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Karen Scavacini

A tecnologia pode nos ajudar a cuidar da nossa saúde mental

Como sociedade, precisamos compreender a complexidade das ferramentas para ir além da dicotomia bom ou mau; não há resposta fácil

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Karen Scavacini

Psicóloga, doutora em psicologia pela USP, mestre em saúde pública pelo Karolinska Institutet, fundadora do Instituto Vita Alere e do Mapa da Saúde Mental, representante do Brasil no IASP (Associação Internacional de Prevenção do Suicídio)

As tecnologias mudaram a forma de cuidar e trouxeram maneiras interessantes de promover a saúde mental, além detectar e enfrentar seus desafios. Pense nisso: seu monitor de condicionamento físico ou smartphone já conseguem detectar mudanças em seu humor ou comportamento.

Essas ferramentas utilizam informações que abrangem dados fisiológicos, biológicos, padrões de sono, fala e atividade em mídias sociais para identificar sinais de depressão, ansiedade e outros sintomas. Mesmo que de maneira ainda experimental, essa "fenotipagem digital" pode criar uma imagem digital holística do comportamento por informações ativas, dadas pelo usuário, ou passivas, por meio dos sensores.

Essa análise de dados em tempo real com inteligência artificial pode ajudar no rastreio de sintomas, na identificação de padrões e dar alertas em tempo real diante de sinais de risco e comportamento suicida.

Em 2018, conheci um projeto em que pessoas doavam o acesso a todos os seus dados digitais para serem usados em pesquisas sobre saúde mental. A partir de multianálises era possível predizer nos seis meses anteriores um risco de suicídio.

Ilustração colorida mostra uma mulher resgatando com uma boia sua própria sombra
Catarina Pignato

A realidade virtual pode ser uma ferramenta valiosa no tratamento de uma variedade de condições, como ansiedade, fobias e TEPT (transtorno de estresse pós-traumático). Crianças e adultos com o espectro autista podem aprender técnicas de interação social e habilidades de comunicação. Adolescentes podem aprender estratégias de enfrentamento; equipes de saúde mental e futuros terapeutas podem treinar usando avatares para aumentar sua empatia, compaixão e entendimento sobre a experiência dos usuários.

Estudos sugerem que jogos sérios e outros recursos podem ser usados na psiquiatria —são efetivos na psicologia, reduzem sintomas e melhoram a resposta de pacientes. Nos Estados Unidos, a FDA (agência que regulamenta e fiscaliza alimentos e remédios nos EUA) aprovou, em 2020, o primeiro videogame para ser prescrito para crianças com TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).

A Ellie, uma terapeuta virtual, foi desenvolvida para tratar veteranos com depressão e TEPT, e pode detectar e analisar sinais verbais e não verbais, como expressão facial, mudanças no tom de voz, gestos e posturas.

Chatbots podem combinar exercícios de mindfulness e autocuidado, ajudar refugiados a lidarem com os terrores da guerra, aplicar técnicas psicológicas para o tratamento de ansiedade, depressão, dor crônica e serem ligados a terapeutas virtuais.

No Brasil, destaco o Topty, do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que trata de questões de autoestima.

Redes sociais e plataformas de vídeo, com seus algoritmos, talvez sejam as mais controversas e conhecidas das tecnologias atuais, gerando muitos debates e até processos.

Se por um lado o ciberespaço facilita a construção de comunidades online, redes de apoio, pertencimento, diminuição do estigma e identificação com modelos positivos, por outro pode trazer gatilhos para alguém vulnerável e em risco, e seu uso excessivo pode estar ligado ao aumento de transtornos mentais e violências digitais.

Questões éticas, como a despersonalização do cuidado, a humanização da máquina, o armazenamento de dados sensíveis em plataformas digitais, dentre outros, precisam ser debatidos e regulamentados. Como sociedade, precisamos compreender a complexidade dessas questões para ir além da dicotomia bom ou mau. Não há resposta fácil.

A busca por termos de saúde mental na internet aumentou 98% somente em 2020, ano em que o Mapa da Saúde Mental foi criado usando uma API (interface de programação de aplicação) que ajuda pessoas a encontrarem informações sobre locais de atendimento em saúde mental gratuitos em todo país, com busca pelo CEP ou geolocalização do usuário.

Em 2022, lançamos o Centro de Inovação e Pesquisa em Saúde Mental, Tecnologia e Suicidologia. Um novo relatório do Instituto Vita Alere sobre o assunto já está disponível. Cursos gratuitos, como Bem Estar Digital, ajudam o profissional da saúde a entender e lidar com o impacto da vida digital dos pacientes.

As pessoas precisam ter acesso a cuidados e conectividade em um país onde temos o maior número de ansiosos do mundo, onde a depressão não para de crescer, e embora a tecnologia não substitua o profissional da saúde mental, e precisemos incluir as questões sociais envolvidas para não colocarmos somente no indivíduo toda a responsabilidade pelo seu adoecimento e melhora, pode ser uma ajuda e tanto para muitos.

Enganam-se aqueles que acham que as inovações nessa área vão diminuir. A conveniência, a autonomia, a anonimidade, o custo, o alcance, o interesse, o monitoramento remoto e a disponibilidade 24 horas devem ser levadas em consideração junto com o potencial de fazer a diferença para aqueles que mais importam, as pessoas que precisam de ajuda.

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