Em livro, cirurgião traz histórias de quem fez bariátrica, inclusive ele

Médico, que passou pelo procedimento para perder peso em 2018, relata como foram a decisão e a adaptação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Considerada uma espécie de último recurso na luta contra a obesidade, a cirurgia bariátrica, ainda hoje, é rodeada de mitos e estigmas. Em seu livro "Histórias de Peso: A Obesidade como Ela É", o cirurgião Felipe Koleski disseca a questão e desnuda a modalidade cirúrgica, por meio das histórias de pacientes e de sua própria —ele se submeteu ao procedimento em 2018.

O recorta-e-cola nas tripas, que muda o caminho da comida e cria barreiras para coibir exageros, além de mexer com os hormônios e a saciedade, costuma trazer bons resultados, especialmente quando associado às mudanças de hábitos alimentares. Reiteradamente Koleski ressalta a importância do acompanhamento do paciente por outros profissionais, como psicólogo e nutricionista.

Apesar do viés otimista comumente associado à cirurgia, existe uma probabilidade nada desprezível de recidiva da obesidade. De acordo com estudos recentes, esse total pode superar os 25% e chegar a mais de 60%, dependendo dos critérios adotados, como tempo decorrido até a reavaliação e a quantidade de peso reganho.

Homem de terno e óculos posa para retrato de braços cruzados
O cirurgião Felipe Koleski, que lança o livro "Histórias de Peso: A Obesidade como Ela É" - Jefferson Silva dos Santos/Divulgação

Isso sem falar nas possibilidades de complicações, até mesmo letais, associadas a qualquer procedimento cirúrgico: tromboses (quando um coágulo se forma e bloqueia o fluxo sanguíneo para alguma parte do corpo), reação alérgica, sangramentos e infecções.

Koleski inclui no livro o triste caso de uma paciente de 40 anos que perdeu a vida após a bariátrica. Ela teve um sangramento intra-abdominal, o que gerou uma grave infecção. O cirurgião conta que as complicações mais graves costumam ser fístulas, aberturas entre o trato gastrointestinal e o interior do abdome, por exemplo causadas pela abertura de grampos que prendem o estômago ao intestino.

A paciente foi submetida a uma nova cirurgia, mas a fístula não foi encontrada. Passou por seguidos processos de diálise (filtração do sangue por uma máquina que faz o papel dos rins), mas não resistiu e morreu. "Foi em uma sexta-feira à noite. Lembro até hoje de seus familiares, marido e irmão, me aguardando na porta da UTI para saber o quadro clínico", escreve.

"Mesmo um episódio como esse estando dentro das estatísticas, a dor de um cirurgião é imensa. O médico é um ser humano e sofre como qualquer outro", afirma.

Segundo ele, o risco de morte hoje em dia está entre 0,2% e 0,3%, ou seja, de 2 a 3 a cada 1.000. É um risco relativamente baixo, mas longe de ser nulo. Daí a importância da boa indicação da cirurgia —quando os potenciais benefícios compensam os riscos.

De todo modo, a oportunidade de ter uma vida mais saudável, com diminuição ou desaparecimento de problemas como pressão alta, diabetes, gordura no fígado, apneia do sono, entre outros, muitas vezes é um argumento mais que suficientes para essa importante escolha, além do impacto psicológico positivo e da confiança social que vêm com as alterações corpóreas.

Pacientes em sala de espera
Pacientes aguardam em centro de referência em cirurgia bariátrica do Hospital das Clínicas de São Paulo, em 2014 - Eduardo Knapp - 11.abr.2014/Folhapress.

Um dos pacientes de Koleski passou a se relacionar intimamente com outras pessoas; outra deixou de sofrer com o controle excessivo de sua vida por parte do marido.

Mas nem sempre a história é tão simples. Uma paciente recusava-se a perder peso porque aos 12 anos começou a ser abusada por um tio que era sócio majoritário na empresa familiar. Com receio de prejudicar seus parentes, submetia-se ao abuso. Comer compulsivamente e ganhar peso eram a estratégia para tentar desestimular as investidas do tio. Koleski diz que casos como esse não são tão raros.

"É um quadro que exige tato e responsabilidade na condução por parte da equipe multidisciplinar, pois, embora tenha relação direta com o sucesso ou fracasso do tratamento no futuro, é sempre do paciente a decisão por revelar [esse histórico] ou não. Depois de um tempo de terapia, a paciente se sentiu confiante e decidida a operar."

O cirurgião também traz relatos de como eram as cirurgias bariátricas no passado —podiam superar seis horas de duração—, com configurações que hoje caíram em desuso, como a Scopinaro, com uma trajetória mais curta da comida no intestino, o que resultava em muitas idas ao banheiro e fezes malcheirosas por causa da digestão incompleta. Felizmente isso melhorou com técnicas mais modernas.

A parte mais instigante do livro, entretanto, é a própria saga bariátrica de Koleski. Ele relata todos os estágios que percorreu: o desejo de operar, quando ainda não cumpria com os critérios recomendados, o momento da decisão, quando já sofria um com um conjunto de condições (colesterol e glicemia elevados, refluxo, gordura no fígado, ronco etc.), a tentativa de desencorajamento por parte de outras pessoas ("É só fazer uma dieta que resolve.") e a hora H, quando foi para a mesa.

Depois vem toda a fase de readaptação do organismo à nova dieta, talvez para muitos um dos maiores desafios. Durante a pandemia, o médico relata, certas vezes, ter aberto a geladeira mesmo sem fome. Aí ele reforça o mantra: "Pra que isso? Não estou com fome".

"De forma alguma quero fazer apologia à cura milagrosa da obesidade. Reforço que a cirurgia é uma etapa, talvez a mais difícil e com certeza o último recurso de um tratamento contínuo contra uma doença grave e incurável. [...] devo permanecer com as mudanças de hábito, pois elas farão com que meu peso se mantenha. O mais importante não é ter uma meta de peso, um número para mensurar, mas sim o quanto ganhamos em qualidade de vida. E para mim fica a lição de como é estar do outro lado, [...] entendo melhor as dúvidas, os medos e as angústias dos meus pacientes", escreve Koleski sobre a própria experiência.

Histórias de Peso: a obesidade como ela é

  • Preço R$ 39,90 (127 págs.)
  • Autor Felipe Koleski
  • Editora Vigia Editora
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.