Há 20 anos, Super Técnico deu visibilidade, uísque e cachê a treinadores

Programa de Milton Neves colocava frente a frente os principais técnicos do país

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São Paulo

No final da década de 1990, em uma noite de pizza na casa do apresentador Fausto Silva, o empresário J. Hawilla (1943-2018) se encantou com as histórias de futebol contadas por Luiz Felipe Scolari, então técnico do Palmeiras. Na ocasião, o grupo Traffic havia acabado de assumir o departamento de esportes da TV Bandeirantes.

Hawilla, dono da empresa, e o diretor e produtor Hélio Sileman resolveram criar uma mesa-redonda com formato diferente: apenas com a presença de treinadores. A ideia era montar um cenário para deixá-los à vontade. Para isso, a direção providenciou um camarim com uísque e quitutes e pagamento de cachês de R$ 3.300 (R$ 11 mil, em valor corrigido pela inflação) por participação.

O primeiro programa, apresentado pelo jornalista Milton Neves, foi ao ar na noite do dia 2 de maio de 1999. Em dois anos de existência, o Super Técnico contou com as repetidas presenças dos principais treinadores do país. Zagallo, Carlos Alberto Parreira, Vanderlei Luxemburgo, Emerson Leão, Paulo César Carpegiani e Tite foram presenças regulares.

“Os treinadores também ganhavam produtos que eu fazia 'merchan'. Eu brincava que o Zagallo, o mais convidado, tinha caixas de ferramentas Bosch suficientes para abrir uma oficina”, conta Neves.

Tite, hoje técnico da seleção brasileira, treinava o Caxias no Rio Grande do Sul e foi convidado porque, durante uma entrevista, deixou o apresentador admirado.

“Eu sugeri convidá-lo, mas menosprezaram porque ele estava lá no Caxias”, conta o apresentador

Semanas depois, Sileman, em apuros com a desistência de um convidado, chamou Tite. “O Sileman, que não entendia nada de futebol, gostou do jeito de Tite e cravou que teria futuro”, disse Neves.

Os convidados, conta o jornalista, precisavam ter o aval de Hawilla, que morreu em maio do ano passado. O empresário fez fortuna com negociações de direitos de televisão e, em 2013, passou a ser o principal delator do escândalo de corrupção no futebol.

Uma das principais recordações de Neves é a participação de Zizinho, considerado o melhor jogador da Copa do Mundo de 1950. Segundo o apresentador, o ex-jogador tomou quase duas garrafas de uísque nos camarins e, sob efeito do álcool, não conseguia se concentrar no programa.

"A gente tinha tempo de discutir", diz Carlos Alberto Parreira, que recorda o dia em que foi convidado para o programa juntamente com Pelé.

Durante a conversa com a Folha, Neves afirmou ser grato a Scolari, que participou por diversas vezes do programa em seu início. Em junho de 1999, o Palmeiras, sob comando do gaúcho, conquistou a sua primeira Libertadores. Scolari deixou o clube alviverde em 2000, foi para o Cruzeiro e, na sequência, conduziu a seleção brasileira na conquista da Copa do Mundo de 2002.

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O jornalista e apresentador Milton Neves foi escolhido para apresentar o Super Técnico. - Fernando Moraes/Uol/Folhapress

“O Felipão tem aquele jeitão. Uma vez ele foi ao programa depois de perder um clássico para o São Paulo do Paulo César Carpegiani. Os dois estavam convidados, fiquei com medo de o Felipão brigar com o Carpegiani de tão bravo que estava”, recorda Neves.

Procurado pela Folha, Scolari não quis dar entrevista. Ele e o apresentador, hoje, não têm relação amigável.
Neves diz que foi o responsável pelo técnico ter sido convidado para dirigir a seleção. Ele conta que recebeu ligação de Ricardo Teixeira, então presidente da Confederação Brasileira de Futebol, e quis saber a opinião do jornalista sobre quem deveria ser contratado para o lugar de Emerson Leão, demitido ainda no aeroporto, no Japão, após má campanha na Copa das Confederações de 2001.

“O Ricardo Teixeira queria ouvir algumas pessoas para decidir entre Felipão e Luxemburgo, meu desafeto. Eu respondi logo, 'é Felipão'. O Teixeira disse que meu voto foi de desempate e ligaria em seguida para convidar o Felipão”, disse Neves.

A inimizade com Luxemburgo, na época, quase evitou a contratação de Neves para comandar o Super Técnico. O radialista tinha pouca experiência com televisão e apresentava plantões esportivos na rádio Jovem Pan, ganhava R$ 4.000 por mês e fazia propagandas para a cervejaria Antarctica.

Já a Traffic tinha compromisso com a então concorrente Brahma. As duas marcas travavam uma batalha agressiva pelo consumidor de cerveja e refrigerante. Para a sorte de Neves, Antarctica e Brahma, em julho de 1999, se associaram e formaram a AmBev.

A contratação de Neves foi selada durante um jantar nos Jardins, em São Paulo, com presença de Sileman, Vanderlei Luxemburgo, Candinho, Hawilla, Ruy Brizolla, executivo da Traffic, e Marcos Lázaro, empresário e espécie de eminência parda do dono da Traffic.

“Quando me perguntaram, eu disse que o Milton [Neves] não tinha o perfil, mas ele me surpreendeu”, disse Vanderlei Luxemburgo à Folha. “O programa foi muito importante para marcar posição, técnico debatia com técnico, nós podíamos expressar nossas opiniões, os nossos pensamentos, nosso conhecimento.”

Hawilla estava interessado em contratar Fernando Vanucci, mas pediu a opinião de Lázaro e foi convencido a contratar Milton Neves. Na televisão, o apresentador ganhou o apelido de Merchan Neves. Com a visibilidade na televisão, Neves diz que o Super Técnico mudou a sua vida.

“Eu estava na Jovem Pan e já me considerava um sucesso, realizado. Tinha um apartamento pequeno na Consolação, outro em São Vicente e uma Caravan", disse o jornalista.

“Já escreveram, na Veja, que eu ganhava R$ 800 mil com meus patrocinadores. Teve momentos que isso foi dinheiro de pinga perto de tudo o que recebia.”

Erramos: o texto foi alterado

O programa Super Técnico estreou no dia 2 de maio de 1999, não no dia 1º, conforme publicado em versão anterior do texto. A informação foi corrigida.

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