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Sexualidade das mulheres mais velhas é ignorada pela mídia, diz escritora

Aos 65 anos, Isabel Dias acredita que a imprensa pode derrubar mitos sobre sexo na velhice

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Isabel Dias

Escritora e palestrante, é autora de “32: Um Homem para Cada Ano que Passei com Você”

São Paulo

Como parte dos projetos especiais dos 100 anos da Folha, o jornal convidou 13 integrantes de grupos sub-representados no jornalismo profissional praticado no Brasil. Eles expõem episódios de preconceito e desinformação, além de problemas na relação com jornalistas e na forma como a imprensa noticia —ou não noticia— questões que os afetam direta ou indiretamente.

Batizada de “E Eu? - O Jornalismo Precisa me Ouvir”, a série é formada por vídeos e depoimentos em forma de texto.

A escritora e palestrante Isabel Dias
A escritora e palestrante Isabel Dias - Bruno Santos/Folhapress

Escritora e palestrante, Isabel Dias, 65, fala sobre a representação dos idosos na imprensa. Ela é autora de “32: Um Homem Para Cada Ano Que Passei Com Você”, livro de memórias sobre a redescoberta da sexualidade na velhice. Leia entrevista ou assista ao vídeo (há uma versão com recursos de acessibilidade logo abaixo).

VERSÃO COM RECURSOS DE ACESSIBILIDADE

Não tenho 100 anos que nem a Folha, mas aos 55 redescobri minha vida. Tive de me refazer por causa de uma separação muito difícil, muito dolorosa. Aos 55 anos, a mulher é tida como velha e, muitas vezes, como inútil. Saí da minha cidade, vim para São Paulo, caí nesse caldeirão de cultura e resolvi redescobrir minha sexualidade. Eu não era aquela porcaria que ouvi tanto no final do casamento.

Fui vivendo algumas aventuras, aprendendo aquilo que eu não sabia, e fazia um diário. Foi muito doloroso, mas era o único momento que eu tinha de bálsamo. Quando contava minhas aventuras, revivia aquela coisa e saía da dor. Comecei a escrever na terceira pessoa —não era "eu", era "ela". Depois mudei.

Virou livro, "32: Um Homem para Cada Ano que Passei com Você."

Meu filho Chico foi quem mais me incentivou a publicar, os outros dois ficaram receosos. A primeira coisa que ouvi foi: "Mãe, a internet é cruel. Vão te crucificar." Discutimos muito o uso de pseudônimo —mas aí deixa de ser autobiográfico e vira um romance. E romance qualquer um escreve. Para dar força, tinha que ser publicado com o nome real. Era o momento de mostrar que aquilo não me trazia vergonha nenhuma.

Durante entrevista à Folha, Isabel Dias segura seu livro '32: Um Homem Para Cada Ano Que Passei com Você'
Durante entrevista à Folha, Isabel Dias segura seu livro '32: Um Homem Para Cada Ano Que Passei com Você' - Bruno Santos/Folhapress

Na época foi um boom. Uma mulher velha falando de sexualidade e de ir para a cama com os outros foi um susto.

Depois do lançamento, não só passei a viver disso como dei outro rumo para a minha vida. Aos 63 anos, participei de um documentário ["Acende a luz", de Paula Sacchetta e Renan Flumian] que joga o velho na cama, que discute sexo sem vergonha, que mostra o corpo que me dá prazer. Tenho só 65 anos. Tenho pelo menos 30 anos de prazer e de vida para viver.

Nos cinco anos entre o livro e o documentário, senti uma diferença brutal de apoio. Nesse período, a mídia trabalhou muito mais a questão da idade.

Não sei nem se posso me chamar de velha. Eu sou uma adulta com mais de 60 anos —não sou "madura", "terceira idade", "melhor idade". Não!

O Brasil tem 30 milhões de adultos com mais de 60 anos. É 13% da população, é muita gente. Nós precisamos discutir mais isso. Ninguém faz uma pauta sobre modos da mulher gozar depois da menopausa. Ninguém fala. Ainda é assunto proibido.

Não sei nem se posso me chamar de velha. Eu sou uma adulta com mais de 60 anos

Isabel Dias

Escritora e palestrante

Quando falam em "mais velhas", os jornalistas botam uma velhinha de birote. Um cabelinho branco. Por que não pode botar uma mulher de 60 anos de biquíni na praia? Quando as famosas de 60 anos posam de biquíni, é aquele "uá". Gente, vai na praia no Rio —as velhas estão todas de biquíni! Nós não temos uma fórmula. E isso eu acho que a mídia ainda não trabalha.

A primeira matéria [sobre o livro], na Folha, enaltecia tudo o que eu tinha feito. A segunda matéria, na IstoÉ e com chamada de capa, também. Isso fez com que os outros fossem copiando.

Falta a mídia ser mais explícita sobre a sexualidade das mulheres mais velhas. Falta dizer que nem toda transa, nem todo prazer precisa ter penetração. Que você pode tomar um vinho, dormir de conchinha e aproveitar o dia seguinte, que é o que acontece com os velhos. Falta dizer que não precisa de um cara poderoso, que vai dar duas, três gozadas à noite, para ser feliz. Você tem que se libertar dessas crenças.

É crença que o homem que brocha não é homem. Ele é, sim. Ele só está mais velho, mais devagar. Em vez de correr uma prova de 42 quilômetros, você pode correr uma de cinco —e pode te trazer tanta satisfação quanto a outra. A divulgação desse tipo de coisa é fundamental, abre uma porta para o conhecimento e para a aceitação. E o que a imprensa pode fazer? Falar. Discutir.

Nós, os velhos, não queremos só notícias ruins. Não queremos ser atrelados à Covid, ao risco, à morte. Nós queremos viver o dia. Falar sobre idade, trazer informação, trazer opção é fundamental para nós.

Hoje, com 65 anos, eu olho para a frente, faço projetos, aproveito essa vida que a gente tem que arrancar da cidade, até em termos culturais e de aprendizagem —porque tem muita coisa, mas não é para velho. Não pode velho. É como se me falassem "você já viveu sua vida, agora não é mais sua hora". E não é assim que nós enxergamos.

Nós queremos informação. Nós queremos cultura. Queremos abrir o jornal e não só ler o obituário.

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