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Hermínio Sacchetta chefiou Redação após prisão política e enfrentou duas ditaduras

Jornalista liderou Folha da Noite e Folha da Manhã durante a Segunda Guerra Mundial

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São Paulo

Hermínio Sacchetta começou a trabalhar na antiga Folha da Noite em novembro de 1939, assim que a Justiça mandou soltá-lo da prisão onde cumprira quase dois anos de pena por causa de suas atividades políticas. Ele tinha pouca experiência com jornalismo, mas era quase uma lenda.

O jornalista passara boa parte da vida adulta se escondendo da polícia, fora expulso do Partido Comunista Brasileiro e apoiava-se num pequeno grupo de dissidentes trotskistas quando foi preso. Ao sair da cadeia, aos 30 anos, refez seus contatos rapidamente e conseguiu o emprego em poucos dias.

Fotos de frente e perfil tiradas pela polícia mostram um homem branco de cabelos pretos e bigode, vestido com terno e gravata, com uma tabuleta registrando a data de sua prisão, 22 de junho de 1938.
O jornalista Herminio Sacchetta ao ser preso pela ditadura do Estado Novo, em 1938. - Acervo pessoal

O Brasil vivia sob o Estado Novo, o regime ditatorial instituído por Getúlio Vargas em 1937, e o jornal estava sob controle de Octaviano Alves de Lima, um fazendeiro conservador que assumira o negócio com a intenção de transformá-lo em porta-voz dos interesses econômicos dos produtores de café.

Não parecia a melhor hora para Sacchetta voltar a trabalhar, mas havia muito espaço para o crescimento de jornais como a Folha da Noite. O início da Segunda Guerra Mundial atraía a curiosidade dos leitores, e o concorrente O Estado de S. Paulo estava fora de combate, sob intervenção do governo federal.

Sacchetta começou como editor da seção internacional da Folha da Noite e logo foi promovido, passando a chefiar a Redação e ficando responsável também pelo outro título da empresa, a Folha da Manhã. Em dias movimentados, edições sucessivas eram enviadas às bancas para atualizar as notícias.

Embora tenha mantido vínculo com vários grupos de esquerda ao longo dos anos, Sacchetta sempre procurou separar as coisas. "Ele nunca abandonou a militância e suas convicções, mas não usava o espaço nos jornais para fazer proselitismo", diz a documentarista Paula Sacchetta, neta do jornalista.

Era um tipo baixinho que chamava atenção pelos olhos grandes e por viver em estado de permanente agitação. "Olhava para todos os lados ao mesmo tempo", contou certa vez o crítico literário Antônio Cândido, num depoimento a seu filho jornalista e pesquisador, Vladimir Sacchetta, e à neta Paula.

Intelectuais que faziam da Redação ponto de encontro para jogar conversa fora e saber das novidades foram recrutados por Sacchetta para o jornalismo nessa época, entre eles o próprio Cândido, que estreou como crítico na Folha da Manhã, e Florestan Fernandes, que depois fez carreira como sociólogo.

A energia de Sacchetta parecia inesgotável. Em 1944, ele soube do desembarque das tropas aliadas na Normandia ao chegar em casa e escutar a notícia no rádio. Voltou ao jornal e produziu com a equipe de plantão na madrugada uma edição extra sobre a ofensiva contra os nazistas, saindo na frente dos concorrentes.

Driblava sempre que podia as ordens recebidas da censura do Estado Novo, sem que o dono do jornal se incomodasse. "O patrão, devo reconhecer, ofereceu-me a mais ampla liberdade de ação e toda sua confiança", afirmou ao repórter Noé Gertel, numa entrevista publicada pela Folha em 1979.

Sacchetta fez fama como um chefe autoritário, que se irritava facilmente com os subordinados, mas sempre teve admiradores. Chamava de ratazanas os repórteres com quem tinha intimidade. Seu amigo Claudio Abramo definiu o uso que fazia da expressão como "a um tempo premonitório e carinhoso".

Ele deixou a empresa em 1945, quando os jornais foram vendidos para o advogado José Nabantino Ramos e seus sócios. Dezenas de jornalistas se demitiram após o anúncio da mudança, inclusive Sacchetta, porque desconfiavam das ligações entre os novos donos e o governo Getúlio Vargas.

Sacchetta criou um novo jornal com os colegas, mas o empreendimento durou pouco e ele foi para os Diários Associados, do empresário Assis Chateaubriand. Trabalhou ali nos anos 1950, saiu para tocar outros projetos e voltou quando a ditadura instalada pelo golpe de 1964 atingia sua fase mais violenta.

O jornalista cruzou o caminho dos militares em 1969, quando publicou no Diário da Noite a íntegra de um manifesto do líder guerrilheiro Carlos Marighella, que fora transmitido pela Rádio Nacional após a invasão de uma das suas estações por uma dúzia de homens do grupo armado que ele comandava.

Outros jornais noticiaram a ação, mas o Diário da Noite foi o único a publicar o texto de Marighella. Agentes da Polícia Federal foram até a Redação buscar Sacchetta para interrogá-lo e o mantiveram preso por alguns dias. Ele voltou ao jornal assim que saiu, para descobrir que seus dias estavam contados.

Demitido, Sacchetta ficou cinco anos sem trabalho até a Folha chamá-lo de volta em 1975, novamente para cuidar da seção internacional. "Tinha uma aura de herói, e havia muita camaradagem ao seu redor", diz Boris Casoy, que conviveu com ele na época. "As pessoas gostavam de ouvir suas histórias."

Mas ele parecia cansado e a experiência foi curta. Estava com 66 anos, andava com a saúde frágil, e a Folha estava se modernizando. "Era um lugar muito diferente do que conhecera e ele não se adaptou bem", conta o filho Vladimir. Sacchetta saiu após oito meses e nunca mais voltou a trabalhar numa Redação.

Hermínio Sacchetta (1909-1982)

Nascido em São Paulo, começou no jornalismo no fim dos anos 1920, como revisor do Correio Paulistano. Dirigente do Partido Comunista Brasileiro, passou a viver na clandestinidade em 1934 e foi preso em 1938, no Estado Novo. Solto no ano seguinte, entrou na Folha da Noite como editor da seção internacional. Foi promovido a secretário, passou a cuidar também da Folha da Manhã e chefiou a equipe responsável pelos dois jornais até 1945. Trabalhou nos Diários Associados, dirigiu o Shopping News e voltou à Folha em 1975 como editor de internacional, função que exerceu por oito meses. Morreu em 1982, aos 73 anos, em decorrência de um acidente vascular cerebral.

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