Superado por rival, United aposta em ídolo e gasto de R$ 5 bi para voltar a vencer

Hoje técnico, Solskjaer fez gol na final da Champions League, há 20 anos

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São Paulo

Há 20 anos, em 26 de maio de 1999, Ole Gunnar Solskjaer saiu do banco de reservas, esticou a perna e desviou com o bico da chuteira a bola cabeceada de Teddy Sheringham, nos acréscimos da final da Champions League contra o Bayern de Munique (ALE).

Nunca antes o torneio havia visto algo como aquilo. Um time perdia por 1 a 0 até os 46 min do 2º tempo e venceu por 2 a 1. O Manchester United se tornava a primeira equipe de uma das cinco principais ligas da Europa (Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha e França) a conquistar a tríplice coroa: o campeonato nacional, a copa e a Champions League. 

Solskjaer (no centro, de punhos cerrados) é abraçado pelos companheiros após fazer o gol do título da Champions League de 1999
Solskjaer (no centro, de punhos cerrados) é abraçado pelos companheiros após fazer o gol do título da Champions League de 1999 - Dan Chung-26.mai.99/Reuters

Duas décadas mais tarde, Solskjaer, cabelos grisalhos e a mesma expressão que lhe rendeu o apelido de “assassino com cara de bebê”, tem mais uma vez, a partir do banco, de conseguir uma virada admirável: fazer do Manchester United de novo uma potência em campo. 

Algo que nem ele mesmo acredita que acontecerá do dia para a noite. O time terminou a última campanha da Premier League na sexta posição. 

“Não acho que daqui a um ano estaremos brigando por títulos”, disse, com uma sinceridade desconcertante.

O clube continua uma máquina de fazer dinheiro. Em 2018, faturou R$ 3,3 bilhões. Só ficou atrás de Real Madrid e Barcelona. A estratégia de marketing é a mais agressiva do futebol mundial, com uma capacidade de conseguir parceiros regionais e patrocinadores para diferentes nichos de mercado que impressiona a concorrência.

Em campo o time não consegue se encontrar desde 2013, quando venceu a Premier League pela última vez. Foi a despedida de Sir Alex Ferguson, que passou 27 anos como técnico e senhor do clube, controlando o elenco com mão de ferro. 

O último título da Champions League veio em 2008. O time não chega na final desde 2011.

O Manchester United não estará na próxima edição do principal torneio europeu. E ainda vai assistir, dia 1º, Liverpool (seu maior rival) e o Tottenham Hotspur decidirem o maior título europeu.

O desprezo de Ferguson pelo Tottenham era tão grande que Roy Keane contou em sua biografia que o treinador não dava preleções antes dos jogos contra o rival.

“Ele apenas dizia: ‘rapazes, é o Tottenham’. E mandava os jogadores entrarem em campo. O que ele queria dizer era simples. Eles eram um adversário de bom nível, mas que sempre pipocava quando apertado. Nós passávamos por cima deles”, escreveu o volante, um dos maiores críticos da situação atual do seu ex-clube.

Com o mercado inflacionado, chegou a ser estimado que Solskjaer poderia gastar R$ 5 bilhões em reforços. E mesmo assim não seria suficiente. Um dos argumentos preferidos de José Mourinho para lembrar que não teve apoio do clube para a aquisição para jogadores foi comparar-se com Pep Guardiola

Quando o espanhol disse que o elenco do Manchester City precisava de novos laterais, a família real dos Emirados Árabes, dona de fato do clube, liberou R$ 650 milhões (em valores atuais) para as aquisições de Kyle Walker, Danilo e Benjamin Mendy.

“O Manchester United investiu em reforços desde 2013. Isso ninguém pode negar. O problema é que investiu em apostas erradas, jogadores que não deveriam estar lá. A questão não é ter dinheiro para contratar. O clube está sem direção. Está quebrado por dentro”, disse à Folha Norman Whiteside, ex-jogador do United e o mais jovem jogador a disputar uma Copa do Mundo, com 17 anos e 41 dias, em 1982.

A questão financeira divide torcedores e dirigentes. O clube foi comprado em 2005 por Malcolm Glazer, magnata americano morto em 2014 e é administrado por seus filhos. Desde 2013, não faltou dinheiro para reforços. Foram gastos R$ 3,1 bilhões em novos jogadores.

A reclamação é que o modelo de negócios e a prioridade dos Glazers nunca foi o futebol e nunca será. A fórmula usada para ter o controle em Old Trafford ainda enfurece muitos torcedores. A família americana não tinha o dinheiro para comprar o Manchester United. Para levantar a quantia, fez quase R$ 4 bilhões (em valores atuais) de empréstimos bancários, dando como garantia receitas e bens do clube que eles ainda não eram donos.

Desse total, eles ainda têm de pagar, com dinheiro do United, cerca de R$ 2,4 bilhões. Há também juros de R$ 1,3 bilhão a serem quitados. Em dividendos para os Glazers, donos de 97% das ações com direito a voto, foram depositados R$ 325 milhões apenas no ano passado.

“Você olha tudo isso e não se surpreende que o clube esteja nessa situação”, escreveu o jornalista David Conn, do Guardian.

O desespero da torcida com o aparente desinteresse dos proprietários com os assuntos esportivos aumenta porque o único responsável pelo futebol é Ed Woodward, um ex-banqueiro sem qualquer experiência prévia no mundo da bola e que tem a gratidão dos Glazers por ter sido a cabeça por trás da engenharia financeira da compra das ações, em 2005.

“Nossa capacidade de obter patrocinadores e faturamento não é influenciada pelos resultados em campo”, disse Woodward, em uma declaração que os fanzines dedicados ao time não se cansam de repetir, em tom de escárnio.

O contraste com os tempos de Alex Ferguson, filho de operário da indústria naval na decadente Govan, periferia de Glasgow, na Escócia, não poderia ser maior. 

“Nós ganhamos a Premier League e a Copa da Inglaterra em 1994. Eu estava deixando o clube para ir para o Middlesbrough. No dia seguinte à final da Copa, fui a The Cliff (onde era o centro de treinamento) para recolher meus objetos pessoais. Era um domingo, 7 horas da manhã e a temporada havia acabado. Só havia um carro no estacionamento. Sir Alex estava em seu escritório planejando as mudanças para o campeonato seguinte”, disse Bryan Robson, em visita ao Brasil no ano passado.

Não que Ferguson seja santo e não tenha culpa na confusão que se tornou um dos clubes mais ricos do mundo. Mesmo que de forma involuntária, ele é um dos responsáveis pela concatenação de fatos que levou à venda aos Glazers e sempre foi um dos seus mais fortes defensores. 

Solskjaer faz saudação aos torcedores após partida do Manchester United contra o Huddersfield
Solskjaer faz saudação aos torcedores após partida do Manchester United contra o Huddersfield - Peter Powell-5.mai.19/Reuters

Quando decidiu se aposentar, em 2013, ele escolheu, sozinho, David Moyes como substituto. O técnico durou 10 meses e foi demitido. Foi trocado pelo holandês Louis van Gaal, que quase matou os torcedores de tédio com seu futebol, mas conquistou a Copa da Inglaterra em seu último jogo, em 2015. Depois veio José Mourinho, que parecia ter colocado o time nos trilhos na primeira temporada, com as conquistas da Copa da Liga e da Liga Europa, antes de entrar em conflito com metade do elenco, brigar com a imprensa, criticar os atletas em público e ser demitido.

Efetivado após um início vertiginoso como interino, com 10 vitórias e 2 empates nos primeiros 12 jogos, incluindo a milagrosa vitória por 3 a 1 sobre o PSG, em Paris, Solskjaer não segurou a onda. A equipe desabou de desempenho e terminou a Premier League com um futebol sofrível e resultados do mesmo nível. 

Sem experiência prévia em grandes clubes (dirigiu apenas o Molde, na Noruega, e o Cardiff, de País de Gales) ele terá de remontar um elenco que não tem a confiança da torcida, precisa desesperadamente de vários reforços e que o jogador mais caro, Paul Pogba, quer sair para o Real Madrid.

Tudo o que ele tem a seu favor é a idolatria da torcida por causa do gol que, neste domingo (26), completa 20 anos.

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