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Imprensa reforça estereótipo da doméstica como coitada, diz faxineira influencer

Para Veronica Oliveira, visão preconcebida dos jornalistas ofusca realidade da profissão

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Veronica Oliveira

Diarista e influenciadora digital, criadora do perfil @faxinaboa

São Paulo

Como parte dos projetos especiais dos 100 anos da Folha, o jornal convidou 13 integrantes de grupos sub-representados no jornalismo profissional praticado no Brasil. Eles expõem episódios de preconceito e desinformação, além de problemas na relação com jornalistas e na forma como a imprensa noticia —ou não noticia— questões que os afetam direta ou indiretamente.

Batizada de “E Eu? - O Jornalismo Precisa me Ouvir”, a série é formada por vídeos e depoimentos em forma de texto.

A faxineira e influenciadora Veronica Oliveira, no auditório da Folha
A faxineira e influenciadora Veronica Oliveira, no auditório da Folha - Bruno Santos/Folhapress

Diarista e influenciadora digital, Veronica Oliveira, 39 anos, fala sobre a representação dos trabalhadores domésticos na imprensa. Ela é criadora do perfil @faxinaboa, com quase 300 mil seguidores no Instagram. Leia entrevista ou assista ao vídeo (há uma versão com recursos de acessibilidade logo abaixo).

VERSÃO COM RECURSOS DE ACESSIBILIDADE

Sempre gostei muito de cuidar da minha própria casa, mas não imaginava que um dia poderia trabalhar com isso. Em 2016, passei por problemas psiquiátricos e fui afastada do meu trabalho pelo INSS. Fiquei sem renda. Fui dormir na casa de uma amiga e, enquanto a gente conversava, limpei a casa dela. No final, ela perguntou: “Você se ofende se eu te pagar?”

Percebi que, se eu fizesse aquilo profissionalmente, minha renda mais que triplicaria e eu poderia mudar de vida fazendo algo de que gostava.

Resolvi divulgar meu trabalho usando referências pop e redes sociais, o que fez com que o meu público fosse muito parecido comigo. Por outro lado, sou neta de doméstica e descobri que muitas situações que presenciei com minha vó ainda existem: pessoas que se recusam a entrar no mesmo elevador que eu, que julgam minha inteligência e minha escolha por trabalhar como faxineira. É uma profissão como qualquer outra. Por que vou achar que alguém é pior ou melhor por conta daquilo que faz?

A mídia e a imprensa, no geral, retratam o trabalho doméstico de forma caricata. Sempre tem uma reportagem do tipo “Filho da faxineira se formou em medicina”. Qual é a importância de dizer que é o filho da faxineira?

No consenso geral, o filho da faxineira nunca iria poder estudar, o que é uma visão totalmente inadequada. Quase todas as mulheres investem dinheiro na educação dos filhos.

Percebi o tipo de visão que as pessoas têm quando me perguntavam quem pensa nas coisas que eu escrevo, quem escreveu meu livro, como eu tinha conhecimento de séries e filmes. A pessoa já parte do princípio de que eu não tinha acesso a informação ou inteligência.

Me perguntam se a pandemia vai fazer as pessoas darem mais valor [ao trabalho doméstico]. Claro que não! A primeira morte [por Covid-19] no Rio foi de uma empregada doméstica.

Um repórter estava na minha casa —quando eu morava num quartinho de pensão—, viu um livro e comentou que faxineiras não liam Nietzsche. Perguntei: “Mas com quantas faxineiras você já conversou antes?” Ele entendeu ali que tinha uma visão preconcebida.

Por que vou achar que alguém é pior ou melhor por conta daquilo que faz?

Veronica Oliveira

Faxineira e influenciadora digital

[Os jornalistas são] uma galera muito específica, é todo mundo branco classe média que estudou em grandes faculdades e vai para grandes veículos de imprensa. Por mais que vá fazer uma matéria ou outra, ele não tem aquela vivência.

Já me aconteceu de fazerem uma reportagem sobre como eu construí uma equipe para trabalhar comigo. A menina veio fazer a matéria e falou: “Vamos fazer um enquadramento com você mandando nela.” Falei que não era assim que a gente trabalhava. Em nenhum momento ela perguntou o que a gente fazia —ela chegou com a ideia preconcebida. A matéria ficou horrorosa, porque a gente não conseguiu trocar.

As pequenas iniciativas que criamos são completamente ignoradas, mas, quando acontece uma grande desgraça, a mídia lembra que existimos. Por exemplo, muitas domésticas se reuniram para arrecadar alimentos e dinheiro para ajudar as faxineiras que não conseguiram continuar trabalhando. Esse tipo de coisa não é noticiada.

Depois de uma matéria na própria Folha, em que apareci com um sorrisão e segurando um espanador, numa pose mais altiva, ouvi as pessoas falando, “Ó lá, gourmetizaram a faxina”, porque eu não estava chorando, não estava numa favela. É importante mostrar outras facetas do nosso trabalho para, quando alguém vir a gente sorrindo, não achar estranho.

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