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Queiroga minimiza vacinação estagnada e diz que governo já gastou 'fortuna' para promover campanhas

Em entrevista à Folha, ministro da Saúde contorna negacionismo de Bolsonaro e diz que desabastecimento de medicamentos 'inspira atenção'

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Brasília

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, 56, diz que o governo já gastou uma "fortuna" para promover a imunização contra a Covid-19 no Brasil e minimiza a estagnação da cobertura vacinal.

Em entrevista à Folha, o cardiologista desafia secretários locais, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e especialistas a fazerem uma campanha de vacinação contra o vírus melhor do que a realizada pela atual gestão. Mas poupa de críticas o presidente Jair Bolsonaro (PL), vetor de desinformação sobre a imunização e cuidados na pandemia.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante entrevista à Folha em seu gabinete - Pedro Ladeira/Folhapress

Queiroga assumiu o Ministério da Saúde em março de 2021, prometendo tornar o Brasil uma "pátria de máscaras". Desde então, modulou o discurso e passou a alternar elogios ao trabalho do governo federal na compra de vacinas com acenos à ala negacionista do bolsonarismo.

O ministro declara ainda que não há decisão sobre a campanha de vacinação contra a Covid em 2023. Afirma, no entanto, que a tendência é reduzir o tamanho do público-alvo e priorizar a vacina da Astrazeneca.

Ele também diz que o desabastecimento de medicamentos e insumos básicos, como dipirona injetável e soro fisiológico, "inspira atenção".

Qual o grau de preocupação do ministério com a varíola dos macacos e a hepatite misteriosa? [Sobre a varíola dos macacos] É uma situação de monitoramento, não de preocupação. Não é algo que seja grave. Naturalmente, os mais vulneráveis, crianças pequenas, idosos, podem ter uma repercussão [forma mais grave da doença].

São poucas as vacinas. Não é considerado um problema de saúde pública. Estamos com a Opas [Organização Pan-Americana de Saúde] buscando contatos para ter a vacina.

Se for necessário comprar, será para um grupo restrito. Aqueles profissionais que estiverem lidando diretamente com esses casos, os que vivem em regiões de fronteira.

Sobre a hepatite, ainda não sabemos a causa. São poucos casos, graves. A área técnica discute esse assunto com o pessoal da infectologia.

É certo que a varíola dos macacos chegará ao Brasil? Muito possível. É uma doença que também pode ser transmitida por partículas respiratórias, mas, até onde discuti esse assunto na OMS [Organização Mundial da Saúde], não tem a mesma contagiosidade da Covid-19.

Pode chegar, mas, se chegar, depois que enfrentamos uma avalanche de óbitos pela Covid-19, estamos preparados para enfrentar 'monkeypox', hepatite de crianças, o que for.

Existe a necessidade do controle de fronteiras? No momento, não.

O informe do ministério fala que uma forma de prevenção é o uso de máscaras. A gente agora vai criar uma lei para obrigar a usar máscara por conta do 'monkeypox'? Não tem elementos. Hoje, temos que ter mais cuidado com a questão da síndrome respiratória aguda nas crianças, que a Covid não é a principal causa, do que com o 'monkeypox'.

Máscara é funcional. Uma barreira, em tese. Mas que máscara? Para que atinjam o objetivo, têm de ser usadas corretamente. O que a gente viu na pandemia:, a pessoa usava o dia todo uma máscara de tecido. No dia seguinte, estava com a mesma máscara. No fim das contas a efetividade é baixa, embora útil.

Às vezes, serve até como posicionamento político.

O Brasil tem testes para diagnóstico da varíola? Está se falando em teste rápido até. Estamos prospectando. Todos os dias, o pessoal da Secretaria de Vigilância em Saúde discute isso.

O sr. cita a Covid-19 como um ativo do Brasil para enfrentar essas outras doenças, mas há críticas sobre a resposta do governo federal na pandemia. Crítica tem em todo lugar. Se for lá nos Estados Unidos, vê lá: crítica pesada. Quem está aqui, no meu lugar, é para receber críticas mesmo.

O sistema de saúde do Brasil é uma conquista, mas tínhamos condição plena de respostas [à Covid]? Veja as notícias de antes de 2018 sobre UTIs. Lotadas, falta de vaga, falta de medicamentos. Isso era o que tinha.

A Fiocruz apontou recentemente que a campanha de vacinação contra a Covid está estagnada. Por que a Fiocruz não faz essa campanha de vacinação? Eu mando dinheiro pra burro para ela.

Não é hora de atualizar a campanha? Ser mais assertivo. A gente gastou uma fortuna com campanha de vacinação. Quem é que está reclamando da [falta de] campanha de vacinação? Eu mesmo já vacinei criança lá no Acre. Em Santarém (PA), na aldeia Zoé. Nenhum desses especialistas que ficam na televisão foi vacinar indígenas na aldeia Zoé. Duvido. Se foram lá fazer isso, peço para sair [do ministério].

O ministério faz campanhas. Quem é que está pedindo para fazer? Clínica de vacinação privada. Querem que eu faça campanha para ganharem dinheiro vendendo vacinas? Por que não fazem?

Secretários de saúde também pedem novas campanhas. Só fazem pedir. O que eles têm que fazer é executar a política pública na ponta. Porque dinheiro na ponta para eles foi em quantidade suficiente, e boa parte deles fizeram mau uso do recurso público.

Da forma como o sr. fala, parece que a campanha de comunicação do governo federal foi a ideal. Foi a maior campanha de vacinação, gastamos mais de R$ 400 milhões [a promoção da vacinação custou R$ 381 milhões, segundo a assessoria de comunicação da Saúde].

Mas uma das faces mais visíveis do movimento antivacina no Brasil é o presidente Bolsonaro. Imagina se o presidente Bolsonaro fosse pró-vacina. A gente tinha gastado quanto? R$ 100 bilhões em vacinas.

Ou teria gastado menos, mas vacinado mais, por eficiência da campanha. Não, o que o presidente sempre me disse é que ele é contra forçar as pessoas a tomarem a vacina.

Mas o senhor não acha que, da forma que ele [Bolsonaro] falou, desestimulou as pessoas a se vacinarem? Não cabe a mim julgar as falas do presidente. Nem fazer conjecturas sobre se as pessoas quiseram ou não tomar a vacina.

O maior defensor do presidente na área de saúde sou eu. E sou o maior defensor da vacina. E o presidente nunca disse que eu não fizesse isso. Apenas disse: 'Queiroga, não vamos forçar as pessoas a tomarem a vacina’. E eu concordo com ele. Não vamos forçar, vamos chamar a se vacinar.

Essa é uma pauta vencida, 80% da população brasileira já tomou o esquema vacinal primário. Avançamos na dose de reforço [Cerca de 43,5% da população recebeu o reforço].

A campanha de vacinação contra a Covid-19 pode ser menor no ano que vem por uma questão orçamentária? Depende do cenário epidemiológico. Na campanha da influenza, vacinamos 80 milhões. O custo dessa campanha é R$ 1,2 bilhão. Com a vacina da Covid, a orientação foi vacinar em massa, de 5 anos até os mais idosos. Gastamos R$ 38 bilhões. Valeu a pena? Valeu. Mas em um cenário onde tivermos média de óbitos baixa, doença sazonal, será que é necessário esse mesmo valor? Não posso responder isso agora. Nem eu sei nem ninguém sabe.

Se tudo se mantiver como agora e não surgir uma vacina nova, pode ser que a gente circunscreva. Idosos, profissionais de saúde, [pessoas com] comorbidades. É possível. Não digo que é isso.

Em breve o ministério terá que enviar a previsão orçamentária para o ano que vem. Tem de enviar. Imagina se eu chegar lá na Economia e falar que é R$ 30 bilhões para vacinas?

O que eu penso? Tenho Astrazeneca. Investi R$ 1,9 bilhão [na transferência de tecnologia para produção na Fiocruz] e consigo vacina a menos de US$ 4 a dose. Essa é a principal vacina. Foi a aposta que o governo fez. Em quem não usamos Astrazeneca? Em gestantes, pessoas com maior risco de eventos trombóticos, crianças.

Qual é a tendência para 2023? Astrazeneca como primeira opção e Pfizer para esses públicos que não podem tomar Astrazeneca.

Há uma série de medicamentos em falta. O cenário deste ano é diferente? No ano anterior foi pior, faltava kit de intubação. Quando assumi, minha maior preocupação era oxigênio e kit intubação.

Agora, falta IFA [insumo farmacêutico ativo] para dipirona injetável. É uma doença do complexo industrial de saúde. Não é de hoje, isso vem de uma política adotada de maneira errada lá atrás.

Há uma década se instituiu as PDPs [parcerias entre laboratórios públicos e privados]. Você viu alguma parceria para fazer IFA de dipirona?

Liberar o preço máximo dos medicamentos irá resolver o desabastecimento? Foi uma das medidas que nós adotamos. Se o mercado não se comportar da maneira correta, a gente pode usar uma medida mais intervencionista. Não queremos.

O senhor avalia que o cenário é grave? Há relatos de dificuldades com medicamentos. Há também concorrência do [mercado] privado, que faz estoque. Algo que inspira atenção do ministério. Não é para estar havendo desabastecimento de insumos como soro fisiológico.

A gente está monitorando os estoques com a Anvisa, com distribuidores. [O] objetivo dessa gente é ganhar dinheiro, não sou contra, mas vamos ganhar corretamente.

O senhor defende intervenção do Legislativo no reajuste dos planos de saúde? [Há propostas de governistas para suspender o percentual autorizado] Defendo que [a ANS] me mostre o valor de cálculo em todo o setor, não só de planos individuais e familiares. E que mostre como a agência está atuando para que a gente tenha melhores entregas e menor custo.

Não é função minha interferir no Poder Legislativo. Mas, assim, nós temos propostas, como o "open health" [inspirada no "open banking", a ideia de compartilhar dados de clientes entre operadoras de saúde é apoiada por Queiroga, mas enfrenta resistência de parte dos médicos e especialistas]. Não sou agente regulador —mas não estou falando aqui como ministro, estou falando como cidadão. Setor que se conglomeriza, se verticaliza. Tem que fazer como aqueles medicamentos de suspensão, né? Agitar antes de usar.

Há possibilidade de corte de verba na Saúde [para viabilizar reajuste de servidores]. O senhor reclamou com o presidente ou Guedes? Sabe qual deve ser o valor? A minha função aqui não é reclamar para o presidente. A função é do presidente reclamar para mim se o assunto eu tiver que resolver.

Não, eu não tenho ainda o valor exato. Mas essas adequações orçamentárias, elas são feitas. Naturalmente que na Saúde as cobranças que me fazem são sempre por mais serviço, por mais recursos. A gente tem que buscar uma forma de equilibrar isso oferecendo políticas públicas adequadas.


RAIO-X

Marcelo Queiroga, 56

Ministro da Saúde desde março de 2021, é médico cardiologista. Foi presidente da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) e da SBHCI (Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista). Formou-se em medicina pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e fez residência médica em cardiologia no Hospital Adventista Silvestre do Rio de Janeiro.

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