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Vacinas contra Covid podem ser aperfeiçoadas, diz presidente da Fiocruz

Nísia Trindade diz que contrato do Brasil permite mudanças caso imunizante de Oxford não seja eficaz contra variantes do vírus

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Rio de Janeiro

À frente da Fiocruz em um dos momentos mais intensos da história da fundação, a socióloga Nísia Trindade, 63, diz que podem ser feitos aperfeiçoamentos na vacina que será produzida no Brasil caso estudos mostrem que ela não é eficaz contra novas variantes do vírus.

“Tem que ser estudado caso a caso. No caso do Reino Unido, que é uma variante que preocupa bastante, foi demonstrada a eficácia da vacina [de Oxford/AstraZeneca]. Pela plataforma tecnológica adotada e pelo acordo que firmamos, ela pode ser aperfeiçoada se necessário”, afirma.

Em entrevista concedida por vídeo na quarta (10), a presidente da fundação concorda que não só o Brasil, mas todo o mundo, assumiu risco ao encomendar imunizantes antes de concluídas as pesquisas.

Mestre em ciência política, ela minimiza o atraso na entrega de insumos e diz não haver evidências de que conflitos entre autoridades brasileiras e chinesas tenham contribuído para isso. Também acredita que é irrelevante a comparação que tem sido feita entre a Fiocruz e o Instituto Butantan. Cada vacina é diferente e tem processos diferentes, afirma.

Apesar de a OMS já ter recomendado a vacina da AstraZeneca, um estudo preliminar apontou redução de eficácia contra a variante sul-africana do vírus. Essas dúvidas sobre a eficácia podem causar desconfiança no Brasil?
A confiança depende de uma comunicação eficiente. A aprovação da OMS demonstrou que é uma vacina eficaz e segura, com toda a pesquisa feita, adequada para os sistemas de saúde em todo o mundo. A União Europeia também aprovou, apesar de alguns países terem feito uma restrição de idade que não teve a ver com a questão da variante.

A OMS reconheceu que o estudo na África do Sul foi feito com um pequeno número de casos, mas que não deixa de ser um alerta sobre a possibilidade, sim, das variantes implicarem possíveis aperfeiçoamentos na vacina. Isso tem que ser estudado caso a caso. No caso do Reino Unido, que é uma variante que também preocupa bastante, foi demonstrada a eficácia da vacina. Pela plataforma tecnológica adotada e pelo acordo que firmamos, é uma vacina que pode ser aperfeiçoada se necessário.

A senhora então reafirma a eficácia da vacina, mas admite a possibilidade de revisão e aperfeiçoamento?
Reafirmo a eficácia com base nos estudos feitos até agora, e digo que já faz parte do processo dessa vacina a possibilidade de revisões futuras. Mas o mais importante de tudo é: quanto mais vacinada for a população, menos circulação do vírus nós teremos e, portanto, esse problema das variantes será reduzido.

A Fiocruz ainda recomenda a aplicação da vacina em idosos, mesmo com a restrição que alguns países europeus fizeram porque os estudos não teriam incluído uma amostra representativa para essa faixa etária?
Recomendamos sem hesitação. Há demora para incluir idosos nos grupos de pesquisa clínica de fase 3, porque primeiro se avalia a segurança. Não é questão de ser um número pequeno de idosos, é que ele foi introduzido já mais tardiamente, então vamos demorar a ter resultados mais conclusivos.

Não é uma escolha arbitrária, é a mesma escolha que fez a OMS, a agência de vigilância da comunidade europeia e do Reino Unido. Elas se basearam nas mesmas evidências científicas e num cenário de pandemia, onde sempre se avalia risco e benefício. Não existem todas as certezas, mas existem as certezas necessárias para proteger principalmente os mais vulneráveis, como os idosos.

O pesquisador Akira Homma, ex-presidente da Fiocruz, afirma que o Brasil assumiu um risco ao assinar o contrato para compra da vacina antes dos resultados dos estudos clínicos de fase 3. A senhora concorda?
É absolutamente verdadeiro. Não só nós, mas o mundo inteiro, assumimos o risco porque fizemos um contrato de uma encomenda tecnológica, que é quando você compra não o produto, mas um serviço de inovação do qual resulta o produto. Então é um risco, porque a vacina poderia não ter dado certo, como algumas vacinas de laboratórios muito consagrados que foram interrompidas.

Ao que a senhora atribui o atraso na entrega do IFA?
Houve um atraso no cronograma, mas que do ponto de vista do contrato nem foi tão significativo. Nosso acordo previa a entrega do IFA até o final de janeiro, só que começamos a trabalhar com a perspectiva de receber antes, no final de dezembro. Buscamos a antecipação do cronograma, então existe atraso porque existe a urgência. A vacinação havia começado no mundo, e a necessidade de começar no Brasil se tornou muito premente. Mas claro que houve percalços. Esse IFA já estava produzido no laboratório de Wuhan, na China, por isso achávamos que seria possível trazê-lo antes, mas não conseguimos. E as informações da AstraZeneca, da embaixada do Brasil na China e de todas as autoridades que se mobilizaram para resolver a questão é de que isso se deveu a procedimentos regulatórios para exportação de insumos na China.

O Butantan planeja começar a entregar 600 mil doses por dia da Coronavac a partir de 23 de fevereiro. Enquanto isso, a Fiocruz prevê apenas 1 milhão de doses só para a segunda quinzena de março. Por que os prazos são tão extensos?
Os prazos são diferentes porque são vacinas diferentes, com características próprias no processo de produção. No nosso caso estamos recebendo o IFA, fazendo a formulação de uma vacina de vetor viral. Não sei todas as etapas do processo que serão feitas no Butantan. Já que vocês colocaram a comparação, é importante dizer que são esses dois laboratórios que vão dar sustentabilidade ao programa de imunização, então será muito bom contar com as vacinas produzidas pelo Instituto Butantan. E a nossa entrega no início será de 1 milhão de doses porque também estamos fazendo todo um processo de validação junto à Anvisa dessa fabricação numa tecnologia nova. Teremos o pleno registro da vacina.

Incomoda essa comparação com o Butantan que vem sendo feita? A senhora acha injusta?
Equivocada, mas absolutamente secundária. O Brasil não teria condições de estar fazendo essa vacinação hoje sem os dois institutos. Além disso, se eu for comparar, temos uma questão fundamental que é o intervalo entre as doses. Ao entregar 2 milhões de doses da vacina da AstraZeneca, essas pessoas só vão receber uma segunda dose daqui a três meses. Então digamos: 3 milhões de doses do Butantan, na verdade, num primeiro momento, você tem que pensar como 1,5 milhão de doses. Eu poderia levantar vários elementos de comparação, mas eu realmente acho que isso é irrelevante.

As pessoas perguntam por que a Fiocruz começou depois.
A Fiocruz não está começando depois. A Fiocruz começou esse processo em abril, de uma vacina nova com uma série de características que levaram a essa diferença nos cronogramas. Não é que a comparação me incomode, mas ela me parece irrelevante.

Uma lei aprovada pelo Congresso fixa prazo de cinco dias para que a Anvisa autorize o uso emergencial de vacinas no Brasil, desde que aprovadas por organismos internacionais. A senhora é contra essa lei, como a Anvisa?
Temos uma agência de vigilância e saúde respeitada, que demorou a ser estabelecida no Brasil [na década de 1990] e que tem trabalhado com celeridade. Há urgência na aprovação, mas não podemos desconsiderar a análise feita pela nossa agência, que segue protocolos internacionais.

Integrantes do governo têm demonstrado simpatia pela Sputnik. Isso pode desmoralizar a vacina da AstraZeneca?
A ideia não é ter o monopólio de um laboratório sobre o Programa Nacional de Imunizações. Estamos falando de imunização de uma sociedade, estamos vendo as dificuldades de cobrir os grupos prioritários. Quanto mais vacinas tivermos, desde que eficazes e seguras, deverão ser incorporadas. Mas é importante que haja essa avaliação da Anvisa, monitoramento da vacinação, são várias etapas. Também como disse, já coloquei à Anvisa, pensar na estratégia de possíveis aperfeiçoamentos da vacina. Isso vale para todas.

Quantas reações adversas à vacina foram registradas até agora?
Não sei dizer um número, mas sei dizer que todas as reações adversas registradas até o momento são absolutamente compatíveis com a bula. E é importante dizer quando há reações que fogem à bula, casos suspeitos, outras indicações. Isso é investigado.

Qual é sua opinião sobre a proposta de compra de vacinas por instituições privadas?
Neste momento da pandemia, com uma oferta muito restrita de vacinas em todo o mundo, não é possível ter outro sistema que não seja o programa nacional, respeitando a fila.

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