Rossi chamou Collor de 'excrescência histórica' em coluna de 1992

Jornalista, que morreu há 2 anos, escreveu logo após abertura do processo de impeachment

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A coluna do jornalista Clóvis Rossi (1943-2019) "serviu de farol para gerações de jornalistas", segundo o escritor e também jornalista Oscar Pilagallo. Rossi assinou a coluna São Paulo, na página A2 do jornal, durante anos e, ao morrer, era colunista de Mundo, além de membro do Conselho Editorial.

Depois de entrar na Folha em 1980, atuou sempre como repórter e colunista. Cobriu importantes eventos da política nacional, como a campanha pelas Diretas Já e eleições presidenciais.

Foi correspondente em Buenos Aires e Madri e, como enviado especial, viajou por todos os continentes. Era figura assídua no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, todo mês de janeiro.

retrato em preto e branco de homem branco de barba e cabelos grisalhos fala ao microfone sentando em uma mesa
O jornalista Clóvis Rossi participa de um debate em 1986 - Niels Andreas - 19.abr.1986/Folhapress

Pilagallo diz que, como colunista, Rossi abordava "assuntos obrigatórios, mas trazia uma perspectiva nova, fruto de um olhar que tirava o melhor da combinação entre a experiência de quem já tinha visto tudo e a curiosidade de um novato", características que levava também para suas análises de temas aparentemente secundários.

Para esses, Rossi emprestava "relevância, com observações reveladoras de aguda sensibilidade social", completa Pilagallo, que entrevistou o jornalista para o projeto História Oral da Folha, além de ter estudado o trabalho dele em sua pesquisa para o livro "História da Imprensa Paulista" (ed. Três Estrelas).

Nesta quarta-feira (7), como forma de celebrar o Dia do Jornalista, publicamos dois textos de Rossi na seção Colunas Eternas.

"Esqueça essa bobagem de que todo político é corrupto", alerta Rossi em sua coluna publicada em 30 de setembro de 1992, um dia após a Câmara dos Deputados aprovar a abertura do processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello.

​Para ele, a sociedade não poderia se recolher, era preciso manter o engajamento em transformações políticas.

O segundo texto, "De luto e de negócios", foi publicado nove anos depois, em 13 de setembro de 2001. Enquanto o primeiro trata de um "assunto obrigatório", esse segundo parte justamente de um detalhe para fazer a análise: uma expressão usada pelo então presidente norte-americano George W. Bush em discurso um dia após os atentados ao World Trade Center.

Bush afirmou que os EUA estavam "open for bussiness", ou "aberto aos negócios", expressão que motivou a reflexão de Rossi. "Luto? Que nada. A palavra da época é lucro", concluiu o colunista.

Leia abaixo as duas colunas na íntegra. ​

Para não perder a vitória

30.set.1992

Foi bonita a festa, pá, mas todos os problemas que existiam antes de Fernando Collor de Mello continuam aí, vivos e gozando de boa saúde. Eliminou-se apenas (e assim mesmo provisoriamente, do ponto de vista formal) uma excrescência histórica que jamais deveria ter acontecido na história da República.

Seria bom, muito bom, se se pudesse, de fato, falar em nova época, um novo começo, um país diferente —expressões que frequentam a retórica destes dias de fervor cívico. Há, no governo Itamar Franco, um dado histórico relevante que está passando ignorado. É o primeiro presidente surgido da oposição ao ciclo militar que dominou o país desde 1964.

José Sarney era presidente do partido de sustentação do regime militar até pouco tempo antes de bandear-se para a oposição. Fernando Collor é um desses produtos típicos do regime militar, do mecanismo de nomeações, em vez de eleições, que fortaleceram oligarquias regionais.

Itamar era do PTB, de um PTB de Juiz de Fora cujo grande nome foi Clodsmith Riani, um sindicalista tido à época como "subversivo". Foi do MDB da resistência. Há, portanto, algo de novo na Presidência da República. Mas não basta.

As circunstâncias fazem com que Itamar esteja cercado de um heterogêneo grupo de aliados. Alguns também da oposição ao ciclo militar, outros filhos diretos deste e terceiros que são governo seja qual for o governo. O Brasil parece eternamente condenado a não romper de vez um ciclo históricos para iniciar outro. Caminha sempre de mistura em mistura.

Mudar essa situação depende de você, que foi às ruas agora. Se a sociedade se recolher de novo, tchau e benção. Esqueça essa bobagem de que todo político é corrupto, que nenhum presta, que todos são iguais. A crise mostrou que não é assim. Um punhado de gente decente levantou-se na primeira hora e, aos poucos, foi virando votos até o resultado de ontem.

Mas só o conseguiram porque havia gente na rua. Se ficarem de novo sozinhos, os decentes perderão sempre. Se os espertalhões perceberem que atrás tem gente, talvez algum dia as coisas mudem mesmo e não apenas na superfície. Como diria a agência que faz os anúncios de Gelol, não basta votar, é preciso participar. De repente, pode até ser muito gostoso, como foi ontem.

De luto e de negócios

13.set.2001

Confesso que deu certo mal-estar ouvir o presidente George Walker Bush dizer, anteontem à noite, que a América (ou a menos as suas agências federais) estaria "open for business" na quarta-feira, apenas 24 horas depois da tragédia do World Trade Center/Pentágono.

Tudo bem que o negócio da América são os negócios, como disse o presidente Calvin Coolidge (1872-1933). Mas será que não dava para esperar ao menos 48 horas até que o sangue secasse?

Bobagem minha. No mundo moderno, não é apenas na América que os negócios predominam sobre a vida (ou, no caso, sobre a morte, o luto, a dor, a perplexidade).

Basta acompanhar a reação das Bolsas europeias. Depois das quedas da véspera, quando muita gente imaginou que estavam soando as trombetas do apocalipse econômico, todas subiram ontem, exceto Zurique. Até o preço do petróleo baixou —um tiquinho, mas baixou.

Luto? Que nada. A palavra da época é lucro. O pessoal foi mesmo atrás do que o jargão das operadoras denomina de "realização de lucros".

Para prevenir que haja, de fato, luto sobre a economia mundial, o Banco Central japonês e o da Europa colocaram pilhas de grana à disposição do mercado. Querem evitar que uma crise de liquidez, provocada pela retração econômica no mundo e agravada pela paralisia forçada das operações nos EUA, leve a um paânico que se auto-alimente.

Posto de outra forma, os BCs japonês e europeu também estão "open for business". Pena que a gente não possa dizer o mesmo do BC brasileiro. Bem que a economia também necessita de uma injeçãozinha de cânfora, mais até que a europeia. Mas a capacidade de ação política das autoridades econômicas tupiniquins tende a zero.

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