas cabíveis para que a decisão seja revertida". A defesa afirma que os acusados não poderiam ser presos imediatamente porque já possuem uma ordem de habeas corpus, que garante ficarem em liberdade. Segundo o advogado Jean Severo, Bonilha se apresentou em uma delegacia de Santa Maria e aguarda encaminhamento para um presídio.

A advogada Tatiana Borsa, responsável pela defesa de Santos, disse que recebeu a decisão com surpresa, pois também tinha reunião marcada com Toffoli para a próxima semana. "Lamentamos que o STF dê esse exemplo de julgamento antidemocrático, especialmente quando a constitucionalidade do tema está por ser decidida de forma colegiada. De resto, a decisão será cumprida de forma integral e discutida nas esferas competentes", disse, em nota.

Em fevereiro deste ano, Toffoli suspendeu a realização de um novo júri dos réus até que ele julgasse os recursos contra a anulação do primeiro julgamento.

À época, o ministro argumentou que um segundo júri poderia ter resultado diferente do primeiro e causar "tumulto processual" se fosse julgado antes do recurso ao Supremo.

Ele já dizia, à época, que havia possibilidade de o STF decidir contra a anulação do primeiro resultado —o que ocorreu nesta segunda.

"Esse cenário autoriza concluir pela possibilidade de virem a ser proferidas decisões [do júri] em sentidos diametralmente opostos, tornando o processo ainda mais demorado, traumático e oneroso", afirmou o ministro na ocasião.

Depois da anulação do júri, o Ministério Público recorreu inicialmente ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra a anulação, mas em 5 de setembro do ano passado a 6ª turma da corte manteve a anulação do júri por 4 votos a 1.

Os ministros do STJ apontaram como irregulares uma reunião reservada do juiz Orlando Faccini Neto com os jurados sem a presença dos advogados de defesa ou da Promotoria.

Outro ponto contestado pela defesa dos réus foi o sorteio dos jurados, realizado fora do prazo previsto pelo Código de Processo Penal. O Ministério Público, porém, recorreu ao Supremo, e o caso caiu sob a relatoria de Dias Toffoli.

Spohr e Hoffman são acusados de terem usado nas paredes e no teto da boate a "espuma altamente inflamável e sem indicação técnica de uso" que, ao pegar fogo, liberou o gás tóxico.

A acusação contra os dois sócios listava também irregularidades como manter "a casa noturna superlotada, sem condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza, bem como equipe de funcionários sem treinamento obrigatório, além de prévia e genericamente ordenarem aos seguranças que impedissem a saída de pessoas do recinto sem pagamento das despesas de consumo".

Quando as chamas começaram e a fumaça se espalhou, os extintores não funcionaram e não havia sinalização de saída de incêndio. Dezenas de vítimas morreram aglomeradas nos banheiros, cujas janelas eram vedadas, ou amontoadas aos gradis que dificultavam a saída da boate.

Vocalista e auxiliar de palco da banda, Santos e Leão foram responsáveis por adquirirem e acionarem os fogos de artifício "que sabiam se destinar a uso em ambientes externos" e por terem saído do local "sem alertar o público sobre o fogo e a necessidade de evacuação", segundo a denúncia.

Ao longo do julgamento, as defesas pediram absolvição ou que o caso fosse reclassificado como culposo —sem intenção de matar.

Em julho deste ano, o prédio onde funcionava a boate foi demolido. No terreno será construído um memorial em homenagem às vítimas.

Colaborou Aléxia Sousa, do Rio de Janeiro

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