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Como não ser iludido pelo presidente

A pediatra Natália Rodrigues, 34 anos, conversava, distraidamente, pelo celular, na noite de segunda-feira passada, enquanto aguardava o semáforo ficar verde.

Percebeu a aproximação de suspeitos e, desesperada, gritou para o cunhado Augusto Mena, com quem conversava: "Vou ser assaltada".

Implorando, berrou: " Não, não, não". Barulho de tiro, silêncio na linha.

Levada ao pronto-socorro, a pediatra morreu _a terceira vítima de homicídio, na cidade de São Paulo, em 20 dias.

Transformada em mais um caso na rotineira estatística de crimes em São Paulo, Natália integra a galeria de corpos que levaram o presidente Fernando Henrique Cardoso a lançar, semana passada, uma cruzada contra a violência.

*

Na busca de popularidade, Fernando Henrique Cardoso despejou, em tom de calamidade nacional, o Plano Nacional de Segurança, com 124 medidas.

A imensa maioria delas previsíveis e, no papel, corretas, mas embaladas em marketing. Vieram só segundo no mandato presidencial e já estavam delineadas desde 1994 como promessa de campanha.

Apesar das cifras baterem nos bilhões, o dinheiro é pouco, muito pouco, para enfrentar o tamanho da criminalidade_ uma tarefa que, a rigor, está nas mãos dos governadores, administradores de uma polícia mal-treinada, escassa, mal-remunerada e, muitas vezes, corrupta ou associada ao crime organizado.

Apesar de lançar medidas de prevenção, voltadas à educação ou iluminação de ruas, sobressaiu, no debate gerado pelo plano, a ênfase à repressão.

Compreensível: a opinião pública acredita que, melhorando a polícia, a criminalidade vai despencar rapidamente.

O que é, em parte, verdade, mas uma ilusão. Uma estatística, em especial, pouco divulgada, mostra que o buraco é mais embaixo _ o desemprego juvenil, na faixa dos 15 aos 24 anos.

Quem não levar em conta essa estatística vai estar ludibriando os cidadãos.

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Todos sabemos que o desemprego aumentou. Pouco se sabe, em detalhes, que aumentou espantosamente entre os jovens, caldo para a formação de delinquentes. Basta ver o perfil dos presos.

Peguemos o caso da região metropolitana de São Paulo, segundo o IBGE. De 1979 até 1998, o desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos cresceu 543,9%. Arredondando: quase 7 vezes.

Em 79, a taxa de desemprego nesse segmento era de 5.6% e, em 98, 27,9%. Um em cada três jovens está desempregado.

Traduzindo ainda mais: se, em 79, tínhamos 78 mil jovens desempregados, hoje beiram os 700 mil.

Para entender melhor, visualizem 10 estádios lotados do Morumbi, com jovens frustrados e sem perspectivas, marginalizados.

Nesse período de quase 20 anos, o número de vagas oferecidas para essa faixa etária caiu em 3,2%.

"Com a mudança da economia, reduziram-se vagas que, tradicionalmente, absorviam a mão-de-obra juvenil com baixa qualificação", afirma Márcio Pochmann, economista da Unicamp, que acaba de lançar o livro "A batalha pelo primeiro emprego".

Diante dessa avalanche de marginalidade, retratada em seu livro, o economista defende que os governos desenvolvam projetos de renda mínima, para estimular o jovem a ficar mais tempo na escola.

A tendência em São Paulo é seguida em todas as regiões metropolitanas brasileiras.

*

A forte influência do desemprego juvenil é notável a partir de uma simples comparação de estatísticas.

Novamente peguemos o caso da região metropolitana de São Paulo, onde, do final da década de 70 até hoje a população saltou de 10 milhões para 17 milhões de habitantes.

Em 1975, quando o desemprego geral era de 5.6%, a taxa de homicídio chegava a 8 por 100 mil. Visto com as lentes atuais, era como se vivêssemos no paraíso.

Em 1999, o desemprego, na média, era de 8,3% e a taxa de homicídios 66,55 por 100 mil habitantes.

Os homicídios cresceram, como se vê, várias vezes mais do que o índice médio de desemprego; a população inchou 70%. A renda por habitante evoluiu; a cidade, portanto, está mais rica, os salários maiores.

O que acompanha a linha de assassinatos é a linha de desemprego juvenil: saltou quase sete vezes.

Ou seja, o homicídio cresceu 7 vezes, e o desemprego na faixa dos 15 a 24 anos, 8 vezes.

*

Seria uma irresponsabilidade fazer uma ligação automática entre desemprego juvenil e mais criminalidade.

Há mais fatores em jogo. Por exemplo: impunidade, indigência da polícia, pobreza das escolas públicas, epidemia de crack, falta de lazer, carência do sistema judiciário, falta de justiça, migração caótica, selvageria das prisões.

Mas, com absoluta certeza, pode-se dizer que, sem medidas para garantir ao jovem meios de ingressar no mercado de trabalho, qualquer plano de segurança não é plano nem, muito menos, seguro.

*

Leia dossiê de textos que traçam perfil da violência urbana e da taxa de desemprego juvenil.

 

 
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