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Volta
e meia aparecem pesquisas dando conta que, no Brasil, a população
em geral não morre de amores pela democracia. A idéia de que a democracia
está "consolidada", de que o país está para sempre imunizado
de golpes e rupturas institucionais me parece excessivamente otimista.
Peru, Venezuela, Paraguai, Colômbia: depois de um período de relativa
descompressão, será que a América Latina vive o início de um novo
ciclo autoritário? Como ter certeza de que o Brasil está livre dessa
ameaça?
Não quero ser alarmista. Há bons motivos, aliás, para confiar na estabilidade
institucional. Cito alguns. Não me parece plausível a eventualidade
de uma intervenção militar. Se pensarmos no regime democrático de
1945 a 1964, era constante o apelo das forças políticas civis a um
regime de força. Pedia-se a intervenção; contestavam-se resultados
eleitorais; o "inimigo interno", a saber, o comunismo, era
também um "inimigo externo", a União Soviética; qualquer
contestação mais séria ao poder vigente era vista como ameaça à segurança
nacional.
Outro argumento: o desapreço que boa parte dos cidadãos tenha com
relação à democracia não significa, necessariamente, simpatia pelo
golpismo político. Se pensarmos na questão da pena de morte, por exemplo,
qualquer pesquisa aponta grande número de entrevistados favoráveis
à sua adoção; não é certo, contudo, que isto esteja no horizonte imediato.
De resto, não há muita "necessidade" de ruptura política
no Brasil. O sistema que temos dá bem conta do serviço repressivo,
desmobilizador e excludente de que foi encarregado o Estado brasileiro.
Qual o perigo para a democracia, então?
Considero que, se ele existe, é crônico, e em nada diferente do que
ocorre em outros países latino-americanos. É possível imaginar um
crescente "endurecimento" dos governos eleitos, e já é clara,
em vários países e no Brasil, uma tendência para o continuísmo; a
reeleição de Fernando Henrique não é muito mais elegante ou primeiro-mundista
que a permanência de Fujimori no governo peruano.
Soluções parlamentaristas, nova reeleição, mais medidas provisórias
e rolos compressores no Congresso, hipertrofia do aparato repressivo
e pouca disposição para o diálogo político --eis componentes que,
sem constituir nenhuma "ruptura" ou golpe, certamente estão
vivos no cenário presente ou próximo.
E não são nada democráticos. Aqui, sim, para virar do avesso a argumentação
com que iniciei o artigo, vejo motivos para pessimismo.
Três fatores me parecem dignos de nota. O primeiro é que o Estado,
por mais reformas que tenham sido feitas, continua sem recursos para
atender às demandas mínimas da população. Não há dinheiro para aumentos
no funcionalismo público, para financiamento ao pequeno agricultor,
para transportes, educação, aquela coisa toda que já se sabe. É claro
que o governo, então, "endurece" --não negocia com ninguém,
ou negocia mal, porque não quer negociar e também porque "não
pode" negociar.
O segundo fator é que, mais do que qualquer outra área "social",
é a questão da segurança pública que parece concentrar as demandas
mais prementes da população --qualquer que seja a sua faixa de renda.
Um aumento relativo dos poderes do Exército e da polícia, tanto em
função das atividades do narcotrátfico quanto da chamada "baderna"
--essa gente que protesta sabendo que o governo não vai fazer nenhuma
concessão...-- dificilmente deixará de ser visto como "natural".
O terceiro fator é o imenso descrédito dos setores políticos. Esse
descrédito se divide em duas frentes. Políticos tradicionais são unanimente
vistos como corruptos; então --eis a conclusão paradoxal a que chega
parte da opinião pública--, tanto faz trocá-los ou mantê-los no poder.
Já os setores de esquerda podem, a meu ver com razão, apresentar-se
como guardiães da moralidade administrativa. Mas, dado o engessamento
orçamentário do Estado, dado beco sem saída de uma economia dependente
e frágil, sempre surge o argumento que todas as críticas à política
cardosiana são retóricas, que não há mesmo nada a fazer, que o único
caminho é este mesmo, ainda que obviamente não leve a lugar nenhum.
O problema, portanto, não é exatamente de "atitudes políticas"
da população, de simpatia ou não pelo ideal democrático. A democracia
parece enfraquecer-se, no fundo, porque o Estado é que se enfraqueceu.
Do ponto de vista orçamentário, do ponto de vista simbólico, do ponto
de vista civil: como provedor de segurança, de políticas públicas,
de utopias, de futuro. Por isso mesmo, trata-se, para os governantes,
de ficar onde estão. Projeto que nunca é muito democrático.
Leia colunas anteriores
19/05/2000 - Missão cumprida
12/05/2000 - Isto não é
um cassetete
05/05/2000 - Fiquem avisados
28/04/2000 - Banda
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21/04/2000 - Pacto Fisiológico
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