Descrição de chapéu alimentação

Alvo de polêmica após fala de Lula sobre Flávio Dino, obesidade é fator de risco para outras doenças

Cerca de 22% do brasileiros têm obesidade e 57% estão com sobrepeso

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São Paulo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, durante evento em Brasília na semana passada, que a obesidade é um problema sério de saúde tal qual a fome.

Lula deu a declaração ao comentar que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, está praticando atividade física para perder peso. "A obesidade causa tanto mal quanto a fome. É por isso que o Flávio Dino está andando de bicicleta", disse o presidente, para então ser alvo de críticas de opositores e de pessoas contrárias ao que chamam de "romantização" da obesidade.

A questão da obesidade e do sobrepeso está em voga. Na cerimônia do Oscar de 2023, o ator Brendan Fraser venceu o prêmio de melhor ator por sua atuação no filme "A Baleia" (2022), em que interpreta um professor universitário recluso que convive com a obesidade mórbida e se recusa a tratar a condição. Parte do público considerou o filme gordofóbico por retratar o personagem de Fraser, Charles, como uma pessoa preguiçosa, que se recusa a cuidar de si próprio.

A estigmatização é uma das causas —senão a principal— para que pessoas com obesidade ou sobrepeso não procurem ajuda médica, afirma o coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Ricardo Cohen.

pai, mãe e filha caminham na floresta
Iniciativa da Federação Mundial de Obesidade busca retratar obesos em situações do dia a dia em vez de mostrá-los em situações estigmatizadas, como consumindo fast food - World Obesity Federation

"Olham uma pessoa com obesidade e dizem ‘ele é culpado’, ‘ele não pratica atividade física porque é preguiçoso’, mas na verdade sabemos que não, que há um substrato biológico e também a influência do ambiente que leva o indivíduo a ganhar peso e ter maior risco de desenvolver obesidade", afirma. "Muitas vezes o indivíduo ainda não tem obesidade, mas leva a 'culpa' igualmente por buscar o tratamento."

O médico diz ainda que é importante definir o que é a obesidade e o que é a doença obesidade.

"Hoje em dia ninguém mais define obesidade a partir do IMC [Índice de Massa Corporal, que é o cálculo do peso dividido pela altura ao quadrado], porque existem pessoas grandes com IMC elevado que não têm obesidade. A diferenciação que se faz na clínica é se ela está debilitante ou não", explica Cohen.

Segundo o especialista, a obesidade clínica é caracterizada pelo acúmulo de tecido adiposo (gordura) que provoca algum sinal ou sintoma de disfunção nos órgãos ou afeta a mobilidade. Um efeito importante da obesidade é a inflamação crônica do organismo, que prejudica também o sistema imunológico.

Por outro lado, quando há adiposidade, mas não há lesão ou disfunção de órgãos, a condição é chamada de obesidade pré-clínica. "Existem hoje diversas formas e medicamentos para tratar a obesidade e a perda de peso é apenas uma delas", reforça.

Professora associada da Escola de Enfermagem da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Deborah Malta afirma também que a obesidade não é, epidemiologicamente, uma doença em si.

"A maioria dos médicos na prática clínica trata a obesidade como doença, com classificação própria, mas para o estudo de carga global das doenças da OMS [Organização Mundial da Saúde] usamos a obesidade como um fator de risco para diversas enfermidades", afirma.

Entre as doenças para as quais a obesidade é um fator de risco estão diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e neurodegenerativas e alguns tipos de câncer.

A pesquisadora ressalta, porém, que é alarmante a proporção de pessoas vivendo com excesso de peso e obesidade no Brasil e no mundo, cenário que piorou com a pandemia. Entre 2019 e 2021, o índice de brasileiros com excesso de peso passou de 55,37% para 57,25%, e, com obesidade, de 20,27% para 22,35%.

Malta foi, durante nove anos, coordenadora do Vigitel, pesquisa nacional que reúne dados sobre indicadores de saúde e fatores de risco. Ela ressalta que, embora a pandemia tenha agravado a fome no país, o presidente Lula está correto ao dizer que a obesidade é um problema sério.

"Existe um componente de escolaridade também. Embora os homens tenham maior índice de sobrepeso e obesidade em geral, as mulheres com escolaridade mais baixa são as que mais apresentaram aumento de sobrepeso (64%), o que é reflexo de uma piora no acesso à alimentação e maior carga da pobreza nessas famílias", diz Malta.

"Quando comparamos os fatores de risco para mortalidade, a obesidade tem um fator de risco cerca de dez vezes maior do que a desnutrição aguda. Além disso, ela pode acarretar problemas de saúde mais à frente, como diabetes e doenças cardiovasculares", acrescenta.

Para Paulo Augusto Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a coexistência em um mesmo país de fome e insegurança alimentar, em uma ponta, e obesidade na outra ponta reflete como os dois problemas são potencializados pela desigualdade social.

"É por isso que não podemos ter uma visão simplista da obesidade, individualizada, como se fosse uma questão de escolha. É uma questão também de oferta e acesso a alimentos e de como muitas pessoas são direcionadas a comprar alimentos ultraprocessados porque são baratos e oferecem uma percepção de saciedade."

O médico diz ainda que, além dos efeitos diretos na saúde, a obesidade impacta a economia como um todo.

"Até 2035, os custos da obesidade podem chegar a 3% do PIB [Produto Interno Bruto] brasileiro, ou mais de US$ 70 bilhões. A questão precisa ser tratada com um olhar menos simplificador, por meio [da criação] de políticas públicas de acesso a espaços convidativos para a prática de atividade física e da redução do consumo de alimentos ultraprocessados", conclui.

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