Descrição de chapéu Coronavírus

Doria coincide em discurso com Cuomo, de NY, mas tem estratégia mais leve contra coronavírus

Nova York aplica multas e faz mais testes; chefe do governo de SP insiste no convencimento

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São Paulo e Washington

À frente de estados-chave de seus países, João Doria, em São Paulo, e Andrew Cuomo, em Nova York, ganharam musculatura política sob os holofotes da crise do coronavírus.

Ambos viraram grandes antagonistas dos presidentes, Jair Bolsonaro (sem partido) e Donald Trump, que menosprezaram a epidemia. Tanto o político norte-americano do partido democrata quanto o governador paulista do PSDB são defensores do isolamento social e seguem recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde).

No entanto, há também muitas diferenças na forma como lidaram com a crise.

Embora Doria tenha adotado um discurso de prevenção à doença antes mesmo de o primeiro caso ser confirmado, as medidas tomadas em São Paulo para garantir o distanciamento social são bem mais leves do que as de Nova York. Com muito mais mortes e casos confirmados, o estado norte-americano realizou muito mais testes que o brasileiro, além de estabelecer uma multa específica a quem descumprir as regras de isolamento.

O governador de Nova York, Andrew Cuomo, ganhou projeção com seu discurso técnico e transparente e virou o rosto do combate à pandemia do coronavírus nos EUA, ao mesmo tempo que seu estado se tornava o epicentro da crise no país.

Hoje, dos quase 600 mil casos confirmados em território americano, mais de 200 mil estão em Nova York, que na terça-feira (14) ultrapassou a marca de 10,8 mil mortes.

Mas nem sempre foi assim. Cuomo demorou para agir com medidas de distanciamento social e chegou a comparar, no início de março, as hospitalizações por Covid-19 com as causadas pela gripe comum.

A partir do meio do mês passado, quando a piora do quadro escalou, o governador adotou atitude mais assertiva e anunciou diversas medidas de ajuda médica, pedidos de doações e voluntários, ampliação dos testes e, principalmente, o estabelecimento de regras rígidas de distanciamento social, sob pena de multa de até US$ 1.000 para quem descumpri-las.

São Paulo também virou o epicentro da epidemia no Brasil, com 853 mortes até quinta e 2.300 casos confirmados —como há uma fila de cerca de 15 mil testes, há subnotificação. Antes mesmo do primeiro caso, no dia 31 de janeiro, Doria adotou um discurso de cautela e anunciou um comitê contra a doença, que têm à frente médicos respeitados como o infectologista David Uip.

O governo paulista, porém, continua investindo na estratégia do convencimento da população, cujo engajamento na quarentena vem caindo. Embora tenha ameaçado prender pessoas que fizeram aglomerações, mesmo com o isolamento estagnado em 50%, Doria baixou o tom e agora fala numa corrente de amor para a população aderir à prevenção.

Acompanhada da polícia, a Vigilância Sanitária foi escalada para fazer "orientações educativas" para orientar estabelecimentos desobedientes a fecharem as portas e impedir aglomerações. ​​

“Doria testa o território para ver até onde tem a reação às suas declarações”, afirma o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, ressaltando que o tucano passou a ser atacado pelos bolsonaristas ao opor ao presidente em quem se apoiou na campanha eleitoral.

Durante a crise, o tucano assumiu uma posição de destaque no bloco antibolsonarista ao centro, dialogando, inclusive, com o PT, seu grande inimigo político há pouco tempo.

“Pela própria posição de São Paulo e como governador, ele se projetou nacionalmente novamente, e agora eu acredito que de maneira até mais nobre do que na época de prefeito, quando havia mais marketing em busca de projeção pessoal. Agora se trata de uma causa”, diz Teixeira.

A quarentena em São Paulo, com fechamento de comércios não essenciais, entrou em vigor quase um mês após o primeiro caso confirmado no 25 de fevereiro.

Em Nova York, o primeiro caso confirmado de Covid-19 foi em 1º de março, e 11 dias depois Cuomo adotou as primeiras medidas de restrição, proibindo grandes eventos e, a partir daí, fechando gradualmente escolas, bares, restaurantes e dando ordem para que a população ficasse em casa.

São Paulo, quando deu início às maiores restrições, tinha 745 casos; Nova York, contudo, já batia nos 16 mil.

Nova York aplica multas e faz mais testes; chefe do governo de SP insiste no convencimento
O governador de Nova York, Andrew Cuomo, que adota medidas restritivas no estado norte-americano - REUTERS

Até que essas práticas tenham sido adotadas, afirmam especialistas, o vírus se espalhava de maneira invisível e vertiginosa em um dos estados mais relevantes dos Estados Unidos. Além da demora para agir, Cuomo permaneceu por muito tempo em disputa política com o presidente Donald Trump —o principal motivo da briga entre os dois foi a falta de ventiladores pulmonares— e com o prefeito da cidade de Nova York, Bill de Blasio, seu correligionário.

São Paulo tem um número oficial muito menor de mortes e infectados, mas também testa muito menos, o que indica uma grande subnotificação. No estado de Nova York, que tem uma população que é menos da metade da de São Paulo (19 milhões, contra 44 milhões), a capacidade de testagem é dez vezes superior à atual de São Paulo.

Atualmente, a administração paulista faz 2 mil testes por dia, contra 20 mil em Nova York. Na quarta-feira (14), enquanto São Paulo havia feito 14.500 testes, Nova York já beirava meio milhão.

Doria tenta virar esse jogo, com o anúncio da compra de 1,3 milhão de testes. Atualmente, há insumos para a realização de 867 mil exames. A partir do dia 24, a capacidade de de processamento de testes deve aumentar de 2.000 por dia para 5.000 por dia, e, em 18 de maio, 8.000 por dia.

Para a infectologista da Unicamp Raquel Stuchhi, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, a quantidade de testes feitas no estado é irrisória.

“No estado de São Paulo, deveria já ter, se tivesse conseguido, mais testes antes, mais precocemente. E na situação que estamos, já com conhecimento do relaxamento do isolamento pela comunidade, medidas restritivas deveriam ter sido colocadas em prática”, afirma.

“O coronavírus não escolhe classe social, ele atinge a todos. Em São Paulo, seguimos o que a medicina e seus especialistas recomendam. Se não tivermos a colaboração da maioria, muitos vão sofrer e perder suas vidas", disse Doria, após mais um índice baixo de isolamento social decepcionante, de 50%.

Enquanto isso, em Nova York, Cuomo dobrava a aposta nas restrições. Na quarta (15), assinou ordem executiva para que moradores usem máscaras em lugares públicos.

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