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Marcelo Coelho
  26 de maio
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Volta e meia aparecem pesquisas dando conta que, no Brasil, a população em geral não morre de amores pela democracia. A idéia de que a democracia está "consolidada", de que o país está para sempre imunizado de golpes e rupturas institucionais me parece excessivamente otimista. Peru, Venezuela, Paraguai, Colômbia: depois de um período de relativa descompressão, será que a América Latina vive o início de um novo ciclo autoritário? Como ter certeza de que o Brasil está livre dessa ameaça?
Não quero ser alarmista. Há bons motivos, aliás, para confiar na estabilidade institucional. Cito alguns. Não me parece plausível a eventualidade de uma intervenção militar. Se pensarmos no regime democrático de 1945 a 1964, era constante o apelo das forças políticas civis a um regime de força. Pedia-se a intervenção; contestavam-se resultados eleitorais; o "inimigo interno", a saber, o comunismo, era também um "inimigo externo", a União Soviética; qualquer contestação mais séria ao poder vigente era vista como ameaça à segurança nacional.
Outro argumento: o desapreço que boa parte dos cidadãos tenha com relação à democracia não significa, necessariamente, simpatia pelo golpismo político. Se pensarmos na questão da pena de morte, por exemplo, qualquer pesquisa aponta grande número de entrevistados favoráveis à sua adoção; não é certo, contudo, que isto esteja no horizonte imediato.
De resto, não há muita "necessidade" de ruptura política no Brasil. O sistema que temos dá bem conta do serviço repressivo, desmobilizador e excludente de que foi encarregado o Estado brasileiro. Qual o perigo para a democracia, então?
Considero que, se ele existe, é crônico, e em nada diferente do que ocorre em outros países latino-americanos. É possível imaginar um crescente "endurecimento" dos governos eleitos, e já é clara, em vários países e no Brasil, uma tendência para o continuísmo; a reeleição de Fernando Henrique não é muito mais elegante ou primeiro-mundista que a permanência de Fujimori no governo peruano.
Soluções parlamentaristas, nova reeleição, mais medidas provisórias e rolos compressores no Congresso, hipertrofia do aparato repressivo e pouca disposição para o diálogo político --eis componentes que, sem constituir nenhuma "ruptura" ou golpe, certamente estão vivos no cenário presente ou próximo.
E não são nada democráticos. Aqui, sim, para virar do avesso a argumentação com que iniciei o artigo, vejo motivos para pessimismo.
Três fatores me parecem dignos de nota. O primeiro é que o Estado, por mais reformas que tenham sido feitas, continua sem recursos para atender às demandas mínimas da população. Não há dinheiro para aumentos no funcionalismo público, para financiamento ao pequeno agricultor, para transportes, educação, aquela coisa toda que já se sabe. É claro que o governo, então, "endurece" --não negocia com ninguém, ou negocia mal, porque não quer negociar e também porque "não pode" negociar.
O segundo fator é que, mais do que qualquer outra área "social", é a questão da segurança pública que parece concentrar as demandas mais prementes da população --qualquer que seja a sua faixa de renda. Um aumento relativo dos poderes do Exército e da polícia, tanto em função das atividades do narcotrátfico quanto da chamada "baderna" --essa gente que protesta sabendo que o governo não vai fazer nenhuma concessão...-- dificilmente deixará de ser visto como "natural".
O terceiro fator é o imenso descrédito dos setores políticos. Esse descrédito se divide em duas frentes. Políticos tradicionais são unanimente vistos como corruptos; então --eis a conclusão paradoxal a que chega parte da opinião pública--, tanto faz trocá-los ou mantê-los no poder. Já os setores de esquerda podem, a meu ver com razão, apresentar-se como guardiães da moralidade administrativa. Mas, dado o engessamento orçamentário do Estado, dado beco sem saída de uma economia dependente e frágil, sempre surge o argumento que todas as críticas à política cardosiana são retóricas, que não há mesmo nada a fazer, que o único caminho é este mesmo, ainda que obviamente não leve a lugar nenhum.
O problema, portanto, não é exatamente de "atitudes políticas" da população, de simpatia ou não pelo ideal democrático. A democracia parece enfraquecer-se, no fundo, porque o Estado é que se enfraqueceu. Do ponto de vista orçamentário, do ponto de vista simbólico, do ponto de vista civil: como provedor de segurança, de políticas públicas, de utopias, de futuro. Por isso mesmo, trata-se, para os governantes, de ficar onde estão. Projeto que nunca é muito democrático.


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